quarta-feira, 9 de agosto de 2023

As vaquinhas improdutivas de Zema, Wilson Gomes - FSP

 Se Romeu Zema queria puxar a brasa para a sardinha de Lula e colocar mais obstáculos eleitorais no caminho da direita, além de projetar uma luz ruim sobre o consórcio de estados do Sul e do Sudeste, foi muito exitoso na entrevista que deu a Monica Gugliano e Andreza Matais, de O Estado de S. Paulo.

O curioso da história é que ele se vende como um sujeito que reconhece que ser eficaz na gestão e na articulação política pode não bastar sem uma estratégia de comunicação bem planejada e muito bem executada. Chega a exagerar na ponderação entre entregas políticas e comunicação no cálculo do sucesso eleitoral, como quando diz que Bolsonaro teve a eleição passada "totalmente na mão", tendo-a perdido apenas no discurso, na retórica, na polêmica. O governo Bolsonaro teria sido bom, nota 8, mas uma comunicação presidencial ruim pôs tudo a perder.

Do mesmo modo, o seu juízo acerca da esquerda é sobre um fracasso no desenvolvimento, compensado por retumbante sucesso na propaganda. Na prática, a esquerda nada tem, segundo ele, mas na comunicação ela rouba a admiração do governador, que não poupa expressões como "canto da sereia", "discurso sedutor" e "lavagem mental".

Se entendesse mesmo de comunicação estratégica, o governador de Minas talvez devesse ter sido mais, digamos, "mineiro", isto é, mais conforme o clichê do político que diz menos do que pensa, considera cautelosamente o efeito das suas palavras e, sobretudo, cultiva uma estudada modéstia e moderação.

Se tivesse ponderado melhor, talvez tivesse compreendido que a sentença "já decidimos que além do protagonismo econômico, que temos, nós queremos o protagonismo político", em que contrapõe o Sul/Sudeste ao Norte/Nordeste, é um presente dos sonhos para Lula. Com essa frase, Zema forneceu a ilustração desejada para o sentimento nordestino, nortista e dos pobres do país de que só Lula os defende, só ele tem de fato uma agenda para a diminuição da desigualdade regional e que só Lula e a esquerda fizeram uma opção preferencial pelos pobres.

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"Além do protagonismo econômico, queremos o protagonismo político" é como expedir um atestado de que políticos como Zema só pensam nos que estão por cima e em aumentar o poder dos que já o têm. Nos ouvidos dos afetados pela desigualdade, o duplo protagonismo reivindicado por Zema é só uma versão pomposa do refrão mais sincero de Igor Kannário: "É nós, depois de nós é nós de novo".

Não imagino Tancredo Neves sintetizando e simplificando o Norte e o Nordeste brasileiros na noção de "vaquinhas pouco produtivas". Mas Romeu Zema o fez. Uma contribuição monumental para reforçar a convicção, na maior parte do país, de que que "esses políticos lá de baixo" conhecem o resto do Brasil não pelos livros de história, mas pelas histórias que lhes contam seus preconceitos e clichês, sua ignorância e sua incapacidade de entender e reconhecer as gigantescas diferenças internas das outras regiões.

Depois se esforçam tanto para entender a teimosia do Nordeste, que não se rendeu ao antipetismo nem ao bolsonarismo quando a maior parte da população do país fez uma virada eleitoral à direita populista. Transformaram em enigma o que é claro feito o dia. Há de haver várias razões para que a região tenha resistido, mas certamente é preciso considerar como variável importante a sensação altamente disseminada de que o sentimento antinordestino era parte fundamental do antipetismo.

Pensem comigo: qual a racionalidade de mudar eleitoralmente para um governo de duas faces, liberal-darwinista e ultraconservador, como o oferecido pelo antipetismo, ante a alternativa petista do reconhecimento do problema da desigualdade regional como uma questão central para o país, além de considerar as especificidades do Norte e do Nordeste? Pelo menos o PT sempre soube que havia mais Brasil a partir do vale do Jequitinhonha e ao norte de Campos, enquanto o discurso dominante vê apenas vaquinhas pouco produtivas, um desperdício de pasto e ração.

Quando as pessoas desconfiam que convicções como as candidamente vocalizadas por Zema —de que a desigualdade regional é um problema dos que ficaram para trás, não de todo o país; de que a pobreza é um problema dos pobres, não um problema nacional— são as ideias que movem os outros projetos de poder político, cessa o enigma do voto nordestino e nortista das últimas eleições.

Houve racionalidade quando se considerou que, sem Lula, quem já é protagonista de tudo quer ainda se tornar protagonista do resto. Zema está aí para ajudar os eleitores a se lembrar disso. Foi um belo serviço prestado.


Opinião - NATALIA PASTERNAK E CARLOS ORSI - Não li e não gostei, FSP

 Natalia Pasternak

Doutora em microbiologia, professora na Universidade de Columbia (EUA) e Fundação Getúlio Vargas (SP) e presidente do Instituto Questão de Ciência.

Carlos Orsi

É jornalista e escritor, editor-chefe da Revista Questão de Ciência

Um dos objetivos da publicação de "Que Bobagem!" é motivar mudanças em certos hábitos culturais brasileiros. Vemos esse propósito cumprir-se de várias maneiras —uma delas, inesperada: a substituição da crítica ao texto do livro pela crítica ao índice do livro. Poucos são os comentários negativos que se engajam com os dados, fatos e argumentos apresentados em quase 400 páginas; inúmeros, os que reagem com indignação instantânea ao encontrar sua pseudociência de estimação em nosso índice de doze "bobagens".

Infelizmente, a essa curiosa inovação vem somar-se um velho hábito da baixa intelectualidade verde-amarela, a crítica que tenta atingir a obra mirando nos autores —ou, no caso, na autora, Natalia Pasternak. Pesquisadores do futuro hão de debruçar-se sobre o momento em que o machismo e a misoginia nacionais produziram a paradoxal "invisibilização" de um homem, o coautor Carlos Orsi, para mais facilmente atacar a coautora mulher.

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A microbiologista Natalia Pasternak durante a CPI da Covid, no Senado - Pedro Ladeira - 11.jun.21/Folhapress

Muitos dos ataques são ou deliberadamente mentirosos, ou revelam um grau constrangedor de ignorância por parte dos "críticos". Diz-se, sobre as credenciais de Pasternak, que abandonou a academia, quando está ativíssima, lecionando na Universidade de Columbia, em Nova York, e na Fundação Getúlio Vargas, orientando alunos, coordenando ou integrando grupos internacionais de pesquisa sobre hesitação vacinal, infodemia, ensino de ciências e do pensamento crítico e uso de evidências científicas na formulação de políticas públicas, com dez artigos com revisão pelos pares, nove capítulos de livros, um relatório da Organização Mundial de Saúde e três livros, tudo publicado só nos últimos dois anos, além de mais de 300 artigos de divulgação em jornais e revistas, sete prêmios nacionais e quatro internacionais.

Chama atenção também o uso de argumentos falaciosos, muito parecidos, aliás, com aqueles contra os quais prevenimos nossos alunos, para que saibam identificar e desmontar discursos negacionistas. É recorrente a alegação "nunca tratou um paciente", assimilada pelos críticos de índice diretamente do arsenal dos promotores da cloroquina e dos antivacinistas de estetoscópio. Parece-nos que o fato de uma bióloga e um jornalista nunca terem tratado um paciente deveria ser algo positivo. O inverso seria preocupante.

O crítico de índice também é fiscal da causa alheia: como os autores ousam lutar contra algo que, segundo as vozes na cabeça do crítico, é irrelevante? Isso se torna divertido quando o fiscal começa a listar o que "de fato importa", e aí vemos brigas que já compramos e assuntos que abordamos em nossos outros livros ou, com frequência, na Revista Questão de Ciência, da qual Pasternak é publisher e Orsi, editor-chefe. São centenas de páginas impressas e textos online denunciando e analisando a negação da mudança climática e das vacinas, o subfinanciamento da ciência e discutindo as ameaças à democracia —tema, aliás, tratado por Orsi em artigo publicado neste espaço, no início do ano.

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Felizmente, o impacto cultural de "Que Bobagem!" vai além da produção de críticos de índice. Vemos a resposta nas reflexões dos leitores e, até, na mudança de postura de algumas autoridades. Este é o legado que fica, o resto é bobagem.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Deputado petista pede afastamento de secretário de Tarcísio, FSP

 SÃO PAULO

Um dos petistas mais próximos de Lula, o deputado estadual Emídio de Souza pediu à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo o afastamento do secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder. Motivo: o chefe da pasta é sócio da offshore Dragon Gem, dona de quase 30% da Multilaser.

No fim do ano passado, antes de tomar posse como secretário, a Multilaser fechou contratos de aproximadamente R$ 200 milhões com o governo paulista para o fornecimento de 97 mil notebooks para as escolas.

Em ofício enviado nesta segunda (7) ao procurador-geral da Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, Emídio aponta conflito de interesses na pasta. Também critica a recusa do governo em adotar livros didáticos impressos pelo Ministério da Educação.

O caso é investigado pela Procuradoria-Geral de São Paulo e pelo Tribunal de Contas do Estado.

O governador, Tarcísio de Freitas, e o secretário de Educação, Renato Feder
O governador, Tarcísio de Freitas (dir.), e o secretário de Educação, Renato Feder (esq.) - Flávio Florido/Seduc-SP

Como mostrou a Folha, na semana passada, a gestão Tarcísio de Freitas abriu mão de participar do Programa Nacional do Livro Didático, no qual os livros das escolas públicas são comprados com verbas do MEC, e decidiu que utilizaria apenas conteúdo digital a partir do 6° ano do ensino fundamental. Isso reforçaria a necessidade de manutenção do contrato com a Multilaser.

Com a forte reação negativa, o governo recuou e disse que vai seguir com o material impresso, porém produzido pela própria Secretaria da Educação.

Emídio diz que a renúncia de R$ 120 milhões do governo federal para comprar os livros é surpreendente e que a ação será "prejudicial ao processo educacional" dos alunos da rede pública.

Ele cita a ausência de consulta prévia aos profissionais da educação sobre o novo material e lembra que muitos dos alunos da escola pública paulista não possuem recursos para o acesso ao material didático digital.

"A permanência do secretário de Educação no cargo durante o processo de investigação pode prejudicar a conclusão do trabalho do Ministério Público. As duas investigações sobre ele versam sobre temas sensíveis e merecem ser minuciosamente esclarecidas", disse Emídio à coluna.

O deputado pediu ao procurador-geral que informe se o Ministério Público adotou, ou avalia a possibilidade de adotar, medidas judiciais pelo afastamento liminar de Feder até que os casos sejam esclarecidos.

Por meio de sua assessoria, a Secretaria da Educação não comentou o pedido de Emídio de Souza. Em nota, confirmou que os contratos com a Multilaser foram assinados em 2022, antes de Feder assumir a pasta.

A pasta disse ainda que já respondeu ao Ministério Público sobre o caso e que o secretário assumiu compromisso de não realizar novos contratos com a Multilaser durante a sua gestão.

Com Diego Felix