domingo, 2 de abril de 2023

Globo Repórter faz 50 anos com legado que foi da inovação à monotonia, Igor Sacramento, FSP

 


Igor Sacramento

É professor da Escola de Comunicação da UFRJ e autor, com Bruno Chiarioni, do livro 'O Repórter na TV: Uma História dos Programas de Reportagem no Brasil'

RIO DE JANEIRO

Em 3 de abril de 1973, estreou Globo Repórter. O jornalístico da TV Globo integrava um dos quatro programas que compunham a "terça global", junto do Globo Gente —programa de entrevistas apresentado por Jô Soares— e musicais, que completavam o rodízio da programação do mês.

No primeiro programa, foram apresentadas quatro reportagens —as escolas de samba, os índios americanos, as eleições chilenas, argentinas e francesas e uma retrospectiva das corridas de Fórmula 1. Todas as reportagens contavam com a narração de Sérgio Chapelin, o apresentador.

O apresentador Sérgio Chapelin durante apresentação do Globo Repórter - Renato Rocha Miranda/Divulgação

A atração derivava da experiência documental de Globo Shell-Especial, no ar entre 1971 a 1973. Paulo Gil Soares, diretor-geral dessa série e posteriormente do Globo Repórter até 1982, tinha como objetivo aliar as linguagens e políticas do cinema novo ao telejornalismo em rede nacional da emissora da família Marinho.

Contratou cineastas como Eduardo CoutinhoMaurice Capovilla, João Batista de Andrade e Walter Lima Júnior para a equipe fixa do programa. Assim, eles realizaram documentários que apresentam um "Brasil Verdade", o dito Brasil profundo, nas suas mazelas e desigualdades sociais, contrastando-se com as imagens do país do futuro propagadas pelos governos brasileiros durante a ditadura militar.

Documentários como "Theodorico, o Imperador do Sertão", de 1978, de Coutinho, "O Último Dia de Lampião", de 1975, de Capovilla, e "Caso Norte", de 1977, de Andrade, marcaram época e permanecem frequentemente lembrados e comentados em cursos e mostras de cinema e televisão. Pela imprensa especializada em televisão da época, o Globo Repórter era reconhecido por telejornalismo crítico e combativo.

A presença daqueles cineastas na direção de documentários no formato inicial do Globo Repórter reforça a observação astuta de Roberto Schwarz sobre a produção cultural dos anos de ditatura militar de que, apesar da ditadura da direita, havia relativa hegemonia cultural de esquerda no país.

A TV Globo contratou diversos artistas —cineastas, dramaturgos, atores— vinculados a movimentos e partidos de esquerda da época, porque buscava nessa produção altamente consumida pelas classes médias urbanas escolarizadas a legitimação de uma televisão de qualidade, o que não obtivera nos seus primeiros anos de funcionamento.

As críticas a programas de auditório como os de Chacrinha fizeram que o jornal a Última Hora com apoio da Igreja Católica promovesse uma campanha contra o "grotesco na TV". E a Globo era o principal alvo.

Mas nem só de documentários vivia a programação do Globo Repórter. Havia reportagens de conteúdo próprio e material comprado por emissoras estrangeiras, os enlatados

Depois do primeiro cancelamento do Globo Repórter em 1982 e seu retorno no ano seguinte, o repórter, título do programa, enfim, de praticamente ausente em frente às câmeras, passa a ser protagonista da narrativa. Com inspiração no estadunidense 60 Minutes, o novo formato tem no testemunho do repórter seu centro.

Lilia Teles assina a reportagem do ‘Globo Repórter’ sobre saúde Globo - Globo

Aos 50 anos, chegando à maturidade, o programa conta tanto com audiência quanto formato consolidados. Reportagens sobre os mais diferentes países do mundo, os hábitos mais saudáveis e sobre novas descobertas científicas e tecnológicas são muito comuns.

Nessas, muitas vezes, a presença do repórter é fundamental, não apenas como testemunha dos acontecimentos, mas como um agente de performatização.

Ao longo dos anos, o jornalismo que produzia narrativa críticos sobre a realidade brasileira foi superado pela reportagem de exotismos. O programa se acomodou numa fórmula, reforçada por uma audiência consolidada e por jornalistas-celebridades carismáticas como Sandra Annenberg e Glória Maria —esta, uma lembrança de ruptura e graça. Sendo referência e dialogando com a linguagem dos vlogs, a repórter se lançava nas histórias, era um acontecimento-performance.

Mas o programa se tornou monótono. Há um excesso de reportagens sobre curiosidades, temas turísticos e científicos, mas sem qualquer gesto de construção de narrativas críticas sobre a realidade. Diferentemente do programa em suas origens, tornou-se isento, ou até mesmo alheio à realidade brasileiro. Desvendar o Brasil em suas complexas desigualdades social definitivamente deixa de ser um foco.

O jornalismo investigativo e o documentário do cinema-verdade que moldavam o formato do programa faziam haver uma preocupação com a análise social —as implicações sociais e políticas do que é capturado no filme.

Esse flerte com a políticas e as linguagens das vanguardas cinematográficas, como o cinema novo, fez do programa um conjunto de emissões que se preocupava com o que estava sendo filmado e em como os programas poderiam contribuir para uma formação de consciência crítica.

Isso se perdeu totalmente nas intensas mesclas entre o jornalismo e o entretenimento, que caracteriza a produção televisiva desde o final da década de 1990. Nas décadas seguintes e até hoje, o programa se mantém na mesmice de temas e formatos, dando a sensação de falta de inovação, criatividade e crítica.

Bolívar Lamounier - No limiar de um debate histórico, OESP

 O debate que se vem travando entre o economista André Lara Resende e o que ele denomina os “mercadistas” (basicamente os economistas que atuam no mercado financeiro) tem tudo para se tornar histórico.

Pode desempenhar na presente conjuntura um papel análogo ao travado em 1944 entre Eugenio Gudin e Roberto Simonsen. O alvo visado por Lara Resende é a elevada taxa de juros praticada pelo Banco Central, concentrando-se na estabilidade monetária sem se preocupar, em seu âmbito de atuação, com o risco de uma perigosa subida da inflação. Dias atrás, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu em entrevista a posição de que estabelecer um arcabouço fiscal adequado é função do Legislativo e do Executivo, não do Banco Central; a este cabe aplicar seu meio específico, a taxa de juros, a fim de controlar a inflação.

Lara Resende martela a tecla de que o Banco Central e os “mercadistas” dão uma ênfase exagerada à taxa de juros e ao equilíbrio de contas porque raciocinam com modelos peremptos, como se nossa moeda ainda dependesse de lastro metálico ou como se nossa dívida pública estivesse sob o controle de estrangeiros, o que absolutamente não é o caso. Estando nas mãos de nacionais, vale dizer, de cidadãos de um Estado nacional autônomo e legítimo, nada impede que, em caso de necessidade, o Estado contraia mais dívida, emitindo moeda.

Aqui surge um notável paradoxo: coube a um economista (dos mais eminentes, não preciso dizer) ressaltar, em aparente contradição com seu próprio argumento, que na situação brasileira a variável crítica é o sistema político. Nossos cientistas políticos, assim como os chamados “brasilianistas”, são em geral amenos no trato com nossas instituições governamentais. Salvo melhor juízo, nenhum cientista político ressaltou com tal contundência que um sistema político robusto e legítimo é o pré-requisito para a inteireza de seu ponto de vista. Essa aparente contradição aparece em nada menos que seis passagens da entrevista que Lara Resende concedeu à jornalista Miriam Leitão (O Globo, 30/3/2023): “(A dívida contraída pelo governo) é aceita porque a sociedade confia neste governo, neste Estado organizado e legítimo. O que provoca a desconfiança da moeda não é uma questão econômica, não é uma relação de dívida/PIB, se o governo vai poder pagar ou não, como incorretamente se fala muitas vezes. Isso é analogia de passado quando o governo, para emitir sua dívida, precisava ter lastro metálico. Hoje, quando você tem uma moeda fiduciária, o governo pode sempre pagar, e ela é toda líquida. Então essa é uma economia de puro crédito. O que garante é a confiança no Estado organizado. O que produz a hiperinflação, desorganização, é a desconfiança na desorganização do Estado” (grifo meu).

É uma tese audaciosa. Rastreá-la ao longo das duas últimas décadas – durante as quais “ligações perigosas” foram estabelecidas entre os maiores empreiteiros e a maior estatal do País, quando nossa proverbialmente anêmica estrutura de partidos esfarelou-se de vez, quando a Câmara baixa esteve sob a presidência do deputado Eduardo Cunha, passando em seguida às mãos do deputado Arthur Lira, quando os caminhoneiros paralisaram o País e bandos de arruaceiros depredaram as principais sedes institucionais em Brasília – é trabalho para uma equipe numerosa e qualificada.

Outro ponto a considerar é onde exatamente o Brasil se encontra no espaço e no tempo. Em tese, deveríamos ser um país fácil de governar. Estamos protegidos por nossa extensão territorial e pela distância que nos separa dos núcleos beligerantes que, neste exato momento, ameaçam estilhaçar o planetinha em que nos foi dado viver. A verdade, entretanto, é que, pelo andar da carruagem, possivelmente levaremos uma geração inteira para duplicar nossa pífia renda anual por habitante, que atualmente corresponde a um quarto da do Mississippi, o Estado maia pobre da Federação norte-americana.

O ínfimo grupo de milionários situados no topo de nossa pirâmide social, que não chega a 10%, detém dezenas de vezes o patrimônio e a renda dos 10% de miseráveis que habitam a base. Sobre nosso sistema de ensino básico, peço licença para me abster. Em que direção estamos indo, na da Coreia do Sul ou na da Argentina? Quem quiser apostar na segunda hipótese não estará cometendo nenhuma loucura, mesmo sabendo que não tivemos (e dificilmente teremos) uma dupla como Perón e Evita, nem uma guerra civil entre militares, anarquistas e trotskistas que contabilizou no mínimo 20 mil “desaparecidos”. O problema é que à estagnação e à pobreza também se pode chegar sem que a parcela mais abonada da sociedade abra mão de suas amenidades.

A limitação de espaço obriga-me a concluir de uma forma um tanto abrupta. O problema é que o Brasil não tem uma elite articulada e capaz de articular uma agenda pública para levar de fora para dentro ao sistema político. De dentro para fora, sabemos que só virão faturas e boletos de arrecadação. Essa é a robustez de nosso Estado.

*

SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS