terça-feira, 29 de setembro de 2020

Forjada na instabilidade política, Geração Z estreia em eleições no Brasil, OESP

 Matheus Lara, O Estado de S.Paulo

27 de setembro de 2020 | 14h01

João, Ana Júlia, Enzo e Pedro não vão perder a primeira chance que têm de tentar conquistar uma vaga nas Câmaras Municipais de suas cidades. Os quatro estarão entre os candidatos mais jovens da eleição deste ano, o grupo de 18 a 20 anos. Nascidos no século 21, eles integram a chamada Geração Z, que fará em novembro sua estreia nas urnas.

Fortemente influenciados pelo turbilhão político que o Brasil vivencia desde 2013, eles não apontam como suas principais referências os protagonistas desta época, como presidentes, governadores ou líderes de partido, mas sim seus colegas de militância, de rua ou de redes sociais. 

Ana Júlia Ribeiro (PT-PR)
Ana Júlia Ribeiro, de 20 anos, é aposta da Juventude do PT para a Câmara de Curitiba Foto: Rodolfo Buhrer/Estadão

Apesar das origens e visões políticas diversas – do movimento estudantil à influência familiar e de grupos de renovação, à esquerda e à direita –, convergem em diversos pontos: não se sentem representados por quem faz hoje a política municipal, veem sua condição de “nativos digitais” como trunfo para a campanha online e, principalmente, demonstram pressa: “A gente pensa que o jovem é o futuro, mas o futuro se faz agora. O jovem é o presente”, diz o estudante de Ciências Sociais João Viana (Cidadania), de 19 anos, que será candidato a vereador em São Bernardo do Campo, em São Paulo.

"É uma geração que cresceu informada de que a política tradicional está fadada ao fracasso, como mostrou a Operação Lava Jato", diz a mestre em Ciência Política Luciana Ramos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "São jovens que foram criados com a ideia de que tinham que fazer algo diferente, por isso não é uma geração que reverencia imagens públicas antigas, que carregam uma simbologia pronta."

João Viana (Cidadania/SP)
João Viana, 20 anos, candidato a vereador de São Bernardo do Campo pelo Cidadania Foto: Tiago Queiroz/Estadão

João Viana percebeu que gostava de política discutindo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no Facebook, em 2016. Foi aí que se animou. Estudou democracia, políticas públicas e se associou a movimentos de renovação, como o Acredito e o RenovaBR, principais motores de sua candidatura neste ano. Sua principal aposta é no voto jovem de quem o acompanha em redes como o TikTok e o Instagram. Por lá, ele criou um quadro para explicar como funciona a Câmara Municipal e o que tem sido feito na Casa. Batizou de "João e a Câmara Secreta", em referência ao livro e filme Harry Potter e a Câmara Secreta, de grande apelo entre seus seguidores. "Temos a vantagem de ser uma geração que já estava próxima das pessoas que nos seguem", diz.

A estratégia é semelhante à da estudante de Filosofia e Direito Ana Júlia Ribeiro, que tentará uma vaga na Câmara de Curitiba. A jovem de 20 anos é a principal aposta da Juventude do PT no Paraná. Ana ficou conhecida em 2016, quando discursou no plenário da Assembleia Legislativa do Estado em defesa das ocupações estudantis em escolas públicas. O vídeo viralizou. Os alunos se posicionavam contra o teto de gastos e a reforma do Ensino Médio, que tinham sido recém-anunciadas pelo presidente Michel Temer (MDB). 

Filha de ex-militantes do PT, Ana conta que foi estimulada desde cedo a pensar sobre política: "É um tema que sempre gostei de debater e, de vez em quando, brigar". Nas redes, aposta em seu potencial de influenciadora, já testado durante as ocupações. Para além dos temas de campanha abordados em lives até com pessoas de outros partidos, Ana tem retratado seu dia a dia de forma bem-humorada, publicando dicas de filmes e livros e até ensinando como abrir uma garrafa de vinho sem um saca-rolha. "É um estilo natural. Se não for assim, quem me conhece falaria 'essa não é a Ana Júlia'. E de qualquer forma a política participativa não é construída em base de likes e RTs (retuítes). A plataforma é um instrumento para se aproximar."

O número de candidaturas jovens tem crescido no Brasil, mas nas últimas quatro eleições municipais a faixa dos 18 a 20 anos não chegou a representar nem 1% do total de candidaturas. Passou de 2,7 mil candidatos em 2004 para quase 3 mil na eleição seguinte, chegando a 4,2 mil em 2012 e 4,6 mil na última eleição. Em 2020, o total parcial é de 3,8 mil. 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem feito campanhas para incentivar a participação de jovens na política, do voto a partir dos 16 anos até as candidaturas. A idade mínima para se candidatar a vereador no Brasil é 18 anos, e pelo menos 21 para os cargos de prefeito, vice-prefeito, deputado estadual, federal ou distrital.

"A representação nas Casas legislativas é de pessoas mais velhas, com ampla experiência na política e que estão acostumadas a fazer uma política tradicional”, diz a pesquisadora da FGV. “Jovens, assim como mulheres e pessoas negras, trazem outras perspectivas, outra visão."

A influência da família tem sido a principal linha condutora da campanha do gaúcho Enzo Fontana de Melo (MDB), de 18 anos, até aqui. Candidato em Santa Rosa, no interior do Estado, o estudante de Ensino Médio tem se associado a figuras do partido por quem seus pais já trabalharam em campanhas passadas. É o caso do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, que foi prefeito de Santa Rosa, e o ex-governador gaúcho Germano Rigotto. Os dois já apareceram em lives nas redes sociais de Enzo falando de temas que vão do jovem na política a impostos.

"Eu estava dentro da barriga da minha mãe na comemoração da eleição de Rigotto (para o governo gaúcho) em 2002", conta o jovem. "Eu sempre estive dentro da política, participei de campanhas, dormia em comitês quando era pequeno.” Enzo é associado ao movimento Livres e ex-aluno do RenovaBR. "Vejo a democracia como a miscigenação de ideias e pensamentos. E a política como vocação, não profissão. Sonho em ser prefeito."

O estudante de Pedagogia Pedro Gorki (PCdoB), de 19 anos, também credita seu interesse por política à família - em 2016, a mãe Carla Tatiane foi candidata a vice-prefeita de Natal, no Rio Grande do Norte, onde ele tentará ser vereador -, mas sua trajetória está mais ligada ao movimento estudantil. 

Pedro foi presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e, no ano passado, liderou movimentos contra a política educacional do governo de Jair Bolsonaro. Sua pré-campanha para a Câmara já conta com site oficial, plataforma de financiamento coletivo e vídeos produzidos com estética de documentário, contando a trajetória de militância do candidato e entrevistando natalenses. “Por ser desta geração, minha tarefa é humanizar as redes. Queremos olhar para o internauta como cidadão, não como número. As redes são um espaço para o exercício da cidadania."

Pedro Gorki (PCdoB/RN)
Pedro Gorki (PCdoB), 19 anos, candidato a vereador em Natal/RN Foto: Ney Douglas/Estadão
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Covas eleva gasto com obras em 30% e busca usar reforma de calçada como vitrine, OESP

 A Prefeitura de São Paulo reservou dinheiro em caixa nos últimos dois anos e deixou para o período eleitoral a fase final de algumas obras, como a requalificação de 627 mil metros quadrados de calçadas, o equivalente a meio Parque do Ibirapuera. As obras nas calçadas, previstas em 32 subprefeituras, são apontadas por auxiliares do prefeito como uma das vitrines eleitorais de Bruno Covas (PSDB), que disputa a reeleição.

A previsão de gastos para obras e compras de equipamentos neste ano eleitoral ficou 30% maior do que a média dos três anos anteriores. Em 2020, o município reservou R$ 10,6 bilhões para investimentos. Nos anos anteriores, a média foi de R$ 8,1 bilhões. Até esta segunda-feira, 28, a Prefeitura havia empenhado (autorizado a gastar) um montante de R$ 4,6 bilhões em obras e investimentos.

Obras
Obras nas calçadas, previstas em 32 subprefeituras, são apontadas por auxiliares do prefeito como uma das vitrines eleitorais de Bruno Covas Foto: Alex Silva/Estadão

A legislação eleitoral não permite que os prefeitos que concorrem à reeleição participem de inaugurações de obras nos três meses que antecedem a votação, por isso as calçadas se tornaram uma referência a céu aberto. Segundo o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, mesmo que o prefeito não possa inaugurar as obras no período eleitoral, o importante para o candidato é mostrar a cidade em movimento.

"Não é incomum que todos os governos  concentrem as obras em período eleitoral. O cidadão na eleição municipal sente muito de perto a ausência dos serviços públicos. Covas está tentando dar uma resposta em cima do processo eleitoral", disse Teixeira.

Ao Estadão, Covas afirmou que a calçada sempre foi obrigação do proprietário, mas a Prefeitura se colocou como responsável pela manutenção das que tem importância na mobilidade. "A calçada era vista como uma extensão da propriedade privada. A gente entende a calçada como uma questão importante de modernidade na cidade de São Paulo. Um terço dos deslocamentos na cidade são feitos a pé. É uma nova visão sobre o papel das calçadas na cidade".

Em sua primeira disputa eleitoral para o executivo na cabeça de chapa, Covas vai fazer na TV uma campanha com o mesmo estilo do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e pretende apresentar ao eleitor um portfólio de obras

O projeto de reforma das calçadas começou em janeiro de 2019, tem investimento de R$ 140 milhões, segundo a Secretaria de Subprefeituras, e deve ser concluído até o final do ano. Ao todo, foi planejada a reconstrução de 1,5 milhão de metros quadrados de calçadas - 879,2 mil m² de calçadas foram entregues entre o ano passado e agosto deste ano. Também estão sendo construídas 4 mil rampas de acesso.

As rotas definidas pelo Plano Emergencial de Calçadas (PEC) identificaram calçadas públicas e privadas em toda a cidade. Foram selecionadas calçadas com grande fluxo de pedestres e na proximidade de comércios, escolas e hospitais, cujos reparos impactarão positivamente a população, de acordo com a prefeitura. As obras atendem as especificações definidas pelo Decreto Nº 59.671/20 e o Decreto N° 58.611/19, que também prevê sinalização visual e tátil.

 

Nem mercado nem Estado substituem a ética, FSP

 O processo de mercado —pessoas e empresas buscando seu autointeresse por meio do sistema de preços livremente acordados— é a ferramenta mais poderosa que conhecemos para mobilizar a ambição de cada um em prol dos desejos de todos em um mundo de recursos escassos e informação imperfeita.

No mercado, para satisfazer seus próprios desejos, você tem que criar valor para os outros, e lucros e prejuízos indicam se você tem sido capaz de gerar, com os recursos disponíveis, mais ou menos valor do que seus concorrentes.

Como todo e qualquer mecanismo social, contudo, o mercado tem falhas e limitações. Sozinho, ele não dá conta, por exemplo, do problema das externalidades: nossas transações livres impactam terceiros que nunca aceitaram participar delas, inclusive as gerações futuras. Meu carro polui o ar, impondo um custo à cidade que não é pago nem por mim nem pelo fabricante. A sustentabilidade ao longo do tempo exige algum nível de autocontenção dos desejos no presente.

Regras e leis jamais serão capazes de, sozinhas, refrear o desejo humano. Primeiro porque não se pode tomar como garantido que qualquer agente social siga a lei. Se a polícia não está olhando, por que me abster de roubar? E se a lei tiver várias interpretações possíveis, ele tentará se safar seguindo a interpretação mais conveniente. É o que este outro representante perfeito do autointeresse desenfreado, Donald Trump, fez em sua declaração de imposto de renda. Os US$ 70 mil anuais gastos em cortes de cabelo são computados como gastos da empresa. Cada dólar que ele não pagou será custeado pelos demais.

Em segundo lugar, quem tem muito dinheiro ou influência pode deturpar a criação das leis. As empresas que se beneficiarão da "passagem da boiada" do ministro Salles na regulamentação ambiental empurram o país para o colapso ambiental. Não estão nem aí.

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O Estado está sujeito à mesma dinâmica: seus membros também precisam ser capazes de refrear, em algum medida, seu autointeresse. Bolsonaro é exemplo perfeito do autointeresse desenfreado na política. Todas as suas ações buscam a popularidade imediata. Como líder, é incapaz de se indispor com o eleitorado em nome de um bem maior futuro. Vimos isso na pandemia: em um momento fingia que o problema não existia; depois, que havia solução mágica e indolor.

Quando o governo, para poder gastar mais agora, anuncia que adiará o pagamento de precatórios e que criará brecha para burlar o teto de gastos, ele está empurrando para o futuro o custo de gastar mais no presente. Quebrou alguma regra? Não necessariamente: só as alterou para se beneficiar.

Regras escritas jamais suplantarão a necessidade de ética e responsabilidade pessoais: a capacidade de frear o próprio autointeresse em benefício dos demais. No mundo empresarial e nas finanças essas virtudes se traduzem em iniciativas como fundos ESG, que investem em empresas com governança social, ambiental e corporativa. Na política, líderes dispostos a respeitar as regras do jogo mesmo que eles percam a partida. A sustentabilidade econômica, social e ambiental de nossa sociedade depende disso.

A ausência de qualquer preocupação ética produz, na economia, a predação desenfreada da natureza e a exploração de outras pessoas. Na política, nos traz à definição clássica da tirania: o poder absoluto exercido em benefício próprio, e não da sociedade. Tiranos, oligarcas, pensando apenas em si, degradam a vida em sociedade, prejudicando a todos no longo prazo. Não há mercado ou Estado que possa subsistir sem valores.

Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.