domingo, 3 de setembro de 2023

Abocanhar seu dinheiro exigirá mais do agro, Marcos de Vasconcellos, FSP

 A agropecuária ocupa ainda um espaço tímido na rotina de quem não vive dela. Mas essa ponte começa a ser construída justamente pelo mercado financeiro.

O destaque nos jornais e nas conversas cotidianas, convenhamos, é diminuto, levando em conta que cerca de 27% da população ocupada do Brasil trabalha no agronegócio.

Na última sexta-feira (1º), aliás, quando foi noticiado o crescimento de 3,7% do PIB no primeiro semestre do ano — bem acima do esperado pelos especialistas do mercado financeiro — a agropecuária mereceu manchetes, com a alta de 17,9% do PIB relacionado à área. Mas essa não é a praxe.

Máquina trabalhando em fazenda em Goiás - Reuters

Quem mora nos grandes centros urbanos ainda acha, por exemplo, que todo o investimento que se faz em previsão do tempo é para saber quando levar um guarda-chuva — na verdade, é para ajudar a prever a produção global de commodities como soja, milho e café.

Agora, o mercado financeiro começa a estabelecer novos elos entre a agropecuária nacional e os investidores. Instrumentos como os Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) passaram a permitir o investimento em fazendas médias e em cooperativas, que antes acabavam restritas a buscar créditos nos bancos.

O mercado financeiro (ou seja, o nosso dinheiro), até então, é mais acessado pelas grandes empresas do agronegócio, seja através da emissão de ações na Bolsa de valores ou pela emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).

Com os Fiagros, entretanto, gestores de fundos de investimentos passaram a destinar dinheiro de seus cotistas para produtores menores, pagando bons dividendos, como falei nesse texto aqui.

Mais retorno costuma trazer com mais risco. Assim como as novidades. O instrumento dos Fiagros, criado em 2021, ainda passa pelos seus primeiros testes e, neste ano, alguns "calotes" abalaram o setor.

São usinas de cana-de-açúcar que não conseguiram arcar com suas dívidas, produtores rurais que arrendaram terras vendidas anteriormente aos fundos... E por aí vai. O mais interessante nisso é que esse tipo de informação só começou a aparecer por conta dos relatórios desses fundos.

Em outras palavras: passou a ser possível enxergar mais uma camada da agropecuária nacional. O mercado financeiro é exigente em relação à transparência e à profissionalização dos negócios nos quais investe.

Um gestor de fundos imobiliários (FIIs) me disse que estava se preparando para entrar no mundo dos Fiagros, para captar dinheiro de seus cotistas e investir em propriedades rurais. Mas desistiu assim que recebeu a contabilidade das fazendas para análise. Não que houvesse rombos, mas eram muitos os pontos cegos.

O mercado está acostumado a exigir, antes de começar qualquer tratativa, que seus parceiros sejam auditados por empresas como Deloitte; PricewaterhouseCoopers (PwC); Ernst & Young (EY); e KPMG, as chamadas "big four". E criar transparência e governança será o próximo passo para o agronegócio acessar dinheiro de "gente como a gente".

JBS divulgou, esses dias, um estudo segundo o qual a empresa e a cadeia produtiva ligada a ela são responsáveis por movimentar mais de 2% do PIB nacional. Se os players do agro quiserem crescer para reduzir essa concentração, essa é a hora de aumentarem a transparência e a governança. O investidor agradecerá — possivelmente comprando algumas cotas para investir em suas fazendas.

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Fernando Gabeira - A discreta transição verde, OESP

 Vivemos um tsunami de informações no mundo e dentro do Brasil. Há temas importantes, outros secundários, joias reluzentes, hackers, capítulos inteiros de novelas jornalísticas.

Como determinar hierarquias nesse tumulto? Como definir o que é importante e observá-lo prioritariamente, sem se distrair muito?

A resposta a isso depende do observador. Na minha opinião, o fato mais importante no planeta é a emergência climática, determinada pelo aquecimento global. As consequências já se fazem sentir, sobretudo na frequência dos eventos extremos.

Se a tese é verdadeira, o movimento mais importante a ser observado é exatamente a transição para uma economia verde. É um fenômeno mundial, embora não homogêneo, que já mobiliza bilhões de dólares e emprega milhares de pessoas.

Embora não pareça, pela modéstia dos passos até agora dados e pela efervescência de nossa vida política, o Brasil também vive um processo de transição tanto na esfera do governo como na iniciativa privada.

Como as iniciativas, além de tímidas, são também fragmentárias, é preciso um pequeno esforço para sistematizá-las e, por meio desse trabalho, dar um modesto empurrão no processo. No meu entender, mesmo dentro do governo, falta ainda um movimento de ligar as pontas, traçar um quadro que possa medir o avanço da transição inevitável.

Recentemente, o lançamento do PAC colocou em destaque a transição energética. O Brasil já tem uma posição privilegiada neste campo. Mas a existência de uma energia abundante e renovável pode transformar o Brasil num centro de atração para as empresas do mundo que queiram desfrutar dessa vantagem competitiva. O ministro Fernando Haddad já defendeu essa tese em algumas oportunidades. Ela é viável.

Naturalmente, para exercer também um papel de destaque no processo de transição planetária, o Brasil precisa resolver um dos seus sérios problemas, que é o desmatamento. A promessa de zerá-lo até 2030 é vaga. É preciso apresentar metas temporárias e apressar o trabalho: 2030 pode ser tarde demais porque a floresta, sobretudo a Amazônica, aproxima-se do ponto de não retorno.

A transição não é apenas energética. No Congresso Nacional há projetos de senadores do próprio governo que precisam ser impulsionados, pois tratam da economia circular e da agricultura de baixo carbono.

No caso da economia circular, o Projeto de Lei 2.524, do senador Jean Paul Prates, é decisivo porque diz respeito também à saúde dos oceanos. Ele fortalece a economia circular dos plásticos, torna a lei mais severa e inclui catadores e cooperativas no programa nacional de compensação ambiental.

No Senado, há também o projeto do senador Jaques Wagner que regulamenta o uso de bioinsumos. O debate sobre o tema revelou que já existe uma cadeia produtiva no Brasil, envolvendo 10 mil empregos.

A questão dos bioinsumos se articula com o Plano Safra, que, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, está incentivando a produção agrícola familiar orgânica, com financiamento a juros que podem cair até 3%.

Tudo isso sem falar no grande tema do mercado de carbono, um projeto relatado pela senadora Leila Barros, que vai estimular a transição das empresas para uma economia de baixo carbono e, talvez, acabe sendo examinado na frente de todos os outros.

Esse apanhado é rápido e trata apenas do que ocorre no governo e no Congresso. Ainda assim, ele indica que são muitas as iniciativas empurrando para a transição verde, embora não exista uma coordenação nem uma régua para medir a eficácia do esforço conjunto.

A esta altura do governo, já com 38 ministérios, seria inadequado propor mais um para coordenar a transição.

No entanto, a maneira de superar o caos no debate e a troca de informações políticas seria ter um modo de olhar que elabore sempre esses fatos. Tudo indica que o planeta e o País caminham nessa direção. Tudo indica também que, apesar dos negacionistas, este é o rumo por meio do qual a humanidade pode escapar da autodestruição.

Como o mundo oficial é apenas uma parte da solução e as iniciativas se multiplicam no nível das empresas, grandes ou pequenas, na própria sociedade, temos diante de nós um imenso campo de observação cujas pontas precisam ser ligadas, tanto no plano prático como na avaliação intelectual.

Isso ajuda a responder pergunta que às vezes nos fazemos: quem somos nós, onde estamos e para onde vamos? Naturalmente, essa não é a única questão, apenas aquela que emerge do problema principal. De nada adianta trabalhar a sobrevivência sem contribuir para reduzir desigualdades.

Daí a complexidade da resposta: como transitar para uma economia verde ampliando as oportunidades? Com a ajuda internacional do Fundo Amazônia, por exemplo, já poderíamos começar a reflorestar em grande escala. Nossa exportação de produtos florestais perde para países como a Bolívia e Uganda.

Estamos caminhado, mas é necessária uma sacudida. Já não se trata tanto de rumo, mas da velocidade que os tempos exigem.

*

JORNALISTA

Petrobras vende refinaria, não entrega e pode ser acionada na Justiça por comprador, OESP

 A Petrobras adiou por duas vezes a entrega de uma refinaria no Ceará vendida por US$ 34 milhões (R$ 167,3 milhões) no ano passado para um grupo especializado em asfaltos. Caso não seja resolvido nos próximos dias, o caso pode originar um processo de arbitragem.

A transferência para o grupo cearense Grepar da Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), por meio de um processo conhecido como “dropdown”, estava prevista inicialmente para ocorrer em 1º de agosto. A data foi transferida depois para 1º de setembro e, agora, para 1º de outubro.

Com esses atrasos, a compradora aguarda uma sinalização firme, até 10 de setembro, de que a estatal cumprirá o novo prazo ou fazer uma proposta alternativa. Caso isso não aconteça, deve entrar com um processo.

Lubnor é o quarto ativo a ter contrato de venda assinado pela Petrobras
Lubnor é o quarto ativo a ter contrato de venda assinado pela Petrobras Foto: Adriano Machado/ Reuters

A preocupação está no prazo para a transferência do ativo, que está chegando ao fim. Por contrato, a transferência dos ativos precisa ser finalizada até 25 de novembro, ou será desfeita, e o primeiro pagamento feito pela Grepar, devolvido. Segundo pessoas familiarizadas com o negócio, o início da entrega precisa acontecer até outubro para que seja concretizada no prazo.

A estimativa é que o “dropdown”, a transferência completa, pode demorar em torno de três semanas após iniciado. Mas a estatal alega que não pode concretizar a negociação da Lubnor enquanto não forem solucionadas questões de posse do terreno, o qual inclui áreas da União e da Prefeitura de Fortaleza. O contrato vinculante não permite a nenhuma das empresas desistir da transação.

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O objetivo da arbitragem, que pode ser pedida pela Grepar, seria evitar a judicialização a posteriori e buscar uma solução amigável antes que o “dropdown” fique inviável de ser cumprido até 25 de novembro.

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Para evitar a arbitragem, a Petrobras tem três opções: entregar o ativo, conforme o definido no contrato firmado em maio de 2022; propor um modelo de arrendamento da Lubnor; ou fazer o ressarcimento completo de todos os gastos com o processo de compra feito pela Grepar.

Em junho, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a venda da Lubnor. Depois disso, a Grepar pagou a primeira parcela, depositando 10% dos US$ 34 milhões acordados pela compra.

A empresa cearense também investiu previamente cerca de US$ 10 milhões, incluindo quatro anos de estudos de negócios, consultoria e preparação para operar a refinaria. Ela também planejou, a partir de setembro, a contratação de 50 trabalhadores e estima que o investimento total na operação atingiria US$ 100 milhões.

O impasse para a entrega da refinaria acontece devido a questões fundiárias, as quais a Petrobras alega estarem atrasando a conclusão do negócio. Segundo a assessoria da estatal, o contrato está assinado, e a transição ocorre normalmente, mesmo depois dos adiamentos.

“A empresa está aguardando a conclusão das condições previstas no contrato”, informa. Mas a Grepar defende que essa questão não seria um impedimento para a estatal já começar a transferir a refinaria.

Outorga gratuita

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A Lubnor está localizada em terreno com partes em posse da União e da Prefeitura de Fortaleza. A maior parte foi dada em outorga gratuita à estatal pela Secretaria de Patrimônio da União. Já algumas ruas, que compreendem cerca de 15% do terreno, são da capital cearense. Em dezembro, ainda com a Petrobras sob comando da gestão anterior, a estatal ofereceu proposta pela compra das áreas da prefeitura, que a considerou baixa.

Os valores se aproximaram nos meses seguintes, mas a gestão do prefeito Sarto Nogueira (PDT) alegou que a venda dos seus terrenos só seria feita após a aprovação do negócio pelo Cade. Agora, a Petrobras defende que precisa, antes, concretizar a compra do terreno para, depois, entregar a refinaria.

A Grepar já se dispôs a fazer a compra por conta própria, mas a reportagem apurou que o seu sócio principal, Clóvis Greca, não teve os seus pedidos de reuniões com a gestão de Fortaleza atendidos. A prefeitura não respondeu aos pedidos de esclarecimentos do Estadão.

O governo federal repetidamente demonstrou desinteresse na venda de ativos públicos. No dia 2 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo após assumir o cargo, determinou a revogação dos processos de privatização de oito empresas, indicadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em 11 de maio, declarou, durante evento: “Não vamos vender mais nada da Petrobras, os Correios não serão vendidos. Vamos tentar fazer com que a Petrobras possa ter a gasolina e óleo diesel mais baratos”. Também ameaçou reverter a privatização da Eletrobras, realizada em meados de 2022. O presidente classificou a venda da estatal como “errático” e “lesa-pátria”.

A resistência às vendas de estatais aparece desde o período de transição de governo. Em reunião virtual, em 28 de novembro, o grupo de transição de Minas e Energia fez um apelo ao então presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, para suspender a privatização em curso da Refinaria de Manaus Isaac Sabbá (Reman), que não foi atendido.

Quebra de contrato

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Segundo o presidente da Refina Brasil, associação que reúne as refinarias independentes, Evaristo Pinheiro, as privatizações não podem ser revistas por meio de quebra de contratos, ou o País arrisca mandar uma mensagem preocupante para os investidores. “Respeitamos as decisões de qualquer governo democraticamente eleito de interromper processos de privatização, mas é péssimo que contratos sejam descumpridos, por quem for, a Petrobras, a União ou outros entes, pela filigrana que for”, afirma.

A Grepar é uma comercializadora de asfalto focada no mercado nordestino. A Lubnor representa parte ínfima do parque total de refino da Petrobras, mas responde por cerca de 10% da produção de asfaltos do País e 1% do PIB do Ceará. Também poderia ter função estratégica para o grupo privado, além de fornecer insumos para a realização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 3, na região.

“Num momento que o governo lança um programa de R$ 1,7 trilhão e que depende de mais de 70% de recursos privados, descumprir contratos traria um sinal muito ruim para os investidores”, diz Pinheiro.