segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Lula e suas circunstâncias - Roberto Amaral

O “mercado” está incomodado, ora com as declarações de Lula sobre seu programa de governo, tidas como pouco ortodoxas, ora com seu silêncio sobre as demandas da Faria Lima. E porque o mercado anda assim nervoso, os diversos indicadores da economia – das bolsas ao câmbio – vivem sua ciclotimia artificial, que tanto alimenta a ciranda financeira e enriquece os especuladores.

O presidente, publicamente pressionado, designou o professor Haddad para falar aos banqueiros reunidos para convescote em bunker paulistano. O auditório, porém, não gostou, principalmente porque não ouviu o que buscava, a capitulação de Lula. Para a Folha de S. Paulo, “São preocupantes declarações recentes de Lula e de Fernando Haddad sobre o contexto econômico”, e o Estadão diz que o mercado, em nome de quem se expressa, “vê risco com a PEC e volta a elevar a inflação de 2023”. Refletindo o amuo da Faria Lima, a bolsa  caiu e o dólar, a moeda em que opera nosso capitalismo, subiu.
De outra parte, o chorume da política (que controla partidos e Congresso) tenta inviabilizar o novo governo, forçando-o desde logo a uma concordata, traficância que igualmente pleiteia a caserna, sequiosa de, mantendo os privilégios de casta, evitar a desmilitarização da república, sem o que jamais conheceremos, sequer, a plenitude da democracia liberal,  experiência que o país tenta construir contra a histórica resistência dos militares e a contraofensiva da mais  atrasada das classes dominantes.

 O Globo, em editorial, dita qual deve ser o perfil do futuro ministro da fazenda, e no Valor a principal colunista do sistema exige “que o Congresso crie limites às ambições do presidente eleito”, e cobra-lhe um governo submetido a rigorosa “ortodoxia fiscal”, para o que indica a necessidade de uma equipe que repita o fiscalismo de Palocci, Meirelles e Joaquim Levi, seus escolhidos. No que depender do “mercado” e seus procuradores, pouco restará para o arbítrio do novo presidente. Herdará do antecessor um país em frangalhos – em que miseráveis se acotovelam na fila do osso –, que deverá governar segundo a cartilha dos que perderam as eleições.

Na sequência, um ex-comandante do exército, golpista de carteirinha (aquele que pôs de cócoras um STF  pouco afeito ao autorrespeito, sobretudo naquele então) expele novo “comunicado” anunciando, a um mês da posse de Lula, refrescadas possibilidades de intervenção militar, enquanto oficiais comandantes estimulam badernas subversivas na porta dos quartéis. Assim se fecha o círculo de giz caucasiano em torno do presidente: mercado, Congresso (centrão), militares. A grande imprensa é porta-voz da tormenta.

Lula herda um Orçamento que é a negação da política aprovada pelo eleitorado no dia 30 de outubro. Precisando governar, é obrigado a negociar com um Congresso terminal, dominado pela aliança da extrema-direita com o famigerado centrão, sob o comando do inexcedível Arthur Lira, o jagunço de paletó e gravata, que na pauta da traficância colocou a garantia, de pronto obtida, de sua lamentável recondução à presidência da Câmara dos Deputados. Presidência sem a qual nenhum governo conhece estabilidade, como nos lembrou o meliante  Eduardo Cunha. Nada obstante as concessões conhecidas, o novo governo, minoritário no Congresso, e assim dependente dos votos de seus adversários, ainda não conseguiu, a um mês de sua posse, viabilizar a PEC do Bolsa Família, e, assim prover com um mínimo de oxigênio o primeiro ano de governo de um curto mandato de quatro anos, cuja viabilidade menos dependerá da conciliação pelo alto e muito mais dependerá do apoio que o Presidente souber conservar, e aprofundar, na sociedade, no diálogo direto com as grandes massas que acabam de o eleger para um terceiro mandato. Apoio, contudo, que poderá faltar-lhe se o preço a ser pago for sua frustração. A história registra precedentes.

Frágil politicamente (minoritário no Congresso e ainda sem o “poder da caneta”, remédio para muitas crises), ameaçada a autonomia de sua politica econômica, aquela anunciada na campanha, com as exigências de um fiscalismo austericida, apartado de nossa realidade socioeconômica, Lula se vê diante daquele que ainda é seu maior desafio, a política de defesa nacional, da qual depende a estabilidade do regime (sempre ameaçado pelos quartéis), a funcionalidade do governo e a necessidade histórica de desmilitarização da república, o que implica, embora não a encerre, a despolitização e despartidarização da caserna, a retomada da disciplina e a subordinação das forças armadas ao império da Constituição – portanto, ao poder civil oriundo da soberania popular que procuram tutelar desde o golpe de 1889.

Lula tem difícil encontro marcado com suas circunstâncias. Nessas de hoje assumirá o terceiro mandato presidencial após um dos mais lamentáveis e nocivos períodos da história militar brasileira, quando a caserna patrocinou o mais inepto e antinacional governo republicano, associando-se e comungando com seu projeto lesa-pátria, de irresponsabilidade generalizada e genocídio. Os militares conduziram experiência extremamente corrupta, promoveram ações antirrepublicanas e forneceram as bases para as tratativas de golpe maquinadas pelo terceiro andar do palácio do planalto, onde tomaram assento. Foram o braço armado que deu sustentação à emergência de uma extrema-direita ensandecida, que permanece às portas dos quarteis.

O quadro de nossos dias é, sem dúvida, muito mais grave do que aquele que o  presidente eleito encontrou em 2003, e, ouso mesmo admitir, ainda mais grave do que aquele que sucedeu ao Pacto de 1988, quando uma ordem militar declinante (portanto,  fragilizada) prometeu o retorno aos quartéis. Hoje, trata-se de uma caserna insubordinada, ademais de majoritariamente reacionária, ciosa dos frutos e usufruto do poder.  O ministério da defesa, nestas condições, assume, no plano estratégico, político-governamental, importância crucial. Ao final de seu governo, Lula não poderá mais apresentar como balanço favorável o fato de haver atendido (sem ponderar relevâncias estratégicas e projeto nacional) às reivindicações orçamentárias das forças armadas. A escolha do novo ministro da defesa, necessariamente um civil, deverá ser precedida pela decisão sobre que forças armadas o Brasil precisa e deseja ter, invertendo a distorção de nossos tempos, quando as forças armadas – atribuindo-se uma autonomia sem prescrição republicana – nos ditam que sociedade precisamos ser.

O estudo da defesa nacional, nele incluído o papel das forças armadas, tem sido descurado pela sociedade como um todo, mas particularmente pela universidade. No Congresso é tema tabu; no máximo, as questões militares, conduzidas por lobistas profissionais, se limitam à discussão das sempre crescentes reivindicações de verbas das forças, atendidas sem qualquer visão estratégica das necessidades do país. Por regra, carentes de reflexão acumulada, os partidos, no governo, têm demonstrado pouco familiaridade com o desafio. Talvez essa negligência explique o fato de a política de defesa nacional – por óbvio, estratégica – ser o único tema sem o prestígio de um grupo de trabalho na comissão de transição do PT. Talvez igualmente explique a ausência mesmo de discussão sobre o tema e a pobreza das especulações em torno do futuro titular da pasta, desprovidas de qualquer subordinação à política de defesa do futuro governo.

Anuncia-se, por exemplo, supostamente em atendimento a demanda das fileiras, a futura escolha de postos de comando por antiguidade, e não em função da fidelidade à Constituição, dos compromissos do escolhido à política de defesa da nação, o que deixa o chefe supremo submetido às regras de promoção corporativa. Inverte-se pois a hierarquia, e aprofunda-se a deplorável autarquia militar em face do Estado e da nação.

Tudo indica que o tão ansiado e necessário terceiro governo Lula, se as expectativas de hoje não forem superadas, poderá nascer aprisionado por três círculos: 1) o mercado financeiro; 2) a ordem política  e 3) a atual hegemonia militar. Será, claro, pressionado e chantageado por cada um segundo sua natureza. Dessa forma, que margem poderá ter para implementar itens de uma agenda progressista, de centro-esquerda, sem as pressões e o apoio das grandes massas? Incumbe às forças progressistas organizá-las. Enquanto é tempo.
 

  

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Mauro Calliari - Dark kitchens são risco para a cidade e para as relações pessoais, FSP

 A convivência entre residências e restaurantes nunca foi muito fácil. Restaurantes grandes trazem manobristas, fornecedores, clientes falando alto na rua, cheiro da cozinha, barulho de geradores e geladeiras. Os novos modelos das dark kitchens, porém, embutem desafios e riscos ainda maiores.

Dark kitchens são aquelas cozinhas industriais que atendem à demanda de pedidos do delivery, mas que não atendem clientes. Elas produzem a comida que os entregadores vêm buscar.

Foto aérea de casas e pequenos prédios
Fotos aéreas de uma dark kitchen, que fica localizada rua Clélia, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 2.jul.2021/Folhapress

Se há demanda e há oferta, qual é afinal, o risco desse novo modelo de negócio?

Risco de precarização e destruição de valor

O primeiro risco é a perda das ligações pessoais e a precarização. O chapeiro não conhece o cliente. O entregador não conhece a cozinheira. O garçom, o maître, o caixa e o gerente deixam de existir. No lugar de vários empregados, poucos terceirizados, lutando para conseguir atingir uma renda mínima, com poucos direitos e muita pressão. No lugar de um restaurante, um galpão industrial abafado que chega a acomodar até 30 marcas de restaurantes diferentes. No lugar de clientes na porta, uma multidão de motoqueiros esperando as sacolas. No lugar de um prato de porcelana, uma pilha de embalagens de plástico.

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O outro risco é a destruição de valor de uma cadeia econômica. Ao deixar para os aplicativos a parte mais importante do negócio, os restaurantes se precarizam. Em vez de criar um ambiente agradável para os clientes e uma boa experiência, os donos de restaurantes passam a lutar para conseguir uma boa posição nos aplicativos do Rappi ou do Ifood.

Esses aplicativos, por sua vez, ganham poder. Com o potencial de se tornarem oligopólios e oligopsônios ao mesmo tempo, assumem poder de comandar os preços. De um lado, pressionam os restaurantes a diminuírem suas margens e mexem em seus menus. De outro lado, começam a ter o poder de aumentar os preços aos clientes fidelizados. Quer esfiha no meio do jogo do Brasil? Pague mais.

Mesmo com tudo isso, as dark kitchens parecem ter vindo para ficar. Consumidores estão confortáveis em apertar um botão para ter seu hambúrguer entregue em casa. Para quem empreende, elas são muito mais baratas do que operar um restaurante. Numa área menor e sem clientes, o custo fixo é menor e o dono do lugar não precisa se preocupar com o serviço, guardanapos, talheres, pratos e a decoração. E não é apenas pizza, sanduíches ou comida árabe. Até restaurantes que primavam pela comida esmerada —e cara— estão aderindo. A Vinheria Percussi, por exemplo, tinha 27 funcionários no imóvel em Pinheiros. O restaurante fechou e hoje, com apenas sete pessoas o negócio funciona.

Diante da inevitabilidade da sua presença, a Prefeitura propôs e a Câmara aprovou uma lei que tenta regulamentar essa nova atividade.

A lei das dark kitchens

As dark kitchens operavam numa espécie de limbo jurídico, um hiato não coberto pela legislação, em concordância, talvez com a própria tradução do termo: cozinha escura, fantasma, invisível. Agora, já há uma lei que começa a regular a atividade, a lei 17.853 aprovada pela Câmara dias atrás, em 29 de novembro.

Pela nova lei, as dark kitchens terão que contar com exaustores apropriados, higiene e um espaço mínimo para os empregados. Hoje, é comum que cada grupo trabalhe num box fechado, sem luz ou ventilação. Elas terão também que oferecer banheiros para funcionários e entregadores, que hoje fazem suas necessidades até na rua.

Outras regras dizem respeito à ocupação do espaço público: não é permitido estacionar as motos nas calçadas, não é permitido fazer barulho acima do nível estabelecido para a região, não é permitido reservar vagas na rua. Essas mudanças são tão óbvias que já deveriam estar sendo fiscalizadas, mas é claro que não estão, como sabe qualquer morador que tem o azar de ser vizinho desses lugares.

Vai ser preciso intensificar a fiscalização, algo que está difícil com os 300 fiscais existentes na cidade. Conversei com o secretário da Casa Civil Fabrício Cobra e ele conta que a Prefeitura vai abrir um edital para contratar 500 novos fiscais. É uma notícia que pode, em tese, fazer com que leis que já existam comecem a ser cumpridas, mas o caminho para integrar as dark kitchens à vida urbana deve trazer algumas idas e vindas nos próximos anos.

Um jabuti na lei

Apesar de a Prefeitura negar o jabuti, ele apareceu.

No meio da lei que regula o funcionamento das dark kitchens foi incluído —e aprovado— um artigo que estipula o nível de ruído máximo para os "grandes eventos" em São Paulo.

A partir de agora, shows como o Lollapalooza, por exemplo, podem emitir até 75dB. O número é quase 30% acima do atual e entra no patamar de risco à saúde. A justificativa é que hoje os promotores de show estão operando graças a liminares.

Que seja, mas por que esconder a regulamentação? Moradores ao redor do Allianz Park ou do Autódromo de Interlagos, por exemplo, ganham mais um desconforto e a Prefeitura perde a chance de explicitar um problema e dar chance de uma discussão mais democrática para um assunto tão importante.

Arrascaeta faz dois, mas placar é insuficiente para levar o Uruguai às oitavas, FSP

 Josué Seixas

MACEIÓ

A história se repetiu. Gana teve um pênalti no começo da partida e o desperdiçou, mudando toda a história do jogo. Dessa vez, ao contrário de 12 anos atrás, não foi a trave quem salvou, mas sim o goleiro Sergio Rochet. O nome do jogo, ainda assim, foi Arrascaeta, que fez dois gols. Foi insuficiente para avançar de fase nesta Copa do Mundo, já que a Coreia do Sul venceu Portugal.

Arrascaeta foi nome pedido para começar a partida e assim as coisas se desenharam. Camisa 10, ele mostrou sua importância aos 25, aproveitando para completar para o gol de cabeça após um chute de Suárez, e aos 31, acertando uma bonita finalização de perna direita de fora da área.

Darwín Nuñes lamenta no jogo entre Uruguai e Gana - Bernadett Szabo - 2.dez.22/Reuters

O problema é que, na outra partida, a Coreia do Sul conseguiu o gol da vitória nos últimos instantes da partida. O Uruguai precisava fazer mais um gol para se classificar, mas não conseguiu chegar a ele. A redenção tão esperada para os jogadores de Gana não chegou, tampouco a glória se repetiu para os uruguaios.

Na pressão, o Uruguai subiu todo o time para o ataque, enquanto Gana tentava aproveitar um contra-ataque para ainda sonhar com a classificação. Ati-Zigi, goleiro de Gana, ainda salvou um bom chute de Gómez de fora da área. Rochet, do Uruguai, também teve de trabalhar após uma bomba de Sulemana.

A seleção sul-americana termina a fase de grupos em 3º, enquanto os africanos ficam em 4º. Portugal se classificou em primeiro, seguido pela Coreia do Sul. Portugal e Coreia agora aguardam o resultado do Grupo G, que será definido às 16h. No momento, o Brasil é o líder, enquanto a Suíça é a segunda.