quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Suzana Herculano-Houzel -Diabetes dá fibrose no hipotálamo, FSP

 Todo mundo precisa de glicose no sangue, mas o efeito da glicose no sangue é terrível: ela começa a grudar em tudo, o que não tem como ajudar o organismo a funcionar. Basta lembrar como naquela poça de refrigerante que você deixa secar na pia começa a grudar poeira, ciscos, pelos e pedrinhas e vira um nojo só. Em escala microscópica, a glicose no sangue faz a mesma coisa.

A gente precisa de glicose no sangue pela única razão de que é assim que ela, que é o açúcar que mantém toda célula alimentada, chega a todas as células do corpo, circulando pelos vasos e capilares. Mas chegar às células não basta; toda célula precisa ser encorajada a puxar glicose do sangue. Quem faz isso é a insulina, um hormônio secretado pelo fígado sob comando do núcleo arqueado do hipotálamo, no cérebro, e que circula pelo sangue juntamente com a glicose, como uma vendedora ambulante de doces extremamente convincente.

Com o núcleo arqueado no meio do caminho, toda refeição que joga um tanto de glicose no sangue também despeja outro tanto de insulina junto. E com insulina circulante suficiente, excelente vendedora para as células, a glicose não se acumula –a não ser que o corpo se torne resistente à insulina, como se a vendedora perdesse sua lábia ou a campainha deixasse de funcionar.

Ilhota pancreática, onde são encontradas células produtoras de insulina e que podem ser afetadas pela obesidade
Ilhota pancreática, onde estão as células produtoras de insulina - Laboratório de Metabolismo Energético/IQ-USP

Mas estudos recentes mostram que o problema pode ser outro: a vendedora, insulina, ainda está lá, mas é impedida de chegar à porta quando o jardim no caminho acumula tantas folhas e galhos caídos que se torna um obstáculo, chamado fibrose. O doce até chega à porta, mas sem a vendedora para tocar a campainha, a glicose se acumula —e a doença metabólica que decorre da bola de neve de efeitos se chama diabetes.

Pois um estudo recente feito na Austrália mostra que a fibrose também acontece rapidamente no cérebro de camundongos que se tornam obesos e diabéticos quando ganham acesso liberado a comida rica em açúcares e gorduras, e justamente no núcleo arqueado que controla a produção de insulina.

Como injetar coisas no cérebro de camundongos é relativamente fácil e não coloca humanos em risco, os pesquisadores injetaram a enzima condroitinase diretamente no núcleo arqueado para desfazer a fibrose. Bingo: o nível de glicose no sangue dos animais diminuiu, a captação de glicose pelos músculos e depósitos de gordura aumentou, junto com o metabolismo —e os animais passaram a comer menos, apesar de ainda terem acesso livre à dieta hipercalórica, e a perder peso ao longo dos dias.

PUBLICIDADE

E melhor: aplicações nasais da droga fluorosamina também revertem a fibrose e propiciam os mesmos efeitos, aliviando a doença metabólica, inclusive em camundongos portadores de obesidade mórbida genética.

Não, a fluorosamina ainda não tem uso liberado em humanos. Ainda assim, a descoberta transformadora é que o tratamento tanto com a injeção de condroitinase no cérebro quanto com fluorosamina é eficaz por permitir aos neurônios do núcleo arqueado o acesso a... insulina, conforme a enzima desfaz a trama densa de fibras que impedem o acesso do vendedor à porta.

Pois é, para regular o metabolismo, também o cérebro precisa ter acesso a insulina. Esta é a ironia do diabetes autoinfligido: a fibrose causada pelo excesso de comida faz o cérebro agir como um esfomeado, mesmo cercado de glicose —ou, na verdade, justamente por causa dela.


A morte dos pobres, Charles-Pierre Baudelaire

A Morte é que consola e nos faz viver;
É o alvo desta vida e a única esperança
Que, como um elixir, nos dá fé e confiança,
E forças para andar até o anoitecer.

Em meio à tempestade e à neve a se desfazer,
É a luz que em nosso lívido horizonte avança;
É a pousada que um livro diz como se alcança,
E onde se pode descansar e adormecer.

É um Arcanjo que tem nos dedos imantados
O sono e eterno e o dom dos sonhos extasiados,
E arruma o leito para os nus e os desválidos;

É dos Deuses a glória e o místico celeiro,
É a sacola do pobre e o seu lar verdadeiro,
O pórtico que se abre aos Céus desconhecidos.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Congresso no Peru sobre Lava Jato reunirá advogados e ex-ministro da Justiça, FSP

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e os advogados Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Gustavo Badaró estão entre confirmados no "Congresso de Direito Processual Penal – O Caso Lava Jato: Cooperação e Comparação Peru-Brasil".

O evento, que ocorrerá nos dias 5 e 6 de novembro, em Lima, fará um balanço dos dez anos da força tarefa. O congresso reunirá ainda figuras como o ex-membro do Ministério Público Federal Marcelo Ribeiro e o ex-procurador norte-americano Justin Givens.

O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo - Ronny Santos/Folhapress

A iniciativa está sendo organizada pelos grupo Pasión por el Derecho, do Peru, e Prerrogativas, do Brasil, com apoio do Colégio de Advogados do Peru, onde os debates serão sediados.

No último dia 21, a Justiça do Peru condenou o ex-presidente Alejandro Toledo a 20 anos e 6 meses de prisão por subornos recebidos da empreiteira Odebrecht.

O ex-presidente, que governou o país de 2001 a 2006, enfrentava acusações de conluio e lavagem de dinheiro por supostamente ter recebido US$ 35 milhões (R$ 199 milhões) da Odebrecht em troca de licitações para a construção de dois trechos da rodovia Interoceânica Sul, que liga a costa do Pacífico, no Peru, e a do oceano Atlântico, no Brasil.

PUBLICIDADE

A empreiteira reconheceu o pagamento de subornos no Brasil e em outros países da região no âmbito da Operação Lava Jato, pela qual dezenas de políticos e empresários da América Latina estão presos.