sábado, 30 de abril de 2022

Biogás pode ajudar Alemanha a cortar dependência da Rússia, FSP

 RIBBECK (ALEMANHA) | AFP

Após anos de estagnação e questionamentos sobre seu impacto ambiental, o setor de biogás da Alemanha volta a chamar a atenção em meio aos esforços de Berlim para reduzir sua dependência energética de Moscou por causa da guerra na Ucrânia.

A uma hora de carro a oeste de Berlim, a fazenda de Peter Kaim é dominada pelo forte odor que emana de três longas esferas colocadas no meio de um campo lamacento compartilhado com cem vacas.

Todos os dias, toneladas de resíduos orgânicos —principalmente esterco, milho e grama— são despejados nesses recipientes. Em um processo chamado "metanização" alimentado por bactérias, essa matéria orgânica se transforma em gás.

A pequena usina aquece cerca de 20 casas na vila de Ribbeck, conhecida por uma pereira elogiada pelo escritor alemão Theodor Fontane num poema clássico do século 19.

Vacas se alimentam em frente a usina combinada de calor e energia (CHP) que funciona a biogás, numa fazenda em Ribbeck, na Alemanha - John MacDougall/AFP

Tudo "vem 100% da nossa fazenda", diz Kaim, orgulhoso de ter uma produção energética "independente" em meio à guerra na Ucrânia que elevou os preços.

O agricultor pede às autoridades regionais que adotem procedimentos de autorização mais simples para ajudar o biogás a se tornar um participante maior no mix energético da Alemanha.

Assim como Kaim, todo esse setor vê a crise atual como uma oportunidade —que levou Berlim a reduzir sua dependência da Rússia, da qual importava 55% de seu gás natural, metade de seu carvão e 35% de seu petróleo.

Em um sinal de que a mensagem estava chegando, o governo alemão anunciou na semana passada seu desejo de aumentar a produção de "gás verde" como parte de sua estratégia para construir mais resiliência diante do aumento dos preços da energia.

2/3 DO NORD STREAM

Por enquanto, o biogás representa apenas 1% do consumo na principal economia europeia. Mas "poderíamos aumentar imediatamente nossa produção em 20% e substituir 5% do gás russo se algumas barreiras regulatórias fossem levantadas amanhã", diz Horst Seide, presidente da federação de produtores de biogás alemães.

Segundo ele, um esforço coordenado de promoção do setor permitiria, a longo prazo, "produzir dois terços da capacidade do Nord Stream 2", o polêmico projeto de gasoduto entre a Rússia e a Alemanha que Berlim suspendeu no início da invasão da Ucrânia em fevereiro.

A história do biogás na Alemanha tem décadas. No início dos anos 2000, o país optou por este setor e tornou-se líder europeu. Ainda hoje, metade dos metanizadores do continente estão localizados no país.

Mas, no início de 2014, o governo alemão deu uma guinada e decidiu cortar a capacidade de produção da indústria com um complexo sistema de subsídios.

A principal objeção era a industrialização massiva do setor, que representava um grande problema ambiental devido ao risco de contaminação das águas e vazamentos de gases poluentes.

Alegaram também que as terras usadas para agricultura e pecuária estavam sendo tomadas para produção de energia.

De acordo com o ministério da Agricultura, 14% das terras agrícolas da Alemanha já são usadas para geração de energia.

A abertura de novas instalações despencou: de 1.526 em 2013 para 94 em 2014, logo após a mudança regulatória. Em 2021, apenas 60 foram registradas.

INSEGURANÇA ALIMENTAR

O setor garante que aprendeu com seus erros e quer fazer parte da solução para se desconectar do gás russo, mas pede uma flexibilização da regulamentação.

No entanto, alguns especialistas são céticos. "Em um futuro contexto de insegurança alimentar devido à guerra na Ucrânia, é difícil defender um aumento na produção de biogás usando o modelo atual", comenta Michael Sterner, pesquisador de energia da Universidade de Regensburg.

De acordo com Ingo Baumstark, porta-voz da federação dos industriais, a expansão da produção pode ser feita de forma descentralizada, usando pequenas instalações e matérias-primas sustentáveis.

O setor explica que quer abandonar a monocultura do milho dedicada exclusivamente à produção de energia para focar nos resíduos e sobras da produção agrícola.

Mas esse modelo, melhor do ponto de vista ambiental, exige uma operação logística colossal, pois atualmente 80% da matéria orgânica utilizada no setor vem de plantas cultivadas exclusivamente para esse fim, segundo a Agência Alemã do Meio Ambiente.


Luís Francisco Carvalho Filho - Marcola, Lombroso, Bolsonaro, FSP

 O perdão ao deputado Daniel Silveira é o ataque mais atrevido de Jair Bolsonaro ao cenário democrático.

Ridiculariza o Supremo Tribunal Federal e estabelece um estado de coisas inconstitucional, aparentemente insuperável. O presidente, que já manietava a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Procuradoria-Geral da República, manipulando também regras de segredo de Estado para favorecer a delinquência mais próxima, firma-se agora como última e mais poderosa voz.

Príncipe da incivilidade, chefe supremo de todos e de tudo, Jair Bolsonaro estende o manto protetor da Presidência da República para aliados golpistas.

O perdão um dia depois da condenação mostra que decisão contrária não é mesmo para valer.

O deputado Daniel Silveira - Evaristo Sa-29.mar.22/AFP

A senha é inconfundível. Não hesitem, ameacem: eu estou aqui, como um Deus, para amparar o futuro dos meus inocentes.

Bolsonaro estraga, desconstrói o Brasil. Logo haverá demanda para perdão de policiais que torturam ou matam suspeitos, de madeireiros que queimam florestas, de garimpeiros que estupram meninas indígenas.

A mesma mão que promete livrar o país do fantasma comunista —nas artes, nas escolas, na medicina, nos tribunais— é clemente para quem afronta a democracia. A mesma voz que acusa impiedosamente a corrupção de adversários é dócil, dócil demais, com corruptos amigos.

É o ápice da escalada golpista. Bolsonaro prega a desobediência como política pública. O descrédito da Justiça Eleitoral é essencial (em caso de derrota) para deslegitimar o resultado das eleições.

O Supremo estabelece marco temporal para a demarcação de terras indígenas? Bolsonaro anuncia que não vai cumprir. Em nome da liberdade de expressão, Bolsonaro manda juiz calar a boca.

A altivez politicamente criminosa de Jair Bolsonaro, às vezes vista como singelo exagero, é reafirmada nas vésperas da eleição para reacender (na hora do golpe) o sentimento plantado em diversos setores sociais —nos pontos de táxi, nas delegacias de polícia, entre milicianos, nas cooperativas agrícolas, nas corretoras de valores, nas igrejas, nos quartéis e, sobretudo, em entidades empresariais— de que a veia autoritária é sim um caminho viável (sempre passageiro, é claro) para o desenvolvimento do Brasil.

O emaranhado democrático de leis, tribunais e direitos atrapalha o empreendedorismo e a vida liberal.

São as homenagens ao deputado Daniel Silveira, imundo e perdoado, que formam o retrato mais constrangedor da distopia nacional.

Se as fotografias das comemorações na Câmara dos Deputados e no Palácio do Planalto fossem observadas pelo criador da criminologia científica, o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909), uma teoria antropológica baseada nas características (físicas, psíquicas, éticas e estéticas) dos apoiadores homens e mulheres de Jair Bolsonaro poderia ser construída para explicar a natureza da delinquência política no país.

Piadas a parte, parlamentares das bancadas da bala e da fé, eleitos pela poderosa ressonância do bolsonarismo no Brasil real, formam um agrupamento de delinquência política que, em matéria de desafio à lei e à ordem, só encontra paralelo em agrupamentos de delinquentes comuns, como o PCC e a máfia.

Paradoxalmente, "homens de bem" que se recusam a compartilhar valores morais do crime organizado, admiram e compartilham valores morais apodrecidos que as ventas do Marcola da política brasileira, Jair Bolsonaro, expelem sobre nós.

lfcarvalhofilho@uol.com.br