segunda-feira, 1 de maio de 2023

Giovana Madalosso - 'Coloquei dois stents no coração: um para cada chefe', FSP

 Desde que publiquei, na última semana, a coluna "Os escravos de luxo da Faria Lima", recebi mais de 600 mensagens, comentários e relatos via Instagram, Twitter, WhatsApp e email. Não só de publicitários mas de profissionais de diversas áreas. Sentindo que essas pessoas querem ser ouvidas, resolvi ceder o espaço desta coluna para algumas delas. Faço um recorte livre dos relatos e não cito nomes porque não quero focar casos específicos, apenas amplificar um coro comum a milhares de pessoas.

< Meu filho nasceu. Um dia depois, estava no quarto da maternidade com soro no braço e computador no colo porque houve uma "emergência" que mais ninguém podia resolver. < Era aniversário do meu filho e eu precisava deixar o bolo na escola, mas não me deixaram sair do escritório. < Fui acompanhar meu pai numa cirurgia e fiquei gerando contratos na sala de espera.

< Uma diretora sugeriu que minha mulher mudasse a data do parto para poder me passar uma campanha. < Fui chorar no banheiro. Meu chefe bateu perguntando se eu ia demorar muito.

Vários prédios refletidos nas janelas espelhadas de um edifício
A região da avenida Faria Lima é um exemplo onde os trabalhadores são submetidos a condições de trabalho degradantes - Danilo Verpa - 25.mai.21/Folhapress

< A máquina não pode parar.

< Somos um time, não somos? Eu indo para um apartamento longe e apertado, a dona da empresa indo fazer massagem.

< O motoboy sofreu um acidente, e a primeira pergunta foi: deu tempo de ele entregar o documento? < Meu chefe, em São Paulo, dizia que era ruim trabalhar com carioca porque dava o horário de sair e nós saíamos. < Em um ano, todos do meu departamento acabaram seus relacionamentos ou se separaram.

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< A mãe dele faleceu, ela morava no Sul. Ele não foi liberado para ir ao enterro.

< Estou com um braço quebrado e, mesmo com atestado, tenho que trabalhar. < Um amigo quase ficou cego devido à carga de horas em mesa de edição de vídeo e teve que se afastar para sempre. < Lembro da época que eu não tinha tempo de fazer cocô. < Com dois meses de licença maternidade, me pediram para voltar. Me recusei. Quando voltei, depois de quatro meses, me demitiram. < Fui promovido a chefe de mim mesmo para não ter direito a hora extra. < As mesmas multinacionais que tiram o sangue dos funcionários no Brasil não fazem o mesmo aqui na Europa.

< Precisa se tratar? Então tá demitida, agora pode se cuidar.

< Sou freelancer e semana passada pedi dinheiro aqui no Twitter porque acabou meu gás, minha gata adoeceu e só me restou chorar.

< Em 2022, o cara se jogou da sacada do escritório de advocacia.

< Foi a época que mais entornei cachaça. < Uma insônia crônica aos domingos, véspera do flagelo semanal.

< Voltando de uma jornada direta de dois dias sem dormir acabei capotando o carro.

< Eu era uma secretária executiva que nem sequer podia fazer xixi sem o celular. < Tive chefe que quebrou telefone no soco do meu lado. < Os colegas me contaram que toda assessora nova ia para um bolão. Apostavam quanto tempo duraria. A média era um mês. O assédio era diário. < Eu estava passando mal. Meu chefe parou o carro. Vomitei. Seguimos para o evento.

< The show must go on.

< Trabalhei como manicure durante oito anos em um salão frequentado por milionários. Depois de dois anos, tive carteira assinada de forma fictícia.

< Meu chefe me mandou um email perguntando se eu precisava mesmo ir na cremação da minha amiga. < Dormi no chão enquanto esperava o vídeo exportar e ouvi meu chefe dizendo que eu precisava vestir a camisa da empresa.

< Sou terapeuta e vejo histórias como essas quase todos os dias.

< Coloquei dois stents no coração: um para cada chefe.

< Dei adeus aos capatazes.

< Até não ter mais sangue e caírem todos doentes.


Telegram erra ao não seguir a lei no Brasil, FSP

 O Telegram foi bloqueado no Brasil na semana passada por ordem da Justiça Federal. A empresa se recusou a entregar informações relacionadas a grupos radicais atuando na plataforma. O perpetrador de um dos ataques às escolas atuava em um deles.

O fundador da empresa emitiu então uma nota no seu canal oficial justificando o descumprimento. A nota causa perplexidade.

Ela diz que "a missão do Telegram é preservar a privacidade e a liberdade de expressão no mundo". Só que a sede da empresa fica nos Emirados Árabes, país que ocupa hoje a 173ª posição global no ranking de liberdade de expressão da Freedom House, classificado como "não-livre". Se a missão é essa, a empresa parece estar no lugar errado.

Logo do Telegram em frente a um notebook
Um teclado é colocado na frente de um logotipo do Telegram. - REUTERS/Dado Ruvic/Illustration

Privacidade também não faz parte do design do Telegram As mensagens trocadas através dele não são criptografadas de ponta a ponta. Podem ser lidas pela própria empresa, que mantém cópia de tudo nos seus servidores. A exceção a essa regra é se os usuários utilizarem o chamado chat "secreto", usado por poucos. Quem busca privacidade no Telegram está no aplicativo errado.

A nota do fundador da empresa também chega a comparar o Brasil com o Irã e outros países em que a remoção de conteúdos é feita pelo poder executivo. No Brasil a ordem veio do judiciário. O Telegram pode recorrer se discordar. Ordem judicial se cumpre, depois se discute.

O Telegram sabe disso. Tanto é que na Alemanha a empresa segue as ordens judiciais que recebe. Inclusive remove e ajuda nas investigações relacionadas a 64 canais extremistas naquele país, com teor parecido com os do caso brasileiro. Se na Alemanha é assim, por que no Brasil é diferente? Fica a impressão de que a empresa está querendo medir forças com a justiça brasileira para ver até onde vai a escalada.

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O Telegram afirma também que sua conduta é governada pelo respeito aos direitos humanos. Só que conteúdos que incitam a violência ou promovem ataques a minorias são universalmente condenados pelos mais de 40 anos de jurisprudência de direitos humanos. Se a afirmação é verdadeira, por que tantos grupos que atuam a olhos vistos dessa forma estavam em paz na plataforma?

A empresa diz em sua nota que a plataforma é de "mensagens privadas". Há muito tempo o Telegram deixou de ser um aplicativo só de mensagens privadas. Ele é hoje um meio de comunicação massivo e aberto. Vários grupos nele têm mais de 100 mil integrantes, audiência maior do que a de muitos programas de televisão.

O Telegram vem ocupando um lugar perturbador de portal para o conteúdo que antes ficava restrito à chamada "deep web". Na plataforma, por exemplo, é possível encontrar e comprar dados pessoais de qualquer pessoa no Brasil. Sem contar denúncias de abrigar tráfico de pessoas e pornografia infantil. Quem quiser detalhes pode assistir ao documentário Cyber Hell disponível no Netflix, focado em um desses casos no Telegram.

Pela lei brasileira qualquer empresa que preste serviços no país tem de respeitar as leis locais. O Telegram tem mais de 50 milhões de usuários aqui. O mínimo que precisa fazer para respeitar todos eles é seguir a lei e o judiciário local.

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CNJ aposenta juiz que questionou credibilidade das urnas, FSP

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu por unanimidade, nesta terça-feira (25), aposentar compulsoriamente o juiz federal Eduardo Cubas pela atuação político-partidária ao questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas e pretender tumultuar as eleições de 2018.

Ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o juiz gravou um vídeo em frente ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em que levantou suspeitas sobre as urnas eletrônicas e defendeu as candidaturas avulsas e independentes.

O conselheiro relator, Mauro Martins, criticou a "decisão teratológica" do magistrado, que "contribuiu para que uma parcela considerável da sociedade passasse a desconfiar das urnas eletrônicas".

Martins ligou a conduta de Cubas ao clima que redundou nos atos do dia 8 de janeiro, quando grupos de bolsonaristas invadiram as sedes dos três Poderes, em Brasília.

CNJ aposenta compulsoriamente juiz que questionou a credibilidade das urnas eletrônicas
Deputado federal Eduardo Bolsonaro e juiz federal Eduardo Cubas gravam vídeo em que questionam a credibilidade das urnas eletrônicas - Reprodução

Martins foi acompanhado pelo colegiado. Vários conselheiros registraram "perplexidade" com a atuação do juiz.

Em seu voto, o relator enfatizou o interesse pessoal do magistrado ao levar em mãos uma suposta minuta a autoridade militar durante um evento. O juiz Cubas pretendia que o Exército fizesse auditoria nas urnas.

Na época, a AGU (Advocacia-Geral da União) considerou que Cubas "atuou com parcialidade, ao se dirigir pessoalmente ao Comando do Exército para antecipar o conteúdo de decisão a ser proferida".

Segundo Martins, "outro fato que gera perplexidade foi a reunião [do juiz] no Exército, sem a presença das partes contrárias".

"O fato de ser líder de associação [Unajuf] não traz um escudo, um manto, para manifestação político-partidária", disse o relator.

"O Exército não deu seguimento à decisão", disse. Martins destacou que o TSE já havia afirmado a confiabilidade das urnas.

VOTO IRRETOCÁVEL, DIZ ROSA

"Com enorme tristeza acompanho na íntegra o irretocável voto do relator", disse a presidente do CNJ, ministra Rosa Weber. "Esse tipo de conduta é incompatível com o exercício da atividade jurisdicional."

"Sem juízes isentos, sóbrios e serenos, não temos como sustentar o Estado democrático de Direito", afirmou Rosa

Ela disse que o "magistrado contou com excelente defesa". A sustentação oral foi feita pelo ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que elogiou a Justiça Eleitoral e lembrou ter manifestado solidariedade à ministra Rosa Weber pelos ataques sofridos.

Aragão disse que não entraria no mérito "se caberia a perícia" proposta por Cubas.

Ele sustentou que "não havia nada de errado" em Cubas ter ido pessoalmente notificar uma autoridade militar durante um evento no quartel-general. Disse que "foi um gesto simbólico" e que o juiz "foi recebido de forma protocolar", como dirigente de uma associação de classe.

Disse ainda que lhe cabia "defender a prática de atos jurisdicionais, por mais controvertidos que sejam as circunstâncias".

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que "a defesa ainda tenta colorir a atividade do magistrado" e questionou "por que demoramos tanto a julgar esse caso".

Salomão criticou o "triste episódio" em que o juiz "se utilizou de uma associação de fachada". "É mais uma dessas atitudes de como não deve ser atuação do magistrado."

A conselheira Salise Sanchotene disse que "é triste ver o juiz federal numa atuação político-partidária". Afirmou que a Unajuf, entidade que era presidida por Cubas, "não representa os juízes federais".

AFASTAMENTO ANTERIOR

Em outubro de 2018, o então corregedor nacional de Justiça Humberto Martins atendeu a pedido da AGU e determinou o afastamento cautelar imediato do juiz Cubas, acusado de atividade partidária "que poderá trazer grande tumulto às eleições".

Em 2019, o ministro aposentado do STF Marco Aurélio concedeu liminar em mandado de segurança e determinou o retorno de Eduardo Cubas às atividades na subseção judiciária de Formosa (GO).

Na ocasião dos fatos, a Advocacia-Geral da União havia vislumbrado "situação que poderá trazer grande tumulto às eleições de 2018, em face da busca e apreensão de urnas eletrônicas em seções eleitorais, nos termos da pretensa decisão judicial, com claros reflexos na credibilidade do próprio sistema eletrônico de votação e apuração do pleito vindouro".

A AGU atribuiu ao juiz conduta desleal e, entre outras, as seguintes práticas:

– permitiu processamento de ação popular em foro claramente incompetente;

– atuou com parcialidade, ao se dirigir pessoalmente ao Comando do Exército, para antecipar o conteúdo de decisão a ser proferida;

– utilizou-se de sua posição de magistrado para atingir objetivos políticos tendentes, ao que tudo indica, a adotar providências que poderiam inviabilizar a realização das eleições em outubro próximo;

– pelo viés ideológico, buscou desacreditar o voto;

– conferiu sigilo judicial a processo, sem fundamento legal para tanto;

– manifestou-se em vídeo divulgado na rede mundial de computadores, com conteúdo político-partidário.

Assinaram a reclamação, à época, a advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, o adjunto da AGU Júlio de Melo Ribeiro e o consultor-geral da União, Marcelo Augusto Carmo de Vasconcellos.