domingo, 2 de abril de 2023

Os donos das terras do Galeão micaram, Elio Gspari, FSP

 

A empresa espanhola Aena pretende pagar 50% (R$ 1,16 bilhão) da outorga da concessão do aeroporto de Congonhas com precatórios. Esse é o nome dado a dívidas da Viúva, reconhecidas pela Justiça e caloteadas pelos governos.

A lei permite que esses espetos sejam usados em transações com o poder público. O caso expõe o preço da voracidade dos governos e a balbúrdia jurídica de Pindorama. Enquanto precatórios servem para quitar a outorga de um aeroporto, vale a pena ir a outro, o do Galeão.

Área de check-in do aeroporto de Congonhas, em São Paulo - Carla Carniel - 23.dez.2022/Reuters

Na década de 1940, durante a ditadura do Estado Novo, o governo de Getúlio Vargas resolveu construir um novo aeroporto no Rio de Janeiro. Oficiais foram à ilha do Governador e escolheram a área. Com uma canetada, ela foi desapropriada, e os proprietários das terras foram tungados.

Começou uma batalha jurídica. Os lesados tiveram seu direito reconhecido em 1951 e assim surgiu a figura do "precatório do Galeão". O governo devia, não pagava, e os papéis —desvalorizados— iam de mão em mão.

No final do século passado, chegou-se a armar uma operação pela qual, com valor de face, quitariam a dívida do Jornal do Brasil com a Viúva. A notícia se espalhou e tanta gente comprou precatórios do Galeão que o negócio foi à breca.

Em 1990, o Supremo Tribunal Federal mandou que se promovesse a execução da sentença. Em 1997 o processo sumiu. Quatro anos depois, foi encontrado por um pastor num banco da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, em São Cristovão.

A disputa recomeçou, mas em 2011 a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o litígio estava prescrito por decurso de prazo. O fato de o processo ter sumido por quatro anos foi desconsiderado. Em novembro passado o STJ fechou o caso.

Segundo o governo, caso a indenização tivesse que ser paga, a conta ficaria em R$ 50 bilhões, dinheiro suficiente para arrematar quase todos os aeroportos do país.

TRÉGUA NAS AMERICANAS

Os bancos e a rede varejista Americanas entraram numa trégua. Equipes de advogados estão costurando os detalhes de um acordo. Nele, os três grandes acionistas (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira) colocam entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões na empresa.

A costura de um acordo final pode levar de duas semanas a um mês.

DETALHE

Feita a paz no rolo, resta um detalhe lateral: ainda não se conhecem os nomes e os motivos dos diretores da Americanas que venderam cerca de R$ 240 milhões de ações da empresa no trimestre em que ela emborcou.

Essa bola está com a Comissão de Valores Mobiliários.

A China nunca está certa, Felipe Durante, FSP

 

Felipe Durante

Diretor de engenharia industrial e youtuber, mora na China há quatro anos

"A China nunca está certa!". Não importa o que o governo de Pequim faça, a mídia ocidental quase sempre constrói uma narrativa em que os chineses são retratados como vilões ou negligentes. Basta observar o quanto, nos últimos anos, temos assistido a uma crescente propaganda negativa —em especial dos Estados Unidos. Essa propaganda chega de diversas formas, como discursos de políticos, reportagens na mídia e campanhas publicitárias. Mas por que os EUA estão propagandeando tanto contra o gigante asiático?

A resposta para essa pergunta é complexa e envolve vários fatores. Um dos principais motivos é a crescente rivalidade geopolítica entre as duas potências. Os EUA têm visto a ascensão da China com desconfiança e temem que ela possa tomar a sua hegemonia global. Além disso, alegam preocupações com relação à política interna, como a falta de liberdade de expressão e o tratamento dado aos direitos humanos.

A ByteDance, dona do TikTok, sofre com a desconfiança do governo norte-americano desde o mandato do ex-presidente dos EUA Donald Trump - Olivier Douliery/AFP - AFP

Na verdade, muitos desses problemas apontados podemos constatar abertamente em território estadunidense. Por exemplo, de acordo com o U.S. Press Freedom Tracker, 286 jornalistas foram presos ou processados nos EUA entre 2013 e 2023. O que nos faz pensar que essas "preocupações" têm sido exploradas pelos políticos americanos para justificar uma postura mais agressiva em relação a Pequim. E a propaganda tem sido uma ferramenta importante nesse sentido, muitas vezes apelando para o medo e a demonização do país asiático.

Um exemplo disso é a campanha publicitária lançada pelo governo dos EUA em 2020 intitulada "China Lied, People Died" ("A China Mentiu, Pessoas Morreram"), que visava responsabilizar o país pela pandemia de Covid-19. A campanha usava um tom acusatório e simplista, afirmando que os chineses haviam mentido sobre a origem e a gravidade do vírus e que, por isso, eram responsáveis pelo número de mortes em todo o mundo. O objetivo era criar um sentimento anti-China na população estadunidense e legitimar a postura mais agressiva do governo em relação ao país asiático.

Outra forma de propaganda é a difamação cultural. Os EUA têm utilizado exemplos da cultura popular chinesa para representá-la negativamente. Desde a estereotipação de personagens em filmes até as recentes notícias que alegam que a China estaria utilizando seu "soft power" para doutrinar a juventude ocidental através do TikTok.

A propaganda contra a China também tem sido utilizada para justificar uma série de medidas econômicas e comerciais. Em 2018, os EUA lançaram um conjunto de tarifas sobre produtos chineses, alegando que Pequim estava praticando comércio injusto e roubando propriedade intelectual. Essa medida foi acompanhada de uma intensa campanha, que retratava o país como um inimigo econômico que ameaçava a prosperidade norte-americana.

Aparentemente, no entanto, tal visão simplista não leva em conta sequer a complexidade das relações comerciais entre as duas potências. A China é um importante parceiro comercial dos EUA, e muitas empresas deste país dependem das exportações para o mercado chinês. Além disso, as tarifas acabaram prejudicando não apenas a economia chinesa, mas também a americana, com o aumento dos preços e a redução de empregos.

O CEO do TikTok, Shou Zi Crew, é interrogado no Congresso americano; parte dos congressistas quer banir o aplicativo nos EUA - REUTERS

Outra questão importante é a geopolítica internacional e a influência chinesa em outras nações. Os EUA temem que a China esteja buscando expandir sua esfera de influência e que isso possa minar a sua própria posição como superpotência mundial. Por isso, o discurso anti-China muitas vezes é usado para justificar uma postura mais dura em relação a países que mantêm relações próximas com o gigante asiático.

Isso pode ser visto, por exemplo, na postura do governo americano em relação ao Brasil. Nos últimos anos, a China se tornou um importante parceiro comercial e investidor, o que tem incomodado os EUA. Em resposta, políticos e analistas americanos têm propagandeado a ideia de que a aproximação do Brasil com a China é uma ameaça à soberania e segurança nacional do nosso país.

Acredito que, enquanto a China continuar crescendo, o que deve se manter num futuro próximo, veremos Washington antagonizando Pequim cada vez mais, numa tentativa de frear este avanço. O problema, para os Estados Unidos, é que a China se mostra imparável.