Uma democracia funcional é um organismo político complexo, em que diversos agentes exercem papéis específicos para que o regime produza seus generosos resultados.
Já o arbítrio é embaralhado. A ditadura brasileira até 1985 mandava no Executivo e também em assuntos do Judiciário e do Legislativo. Interessa apenas aos nostálgicos daqueles tempos, entre eles o presidente Jair Bolsonaro (PL), o retorno a um regime de exceção.
PUBLICIDADE
Pela Constituição de 1988, não é preciso improviso nem negociações subterrâneas entre próceres da República para solucionar problemas como o do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Basta que cada um atue dentro de sua competência e que se apliquem as leis.
O Supremo Tribunal Federal condenou Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão, além de multa, por ameaçar a institucionalidade democrática —uma pena que soa exagerada. Acertou ao determinar a perda do mandato e a inelegibilidade.
Bolsonaro escolheu aviltar o instituto da graça quando indultou o apaniguado como meio de provocar o STF. Carregará a atitude vergonhosa pelo restante de sua vida pública, mas, do ponto de vista das regras do jogo, mobilizou um poder conferido expressamente ao presidente da República pela Carta.
O poder, que fique bem claro, limita-se à suspensão da pena do condenado, mas não se sobrepõe à palavra final do Supremo Tribunal. A graça não anula a condenação de Silveira, que perderá a condição de réu primário.
Caberá à Câmara dos Deputados proceder à correta cassação do mandato, em votação pelo plenário, consequência direta do trânsito em julgado da condenação. Já à Justiça Eleitoral cumpre bloquear, pelos próximos oito anos, quaisquer tentativas de Daniel Silveira de candidatar-se a cargo político, como reza a Lei da Ficha Limpa.
A esta altura, trata-se do melhor desfecho possível para o caso —e o Supremo fará bem em concorrer para tanto. Em suma, o deputado brutamontes não deverá cumprir a pena de prisão, mas estará sujeito a todos os demais efeitos do reconhecimento, pela mais alta corte do país, do crime que cometeu.
O que Jair Bolsonaro quis transformar numa conflagração entre Poderes dispõe na verdade de um encaminhamento relativamente simples pelas instâncias regulares do Estado democrático de Direito.
O presidente busca o conflito e açula seus seguidores porque quer semear uma tempestade nas eleições de outubro. Reagir com firmeza —mas também com frieza— serve para mostrar a Bolsonaro que o seu poder tem limites.
Conduzir as eleições, por exemplo, não é assunto do presidente da República, mas única e exclusivamente do Poder Judiciário.
Se não chega a surpreender, é de consternar o anúncio de que casos de depressão estão em alta no Brasil. Nada menos que 11,3% dos que aqui vivem, mais de 24 milhões de pessoas, relatam diagnóstico médico desse transtorno mental.
Aferiu-se o dado na versão 2021 da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, segundo reportou o jornal O Estado de S. Paulo. Antes se conheciam 10% de prevalência, conforme a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019; em 2013, eram 7,6%.
PUBLICIDADE
A estatística ultrapassa aquilo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) registra para o Brasil, 5,3%. Supera, também, a proporção de casos nos Estados Unidos, de 8,4% da população acima de 18 anos (critérios díspares, contudo, podem prejudicar a comparação).
De toda maneira, constata-se número elevado e crescente de brasileiros padecendo de uma doença que pode ser incapacitante. De acordo com a OMS, a depressão está entre as principais causas de faltas no trabalho e, ao lado da ansiedade, provoca prejuízo econômico mundial de US$ 1 trilhão anual.
As causas do crescimento aparente, aqui, não são triviais de elucidar. Perdas de pessoas próximas, emprego e renda durante a pandemia de Covid-19 surgem como principais suspeitos.
A Vigitel apontou ainda aumento no abuso de álcool, que atinge 18,3% da população, e restrição da atividade física (48,2% exercitam-se menos do que seria desejável). Ambos os fatores contribuem para depressões e também podem derivar da pandemia.
Por fim, e paradoxalmente, não se exclui que parte da alta resulte de fenômeno sociocultural positivo: redução do preconceito. Hoje soa menos constrangedor admitir-se deprimido e buscar tratamento, levando ao acréscimo de registros.
Tampouco se descarta que haja erros de diagnóstico. Por falta de treinamento ou especialização, alguns médicos podem estar identificando a patologia de modo equivocado, tratando como doenças o que talvez não sejam mais que infelicidades cotidianas e medicando-as de forma precipitada.
Psiquiatria e farmacologia enfrentaram dificuldades para chegar a novas classes de medicamentos. Surge alguma esperança com substâncias psicodélicas, como a psilocibina de cogumelos, mas ainda há longo caminho até que se comprovem seguros e eficazes.
BRASÍLIA — Metade dos deputados federais eleitos em 2018 não deve conseguir renovar seus mandatos neste ano. A projeção é feita por órgão que monitora a atividade do Congresso e também por lideranças partidárias. Na última eleição, a taxa de renovação chegou a 52%, uma das mais altas desde 1990. A estimativa é que este ano fique na casa dos 50%.
Há quatro anos, a renovação foi impulsionada pelo momento político pós-Lava Jato que colocou em descrédito o comando dos principais partidos e provocou a derrota de políticos tradicionais. Desta vez, na avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) e de dirigentes partidários, uma mudança nas regras eleitorais, aprovada em 2021 pelo Congresso, deve favorecer a eleição de novatos em detrimento de quem tentará a reeleição.
A chamada lei de “sobras” altera os requisitos para preenchimento de parte das cadeiras na Câmara. Na eleição proporcional, o partido precisa alcançar o chamado quociente eleitoral, que é a soma de todos os votos dados à sigla dividida pelo número de vagas que existem para a Câmara dos Deputados naquele Estado.
Após o cálculo de quantas cadeiras cada partido conseguiu ocupar segundo seu quociente eleitoral, ainda sobram algumas vagas. Nesta nova rodada, o preenchimento das “sobras” terá dois pré-requisitos a partir deste ano: a sigla precisa ter alcançado 80% do mínimo exigido para eleger um parlamentar; e o candidato pelo menos 20%. Essa última trava para as “sobras” não existia até então.
Estimativa realizada pelo DIAP a pedido do Estadão aponta que, caso a nova lei estivesse valendo em 2018, muitos candidatos à reeleição não teriam sido eleitos. No diagnóstico de Neuriberg Dias, diretor do DIAP, apenas seis partidos teriam se beneficiado da regra. A projeção coincide com a avaliação do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que espera um patamar de renovação próximo a 50% da Casa.
Em 2018, segundo dados do DIAP, 52% das cadeiras foram ocupadas por novos deputados, patamar superado apenas pelas eleições de 1990 (62%) e 1994 (54%). Quatro anos antes, em 2014, a renovação havia sido de 47% – abaixo da série histórica de 49%.
“Os partidos grandes, em especial, vão lançar um número alto de candidaturas e tendem a atingir o quociente eleitoral, consequentemente tendo acesso a mais cadeiras do que os partidos pequenos e médios. Como metade das vagas foi ocupada por uma regra diferente da deste ano, metade da Casa fica suscetível a não ser reeleita”, estima o diretor do DIAP. “Isso pode ser um dos principais fatores para ter um índice maior de renovação do Congresso, que não se dá por uma questão conjuntural, mas, por conta da polarização e das regras que vão mobilizar os partidos para terem cabos eleitorais”, complementou.
Líder do PT na Câmara, o deputado Reginaldo Lopes (MG) prevê uma taxa de renovação entre 50% e 60% provocada pela lei das sobras e outras regras eleitorais, com o seu partido saltando dos atuais 56 deputados para 95, na esteira da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela terceira vez ao Palácio do Planalto.
Para o deputado Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara, a renovação no seu partido também virá por meio do “avanço” gerado pela lei das sobras e pela reorganização da sigla nos estados. O MDB espera saltar dos atuais 37 deputados para mais de 48, superando o PSD, que figura hoje entre as cinco maiores bancadas na Casa comandada por Lira.
Levantamento preliminar realizado pelo DIAP, antes da janela partidária, identificou uma taxa de 81% de recandidatura na Câmara, o equivalente a 413 deputados. PT e MDB, por exemplo, estimam mais de 90% dos seus deputados no páreo em outubro. No Senado, os dados indicam que ao menos 17 senadores dos 27 que terão mandato renovado este ano têm interesse em disputar a reeleição. Existem ainda dois senadores que, consultados pelo Diap, indicaram que poderiam ou tentar renovar o mandato, ou disputar o governo estadual.
Na busca de votos para reeleição, os parlamentares da base do Palácio do Planalto no Congresso apostam na liberação de verbas do “orçamento secreto”. Revelado pelo Estadão, o mecanismo criado pelo governo em troca de apoio político contará neste ano com R$ 16,5 bilhões. Dinheiro despejado na base eleitoral dos parlamentares que apoiam Bolsonaro.
O índice de recandidatura aferido pelo DIAP na Câmara coincide com a média histórica de 80% registrada desde 1990. Durante esse período, as eleições com maior taxa de deputados concorrendo à reeleição foram as de 1998 e 2006, quando 86% se colocaram à disposição nas urnas para votação. Em meio aos efeitos da Lava Jato, a disputa de 2018 contou com uma taxa de 79% de candidaturas à reeleição.
Para Neuriberg Dias, do Diap, o índice de candidaturas à reeleição neste ano está ligado também ao advento das federações partidárias. “O principal motivo (para concorrerem à reeleição) é que os partidos vão precisar de quem está no mandato, mesmo que não tenha o mesmo potencial de voto que teve na eleição anterior, porque serão importantes para atingir a cláusula de barreiras e o coeficiente individual e partidário, que agora ficou mais duro”, afirmou.
Além da nova fórmula para preencher as sobras, a disputa de outubro será a primeira após o Congresso ter aprovado o fim das coligações e se dará sob efeito do aumento porcentual da cláusula de desempenho, que exigirá ao menos 2% dos votos válidos em um terço dos Estados ou a eleição de 11 deputados para que as legendas continuem tendo acesso ao Fundo Partidário.
Esses fatores podem impor dificuldades adicionais a candidatos novos e de partidos pequenos, sobretudo daqueles que não fazem parte de federações partidárias. A tendência, segundo analistas políticos, é que as siglas invistam em parlamentares já eleitos e em puxadores de votos para cumprir todas as exigências.