sábado, 30 de abril de 2022

Busca por terrenos vira 'guerra' entre construtoras e inflaciona preços, OESP

 André Jankavski e Fernanda Guimarães, O Estado de S. Paulo

30 de abril de 2022 | 14h00

A explosão de construções de novos prédios em São Paulo tem levado a uma disputa ferrenha – e cara – por terrenos, especialmente em regiões de alta renda. As incorporadoras estão desembolsando centenas de milhões de reais por espaços antes ocupados não só por casas, mas até por prédios menores, que agora se tornarão arranha-céus. Mas encontrar um terreno na capital está cada vez mais difícil.

Isso acontece por diversos motivos: São Paulo já é uma cidade com uma vasta área construída, e o atual Plano Diretor, sancionado em 2014, liberou construções de prédios altos apenas em regiões próximas de grandes eixos de transporte público, como estações de metrô. Para completar, nunca tantos imóveis foram lançados quanto nos últimos anos. Para se ter uma base de comparação, até 2018, o total de lançamentos realizados na capital era de 39 mil unidades, segundo dados do Secovi-SP – desde então, esse número mais do que dobrou.

Isso gera “briga de foice”, como definem executivos e empresários do setor. E as empresas estão dispostas a pagar caro por uma boa oportunidade. Em 2021, por exemplo, a incorporadora Even conseguiu fechar uma parceria com a tradicional família Malzoni para ficar com um terreno de cerca de 18 mil metros quadrados para a construção de um empreendimento. O custo estimado foi de R$ 500 milhões. 

O vice-presidente de operações da companhia, João Azevedo, define essa compra em particular como “especial” e “única”, já que é difícil encontrar um terreno de grandes proporções em uma área próxima cobiçada como a região da Avenida Brigadeiro Faria Lima. Mas a negociação, diz o executivo, não foi nada fácil: “Eu fiz mais de cem reuniões com a família”, lembra.

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Terreno fica entre as avenidas Faria Lima e Eusébio Matoso;  imóvel livre e desse porte na região é uma raridade cobiçada pelas construtoras Foto: Felipe Rau/Estadão

Estratégias para 'caçar' terrenos

A competição no mercado e a dificuldade de encontrar novas áreas para incorporação têm até mesmo desenvolvido uma nova atividade: os especialistas em “caçar” terrenos vazios pela cidade. Trata-se de um movimento que começou a ser mais organizado nos últimos anos e que vem se tornando um diferencial competitivo para as incorporadoras que precisam encontrar espaços para viabilizar seus empreendimentos.

No entanto, esse segmento ainda está em estágio inicial e é pouco profissionalizado, segundo o presidente da incorporadora Vitacon, Ariel Frankel. Mesmo assim, a empresa trabalha hoje com cerca de 15 profissionais, entre autônomos e pequenas empresas, que ajudam nesse garimpo de terrenos. “Esses profissionais atuam na fase inicial, depois assumimos a linha de frente”, conta a empresa, que é mais conhecida por pequenos apartamentos erguidos em áreas nobres da cidade.

A dificuldade de encontrar novos terrenos em áreas desejadas já fez a Vitacon mudar o perfil das aquisições. Recentemente, a incorporadora comprou quatro pequenos prédios nos Jardins. A empresa, no entanto, decidiu não demoli-los, por conta da Lei de Zoneamento. A saída foi partir por uma reforma total. Há neste momento, segundo o executivo, outras negociações para compra de antigos edifícios com o mesmo intuito.

“Buscar terrenos é um trabalho árduo, com muitas variáveis, além dos detalhes jurídicos. No geral o que tentamos oferecer é uma evolução patrimonial”, explica Frankel.

A rede de imobiliárias Revenda tem atuado como “olheira” de terrenos nos últimos anos. Especializada em residências de alto padrão, a empresa também criou uma área para buscar terrenos voltada para as construtoras menores.

“As incorporadoras pequenas nos procuram porque não querem inflacionar os valores nas negociações com os proprietários. Assim que eles sabem que é para uma construtora, o preço dispara”, afirma Luiz Guilherme Gimaiel, presidente da Revenda. Segundo ele, é até uma forma de viabilizar a presença de pequenos negócios em um mercado dominado por gigantes. 

Disputa também em bairros periféricos

Se a briga nos bairros mais nobres está cada vez mais ferrenha, outro grupo de empresas tenta pegar o que resta de áreas mais periféricas da cidade. É o caso da Plano&Plano, que já tem um banco de terrenos com valor geral de vendas (VGV) acima de R$ 10 bilhões. Focada nas classes média e média baixa, a companhia tem uma equipe de 15 pessoas para busca e aquisição de terrenos. Somente no ano passado, comprou R$ 2,5 bilhões em espaços e pretende ampliar essa valor em 30% em 2022.

Segundo Rodrigo Luna, presidente da Plano&Plano, a falta de oferta frente à uma demanda fortíssima está causando um aumento forte dos preços dos terrenos. “As variáveis do setor são o preço da construção e o preço do terreno. Temos algum controle na construção, mas se os valores das áreas continuarem a subir, quem pagará o preço mais alto será a população”, diz Luna. Com uma taxa de juros que deve ultrapassar os 13% ao ano em breve, isso deve trazer um impacto bem grande para companhias como a Plano&Plano.

Por isso, há uma movimentação no setor para que haja um debate sobre a revisão de alguns pontos do Plano Diretor de São Paulo, que hoje libera construções mais altas apenas em áreas próximas a eixos de transporte “O que o setor espera é que o Executivo possa debater a possibilidade de crescer um pouco a oferta de terrenos e até para haver uma diminuição da escalada de preços”, diz Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP.

André Rosa, diretor da JLL, tem uma visão um pouco diferente do atual momento do mercado. Segundo ele, ainda existe uma grande quantidade de terrenos a ser absorvidos. E ele vê opções que só agora começam a ser mais exploradas, como os retrofits de edifícios antigos. “Não existe escassez de terrenos, o que existe é escassez de terrenos com o preço certo”, afirma.

Falta de firmeza nos biocombustíveis, Celso Ming OESP

 Celso Ming*, O Estado de S.Paulo

30 de abril de 2022 | 08h00

A disparada dos preços dos combustíveis poderia ter criado condições objetivas para o aumento do consumo interno de biocombustíveis. Mas nenhuma proposta chegou a avançar em direção às políticas que se destinassem a garantir uma opção segura à gasolina e ao diesel.

O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de biocombustíveis do mundo, já dispõe de indústria relativamente consolidada e domina a tecnologia para produção, especialmente de etanol e biodiesel, hoje utilizados na mistura combustível, na proporção de 27% à gasolina comum e de 10% ao óleo diesel.

As estatísticas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dão conta de que, em 2021, foram produzidos no País cerca de 30 bilhões de litros de etanol (anidro e hidratado) e 6,8 bilhões de litros de biodiesel. São números suficientemente altos que apontam para rota a ser seguida no propósito de atender às futuras demandas ambientais e econômicas do planeta. 

  

Mas a produção desses biocombustíveis ainda esbarra em instabilidade nas regras do jogo e distorções no mercado interno, que impedem a redução dos custos, dificultam a expansão do mercado e empurram para cima o preço nas bombas.

A falta de transparência nos preços e a insegurança jurídica mantêm arredios os potenciais investidores, pontua Pedro Côrtesprofessor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo. E a produção não avança para onde poderia ir.

“Os biocombustíveis são estratégicos para o Brasil porque ajudariam não só a mitigar a crise causada pela escalada do petróleo no preço dos combustíveis, mas a reduzir as emissões de gases do efeito estufa do setor de transporte e a diversificar a matriz energética”, reforça Côrtes.

Etanol
Planta de produção de etanol na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Em 2021, foram produzidos cerca de 30 bilhões de litros de etanol no Brasil. Foto: Sergio Castro/Estadão

Outra área recorrente de conflitos envolve a utilização de recursos, sempre escassos, para produção de biocombustíveis quando poderiam ser direcionados para a produção de alimentos ou o estímulo ao desenvolvimento de monoculturas voltadas para suprir o mercado de energia.

Ronaldo Gonçalves, professor de engenharia química da FEI, entende que a simples intensificação do uso de biomassa e resíduos (urbanos, industriais, agrícolas) como matérias-primas para produção desses biocombustíveis poderia reduzir essa tensão.

Outra saída seria o chamado cultivo dedicado. “É o cultivo controlado que leva em conta índices de crescimento, sazonalidade, quantidade energética e volume de conversão no processo produtivo. Neste cenário, o campo seria bem mais amplo do que o do estrito mercado de alimentos. Agora, não adianta fazer com que os produtores invistam para produzir biocombustíveis se não tem como colocá-los no mercado”, explica Gonçalves. 

Em março, o governo zerou o tributo de importação de etanol, antes de 18%, com o objetivo de reduzir o preço da gasolina e, assim, desestimulou a produção local. Mostrou que sua prioridade não é fomentar o setor. Também em março, o governo lançou um programa de estímulos à produção de biometano e biogás, produtos que diversificam o uso de biocombustíveis no setor de transporte, com incentivos para construção de plantas produtivas, desenvolvimento de pesquisas e criação de créditos de metano.

E pairam ameaças de que o governo abra o mercado interno para importação de biodiesel destinado à mistura ao diesel com o objetivo de baratear os preços internos.

São contradições, omissões e falta de firmeza de objetivos, que podem custar caro no futuro e atrasar o desenvolvimento dos biocombustíveis de produção nacional. /COM PABLO SANTANA

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

O QUE A FOLHA PENSA Redução de danos

 


Uma democracia funcional é um organismo político complexo, em que diversos agentes exercem papéis específicos para que o regime produza seus generosos resultados.

Já o arbítrio é embaralhado. A ditadura brasileira até 1985 mandava no Executivo e também em assuntos do Judiciário e do Legislativo. Interessa apenas aos nostálgicos daqueles tempos, entre eles o presidente Jair Bolsonaro (PL), o retorno a um regime de exceção.

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Pela Constituição de 1988, não é preciso improviso nem negociações subterrâneas entre próceres da República para solucionar problemas como o do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Basta que cada um atue dentro de sua competência e que se apliquem as leis.

O Supremo Tribunal Federal condenou Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão, além de multa, por ameaçar a institucionalidade democrática —uma pena que soa exagerada. Acertou ao determinar a perda do mandato e a inelegibilidade.

Bolsonaro escolheu aviltar o instituto da graça quando indultou o apaniguado como meio de provocar o STF. Carregará a atitude vergonhosa pelo restante de sua vida pública, mas, do ponto de vista das regras do jogo, mobilizou um poder conferido expressamente ao presidente da República pela Carta.

O poder, que fique bem claro, limita-se à suspensão da pena do condenado, mas não se sobrepõe à palavra final do Supremo Tribunal. A graça não anula a condenação de Silveira, que perderá a condição de réu primário.

Caberá à Câmara dos Deputados proceder à correta cassação do mandato, em votação pelo plenário, consequência direta do trânsito em julgado da condenação. Já à Justiça Eleitoral cumpre bloquear, pelos próximos oito anos, quaisquer tentativas de Daniel Silveira de candidatar-se a cargo político, como reza a Lei da Ficha Limpa.

A esta altura, trata-se do melhor desfecho possível para o caso —e o Supremo fará bem em concorrer para tanto. Em suma, o deputado brutamontes não deverá cumprir a pena de prisão, mas estará sujeito a todos os demais efeitos do reconhecimento, pela mais alta corte do país, do crime que cometeu.

O que Jair Bolsonaro quis transformar numa conflagração entre Poderes dispõe na verdade de um encaminhamento relativamente simples pelas instâncias regulares do Estado democrático de Direito.

O presidente busca o conflito e açula seus seguidores porque quer semear uma tempestade nas eleições de outubro. Reagir com firmeza —mas também com frieza— serve para mostrar a Bolsonaro que o seu poder tem limites.

Conduzir as eleições, por exemplo, não é assunto do presidente da República, mas única e exclusivamente do Poder Judiciário.

editoriais@grupofolha.com.br