quinta-feira, 11 de abril de 2024

Promotoria se diz contra progressão de Alexandre Nardoni para regime aberto, FSP

 Isabela Palhares

SÃO PAULO

A Promotoria de Justiça de Taubaté emitiu parecer contrário à progressão de Alexandre Nardoni para o regime aberto. Em 2010, ele foi condenado a 30 anos de prisão pela morte da filha, Isabella Nardoni.

A promotoria requeriu ainda que o sentenciado seja submetido a exame criminológico, bem como ao teste de Rorschach, para comprovar as reais condições do réu de cumprir o restante da pena em liberdade.

O promotor do caso alega que, apesar de o fim do cumprimento da sentença estar previsto somente para 2035, Nardoni foi progredido ao regime intermediário em 24 de abril de 2019.

Alexandre Nardoni durante exame de corpo delito no IML (Instituto Médico Legal), em São Paulo - Fernando Donasci 08.ago.19/Folhapress

"Diante de tal constatação, o sentenciado teria permanecido no regime intermediário por 5 anos, restando-lhe ainda 11 anos a serem cumpridos no regime aberto, o que seria uma total incongruência, além de significativa afronta à finalidade da pena imposta", diz o parecer.

Folha não conseguiu contato com a defesa do réu na manhã desta quinta (11).

O documento destaca ainda que Nardoni foi condenado pela prática de crime gravíssimo contra a própria filha e que bom comportamento carcerário não é mérito do sentenciado, "mas sim sua obrigação, não podendo, portanto, ser considerado como algo extraordinário a ser analisado".

Nardoni progrediu para o semiaberto em 2019, depois de cumprir 11 anos de prisão em regime fechado. O semiaberto permite que ele trabalhe fora da prisão durante os dias da semana e deixe o presídio em cinco oportunidades ao longo do ano, em datas comemorativas.

Anna Carolina Jatobá cumpre pena no regime aberto desde junho do ano passado, após ser condenada pelo crime em março de 2010. O casal foi condenado por homicídio triplamente qualificado e fraude processual (por ter alterado a cena do crime). Em 2008, a menina foi asfixiada e jogada do sexto andar do prédio onde o casal morava, na zona norte da capital paulista.

Cinema - Binoche e Magimel são brilho para bela câmera de 'O Sabor da Vida', FSP

 Sérgio Alpendre

O SABOR DA VIDA

  • Quando Estreia nesta quinta (11) nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Juliette Binoche, Benoît Magimel, Emmanuel Salinger
  • Produção França, Bélgica, 2023
  • Direção Tran Anh Hung

O cineasta francês Claude Chabrol gostava de mostrar personagens comendo um suculento e portentoso pedaço de carne em seus filmes. O prazer de comer dominava trechos de suas tramas de suspense de modo a se misturar com outros prazeres, incluindo os inconfessáveis.

O admirador do cinema de Chabrol lembrará dele nos primeiros minutos de "O Sabor da Vida", longa francês do vietnamita Tran Anh Hung, diretor que fez enorme sucesso no circuito alternativo dos anos 1990 com "O Cheiro da Papaia Verde", seu primeiro longa, de 1993.

Cartaz do filme 'O Sabor da Vida', de Tran Anh Hung
Benoît Magimel e Juliette Binoche em cartaz do filme 'O Sabor da Vida', de Tran Anh Hung - Divulgação

Neste novo filme, o pedaço de carne é só uma parte do prato. Vemos a arte de cozinhar, de combinar temperos visando o sabor perfeito, a digestão mais tranquila. Está mais próximo de uma espécie de adaptação cinematográfica do MasterChef.

O título brasileiro é uma tradução empobrecida do internacional, "The Taste of Things", o sabor das coisas. Desvirtua ainda mais o sentido do original, "A Paixão de Dodin Bouffant", além de ser praticamente o mesmo de um melodrama de Naomi Kawase, de 2015.

O filme de Tran Anh Hung, que lhe rendeu o prêmio de direção no Festival de Cannes do ano passado, é um romance ambientado no século 19, com uma certa secura de sentimentos, ao menos até certo ponto da trama. É como se a paixão estivesse mais no preparo da comida, deixando o título original com uma interessante ambiguidade.

Dodin Bouffant é um chefe de cozinha interpretado por Benoît Magimel cuja principal assistente é uma cozinheira muito talentosa chamada Eugénie, aliás, Juliette Binoche. Ele a ama, sem segredos e há muito tempo, mas ela nunca diz sim aos seus insistentes pedidos de casamento.

Num momento em que Dodin ataca mais uma vez, num jantar ao ar livre, a câmera flutua como um inseto na frente deles, criando constantes modificações na luz. Poderia ser um efeito calcado na afetação, mas de algum modo funciona como um comentário sobre a situação desse homem, na tentativa de cerco ao coração dessa mulher.

Ela o seduz, permite que ele a veja no banho. Mas jamais joga sujo com ele. Chega mesmo a falar que, caso eles se casem, não serão mais tão próximos.

A interpretação de Binoche é impressionante. Há muito tempo a atriz não brilhava assim, com falas trêmulas de timidez e uma graciosa indecisão em alguns gestos. Magimel também arrasa como o homem que ama, respeitosamente, indo até onde ela permite —as elipses só permitem que imaginemos esses limites.

Formalmente, o filme está entre a elegância dos movimentos controlados e a câmera na mão. Podemos entender que os momentos de preparação dos pratos exigem um certo rigor, ao passo que a aproximação física entre Dodin e sua paixão Eugénie pede uma direção mais intimista.

Os movimentos elegantes de câmera se sobressaem cada vez mais, por vezes até criando uma leve vertigem. O olhar, felizmente, é apurado o bastante para que esses movimentos façam quase sempre muito sentido, adequados ao que está em jogo.

Em boa parte, temos um filme maneirista. E aqui é necessário, como dizia o crítico francês Alain Bergala, tirar a carga negativa do termo. Maneirismo cinematográfico tende a ser confundido com afetação, mas esta é uma ideia equivocada.

Difícil resumir o maneirismo cinematográfico neste espaço, mas segundo Bergala, no excelente texto "De Certa Maneira", publicado na Cahiers du Cinéma em abril de 1985, há nos maneiristas a consciência de quem chegou tarde demais para estar nos domínios do clássico ou do moderno —hoje, do pós-moderno.

Por chegar depois, as escolhas de direção comentam, criticam ou procuram exacerbar imagens já vistas. Um movimento de câmera torna-se também um ensaio sobre o comportamento da câmera na história do cinema, assim como uma montagem ousada comenta ou parodia as invenções de montagem do cinema moderno, e por aí vai.

Importante que Bergala reconheça a existência do maneirismo em cinema muito antes de seu auge, entre os anos 1970 e 1980. O maneirismo pode também ser identificado como uma alta estilização, seja em que época for encontrado. Por isso sua conotação negativa no meio da cinefilia atual, muito mais ligada aos temas.

"O Sabor da Vida", com sua alta estilização e seus movimentos de câmera exuberantes, que parecem homenagear Max Ophuls, espécie de avô do maneirismo de câmera, mas também Murnau, o bisavô, e Mizoguchi, mostra que essa escolha não implica necessariamente em erro ou exagero. Tampouco em desleixo na direção do elenco.

Trinta anos depois de "O Cheiro do Papaia Verde", Tran Anh Hung finalmente o ultrapassa, deixando para trás o percurso irregular que desenvolveu desde seu segundo longa, "O Ciclista", de 1995, ao mesmo tempo em que permite a Binoche e Magimel um brilho intenso.