quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Marcos Augusto Gonçalves - Lula abençoa paraíso fiscal terreno para igrejas, FSP

 

Foi aprovado em comissão da Câmara o relatório da PEC que amplia benefícios fiscais concedidos pelo Estado às instituições religiosas. A proposta é do problemático deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). O parlamentar é bispo licenciado da Igreja Universal, comandada por seu tio Edir Macedo, foi ministro da Pesca, na gestão de Dilma Rousseff, e prefeito do Rio, afastado pela Justiça ao final de seu mandato.

A votação preliminar contou com o apoio governista. O presidente Lula, entre outros luminares da esquerda, insiste que os progressistas precisam se aproximar dos evangélicos, que tendem ao conservadorismo, quando não à ultradireita. Será esse o caminho?

Não faz sentido o Estado, que é laico e deve zelar pela boa administração dos recursos públicos, patrocinar entidades religiosas concedendo vantagens fiscais abusivas. A atual legislação já parece por demais concessiva para padrões republicanos.

Fiéis em templo na região metropolitana de São Paulo - Eduardo Knapp - 23.jul.21/Folhapress

Resumindo o noticiário: além da isenção em vigor para patrimônio, renda e serviços "relacionados às finalidades essenciais" de templos religiosos, a PEC acaba com tributações indiretas, por exemplo, na compra de cimento para obras ou construção de igrejas.

Segundo Crivella, Lula estaria disposto a promulgar a sandice na Páscoa, dando uma de coelhinho em feriado religioso.

Não é segredo para ninguém que a criação de Igrejas no Brasil tornou-se um ramo do empreendedorismo que envolve a busca de lucro e a formação de conglomerados empresariais. A figura do bispo ou do pastor milionário com carrão importado e mansão –ou mesmo aeronaves– é sobejamente conhecida.

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Nesse business bem fidelizado nem sempre as veredas do dinheiro doado de boa fé são as mais iluminadas. Não é preciso refinar as buscas para se deparar, numa consulta ao Google, com um sem número de desvios e golpes encetados por sacerdotes de araque que exploram a credulidade popular.

O colunista Hélio Schwartsman, desta Folhademonstrou, em reportagem de novembro de 2009, a facilidade de ingressar nesse mercado ao criar ele mesmo a Igreja Heliocêntrica e ser contemplado com isenções de impostos em aplicações, além de ganhar o direito a prisão especial em caso de condenação.

Sim, há que se reconhecer ações meritórias e iniciativas em prol das comunidades –mas essa é a finalidade da atuação social de religiosos. Os incentivos deveriam se limitar ao arcabouço da filantropia, que tem lá seus problemas também, e as movimentações financeiras precisariam ser fiscalizadas.

Outro aspecto pernicioso dessa onda de Igrejas que se avolumou nas últimas décadas é a ingerência na política. A chamada bancada da Bíblia, com hegemonia evangélica, tem notórias tendências teocráticas, além de imiscuir-se em assuntos públicos com o intento de obter ganhos materiais para seus negócios.

Certo moralismo religioso, que chegou como nunca a postos de alto comando na trevosa administração de Jair Bolsonaro, acredita na mesma lógica de teocracias como a do Irã: a ideia de que a lei de Deus ou a suposta de lei de Deus deve presidir a gestão da sociedade.

No catecismo de setores terrivelmente religiosos, homens devem vestir azul, mulheres cor de rosa, casamento entre pessoas do mesmo sexo não se admite, homossexuais são doentes que precisam ser curados e por aí vai, com toda a série de postulações retrógradas que tecem nossa nova Idade Média do futuro.

Que essas e outras convicções sejam adotadas como princípios na esfera privada, nada a opor, é um direito democrático, mas a esfera republicana não deveria ser invadida.

Se Lula e o PT consideram que se aproximar da base evangélica é apoiar essa PEC e oferecer o paraíso fiscal na terra às Igrejas, não merecem perdão, afinal sabem muito bem o que estão fazendo.

Demolição de casarão de freiras nos Jardins cria disputa por 'novo parque Augusta', FSP

 Clayton Castelani

SÃO PAULO

A demolição no último sábado (24) de um casarão dos anos 1930 nos Jardins, uma das áreas mais valorizadas na zona oeste de São Paulo, deverá acirrar ainda mais a disputa entre mercado imobiliário e grupos contrários ao avanço da verticalização na região.

Derrotados na batalha travada no Conpresp, o conselho municipal de preservação do patrimônio, um grupo de moradores do entorno agora mira o caso do parque Augusta, no centro, para pressionar pela construção de uma praça no local.

Além disso, nos bastidores do debate no Conpresp sobre o casarão está outro embate semelhante, o que envolve o tombamento de um grande conjunto de imóveis em Pinheiros (zona oeste), e que agora deverá ser defendido com mais afinco pela ala preservacionista do conselho.

Imagem do alto mostra terreno com escombros entre prédios
Terreno na esquina da alameda Itu com a rua padre João Manoel, no Jardim Paulista, onde casarão de 1931 foi demolido no último sábado (24) - Rubens Cavallari/Folhapress

Do outro lado dessa disputa, há donos de imóveis que reivindicam o direito de vender suas propriedades num momento de valorização. Além disso, representantes de segmentos políticos e empresariais argumentam que edifícios mais altos são necessários porque concentram mais pessoas em áreas amplamente dotadas de infraestrutura urbana e serviços.

Antiga residência de freiras, o terreno de aproximadamente 3.000 m² na esquina da alameda Itu com a rua padre João Manoel foi vendido pela Associação Maria Imaculada por R$ 118,5 milhões –cerca de R$ 40 mil por m²– para a construtora Barbara, que possui em seu catálogo edifícios de alto padrão. Procuradas, representantes da associação e da construtora não comentaram.

O desfecho do negócio, com o casarão sendo colocado abaixo com uma escavadeira, ocorreu após a recusa de abertura de processo de tombamento do imóvel pelo Conpresp, órgão vinculado à gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Representada pela Samorcc (Sociedade dos Amigos e Moradores do Cerqueira César), a vizinhança recorreu ao conselho há um ano e, no período, o caso teve idas e vindas.

Setor técnico que dá suporte à decisão do Conpresp, o DPH (Departamento de Patrimônio Histórico) reconheceu a possibilidade de haver valor histórico no imóvel e emitiu parecer recomendando a abertura do processo de tombamento.

O documento, porém, não chegou a ser submetido à votação no conselho. O órgão determinou a realização de uma vistoria e, após a diligência, um novo parecer do DPH indicou que o pedido deveria ser negado. Os conselheiros seguiram a orientação da área técnica.

Desde 2014 a legislação urbana de São Paulo estimula o mercado imobiliário a construir prédios mais altos perto de estações de metrô e dos corredores de ônibus. O objetivo é aumentar o adensamento populacional nessas áreas. Nesse contexto, os tombamentos se tornaram a principal ferramenta de grupos organizados de moradores para impedir a substituição de casas por prédios.

Durante a revisão da Lei de Zoneamento, a Câmara Municipal aprovou dispositivo que tirava parte da força do Conpresp, limitando o órgão à função de formulador projetos e delegando aos vereadores a decisão sobre o tombamento.

A regra também limitava a 180 dias o período em que áreas próximas a bens sob análise de tombamento ficariam inalteradas. As medidas foram vetadas pelo prefeito Ricardo Nunes e a Câmara ainda irá avaliar se derrubará ou não o veto.

Relator da revisão da Lei de Zoneamento e conselheiro do Conpresp, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) afirma que a decisão contrária à abertura do tombamento foi absolutamente técnica, uma vez que a análise do DHP considerou que o imóvel não estava suficientemente preservado para ser considerado patrimônio.

Em nota, a prefeitura também afirmou que o DHP não identificou elementos que justificassem a abertura de processo de tombamento do imóvel e que a análise foi embasada por estudos técnicos.

A Samorcc reclama diz que o Conpresp cometeu grave a omissão, pois a abertura do processo de tombamento resultaria em estudos aprofundados que poderiam demonstrar o valor histórico do imóvel.

A negativa também serviu de argumento para o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubar a decisão provisória, em ação do Ministério Público, que impedia a demolição.

Morador do entorno, o administrador Geraldo Bernardes Silva Filho, 73, participa da organização de um movimento para cobrar reparação por dano ambiental coletivo da gestão Ricardo Nunes. O reparo viria na forma de uma praça pública, uma vez que a área do imóvel é arborizada. "Não podemos simplesmente construir sem nos preocuparmos com o verde e a área de lazer dos moradores", diz.

Vice-presidente da Samorcc, a advogada Celia Marcondes participou do movimento que resultou na criação do parque Augusta. Ela enxerga semelhanças entre os dois casos.

Inaugurado em 2021, o parque na região central ocupa terreno de 24 mil m² onde um colégio católico para moças foi demolido nos anos 1960. A área ficou anos nas mãos do setor imobiliário.

Em 2013, as construtoras Cyrela e Setin adquiriram o espaço e anunciaram a intenção de erguer prédios no local.

Após reivindicações de ativistas e de moradores da região, porém, as empresas aceitaram trocar o espaço à prefeitura para a construção do parque Augusta em troca a liberação sem cobrança de taxas para construir em outras áreas da cidade. A regra que transfere potencial construtivo está prevista na legislação municipal.