terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Minerais usados em carros elétricos terão certificado verde por blockchain, FSP

 Eric Onstad

LONDRES | REUTERS

Um programa de certificação financiado pela União Europeia usando blockchain está sendo desenvolvido para atestar condições de produção sustentável de terras-raras, pois as montadoras de veículos exigem provas de que os materiais usados ​​para fabricar componentes de motores e baterias de veículos elétricos não estão ligados à poluição desenfreada.

O sistema estabelecerá padrões globais e dará confiança aos consumidores que exigem produtos que possam ser considerados sustentáveis, disseram dois dos organizadores à Reuters.

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As terras-raras são 17 minerais relacionados, encontrados dispersos na crosta terrestre e usados ​em motores de veículos elétricos e geradores de turbinas eólicas. O processamento de minério de terras raras é uma operação complexa, envolvendo solventes e resíduos tóxicos que precisam ser descartados com cuidado.

Ponto de recarga rápida instalado pela empresa EDP em parceria com o grupo Volkswagen na cidade de Caraguatatuba, litoral de São Paulo
Ponto de recarga rápida instalado pela empresa EDP em parceria com o grupo Volkswagen na cidade de Caraguatatuba, litoral de São Paulo - Divulgação

O Sistema Circular para Avaliação da Sustentabilidade de Terras-Raras, ou CSyARES, deve estar pronto em cerca de três anos, disse a Reia (Associação da Indústria de Terras-Raras) e a empresa holandesa de rastreabilidade de suprimentos Circularise.

A União Europeia está financiando o projeto por meio da EIT Raw Materials, uma organização que implementa um plano de ação do bloco europeu elaborado em 2020 para garantir minerais críticos para o bloco. O valor do financiamento não foi divulgado.

O sistema rastreará os metais de terras-raras usando tokens blockchain, ou passaportes digitais, através da complexa cadeia de suprimentos, desde a mineração até o fim da vida útil, disse Teresa Oberhauser, da Circularise.

Circularise e Reia são dois dos cinco parceiros envolvidos no CSyARES. Os outros três são a alemã BEC, a dinamarquesa Grundfos e a londrina Minviro.

As empresas de auditoria já emitem certificados de sustentabilidade de produtos de mineração, incluindo alguns metais raros.

A União Europeia considera as terras raras como prioridade máxima porque 98% dos ímãs permanentes do bloco, também vitais para o setor militar, são importados da China.


Whoopi Goldberg aprendeu que o racismo também explica o Holocausto, João Pereira Coutinho, FSP

 Ver o mundo em preto e branco nunca fez bem a ninguém. Tempos atrás, escrevi nesta Folha que existe um estranho esquecimento nas discussões atuais sobre racismo: os judeus.

O pretexto era o livro de David Baddiel, "Jews Don't Count", que arrisca várias hipóteses para esse esquecimento. O antissemitismo é religioso, dizem uns. O antissemitismo é uma forma de antissionismo, dizem outros.

Fracas explicações, diz Baddiel. Há judeus ateus. Há judeus que marcham contra o Estado de Israel. O antissemita não discrimina na hora de odiar ou matar.

Ilustração mostra arame farpado em vermelho sendo envolto por outro tipo de arame farpado, em preto
Publicada nesta segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022 - Angelo Abu

Para o autor, a resistência em incluir os judeus nas vítimas de racismo está na forma estreita como o próprio racismo é discutido hoje em dia: uma espécie de clube exclusivo onde só os negros têm voz.

Nada mais falso. O racismo existe onde existe um preconceito contra uma "raça" que se considera inferior ou sub-humana. E existem dois crimes nessa atitude: um crime científico, no uso da palavra "raça", e um crime moral, na discriminação exercida sobre minorias.

Nesse sentido, negros, indígenas, ciganos, judeus, albinos, uigures —todos podem ser vítimas de racismo. A cor da pele é um detalhe quando falamos de submissão e poder.

Esse foi o primeiro erro de Whoopi Goldberg. Aconteceu em programa de TV, quando se discutia a proibição da graphic novel "Maus" numa escola do Tennessee: o Holocausto não foi por racismo, afirmou a atriz. Foi pura desumanidade do homem sobre o homem —do homem branco sobre o homem branco, entenda-se.

Horas depois, a atriz pediu desculpas por sua ignorância. Parece que o racismo também explica o Holocausto, no fim das contas.

Mas existe um segundo erro na teoria de Whoopi Goldberg, que ganha contornos bem irônicos: se existe um momento em que o antissemitismo ganhou dimensão genocida por motivos raciais foi precisamente na Alemanha nazista.

Nem sempre foi assim. Quando olhamos para a milenar história do antijudaísmo (talvez essa palavra seja mais correta que antissemitismo), é possível encontrar diferentes camadas de ódio, cada uma com sua natureza.

O antijudaísmo romano era essencialmente político e nascia da vontade do império em subjugar uma minoria no Oriente Médio. A destruição do Segundo Templo em 70 d.C., como resposta às rebeliões judaicas, e a consequente dispersão dos judeus pelo império romano marca o fim desse antijudaísmo político na antiguidade.

Segue-se um antijudaísmo religioso, em que os judeus são vistos como assassinos de Jesus. Na Europa cristã, e sobretudo com a Reforma Protestante do século 16, as matanças antijudaicas são justificadas à luz do dogma religioso.

Mas é no século 19 que o antijudaísmo racial desponta como marca distintiva: a pureza da raça rapidamente contamina o nacionalismo alemão. Com os nazistas, essa doença atinge paroxismos de repulsa e destruição.

No seu "Mein Kampf", Hitler é explícito: "sempre que os arianos misturam o seu sangue com o de povos inferiores, o resultado é a extinção do elemento civilizador".

A título de exemplo, o grotesco Adolfo citava a colonização da América Latina por contraposição à América do Norte. Na primeira, os colonizadores foram portugueses e espanhóis, ou seja, raças inferiores que não hesitaram em misturar o seu sangue com raças ainda mais inferiores.

Na América do Norte, o elemento germânico sempre foi avesso a essas misturas. Razão pela qual era possível encontrar uma civilização desenvolvida a norte, mas não a sul.

A conclusão prática desse "raciocínio" (digamos assim) dispensa grandes comentários. Exceto para lembrar que a "solução final para a questão judaica", decidida em Wannsee há 80 anos, mostra bem como a prioridade em 1942 não era apenas vencer a guerra (objetivo que se revelava cada vez mais difícil, perante a tenaz soviética e americana que se fechava sobre Berlim).

Era mobilizar os recursos necessários para exterminar uma "raça" —tarefa a que os soldados do Reich se dedicaram até a rendição, e mesmo depois dela.

Ver o mundo em preto e branco nunca fez bem a ninguém, repito. Porque esse é o caminho mais rápido para você ser cruel sem perceber que é.

Whoopi Goldberg, suspensa do canal ABC (um absurdo exagero), aprendeu isso a duras penas. E você?


São Paulo cresce para o alto OESP

 José Renato Nalini*

08 de fevereiro de 2022 | 11h00

FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Pode parecer bizarro num país com tanto território, essa preferência pelos edifícios de apartamentos. Houve época em que o “arranha-céus” era sinônimo de progresso. Cópia dos Estados Unidos, nosso espelho? A falácia de que um prédio é mais seguro do que uma casa?

Expliquem os sociólogos, os psicólogos, os urbanistas. A constatação é a de que a capital paulista já possui maior área construída em apartamentos do que em casas. É um levantamento do CEM – Centro de Estudos da Metrópole da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Há vinte e dois anos, a área construída de casas era de 158,4 milhões de metros quadrados e a de apartamentos atingia 104,2 milhões de metros quadrados. Hoje, a residência em prédio ocupa 190,4 milhões de metros quadrados e as casas 183,7 milhões de m2.

Os apartamentos estão diminuindo de tamanho, para poder atrair um comprador que não tem condições de adquirir algo maior. Brotam lançamentos ao lado de estações de Metrô e o discurso é de que a população de baixa renda poderá substituir o carro pelo transporte coletivo. Não é o que acontece. Existe muito investimento para garantir lucro para o empreendedor. A periferia continua refém de transportes caros e mal conservados.

O excesso de edifícios implica em perda de qualidade de vida. Pois há bloqueio da paisagem, perda de insolação, sufocamento de residências. Embora exista Plano Diretor, é fácil deixar de observá-lo. Cita-se como exemplo o Figueira Altos do Tatuapé, que tem cento e sessenta e oito meros de altura e não poderia estar no miolo do bairro, onde a altura máxima é de vinte e oito metros.

Oásis como os Jardins, a City Lapa, o Morumbi, vão perdendo espaço, conquistado pelos edifícios. Jardim Europa e Jardim América prensados por grandes prédios que vão chegando e derrubando mansões. Pior ainda, derrubando árvores, pois a regra é conservar o mínimo de verde.

O fenômeno da gentrificação vai expulsando o pobre para uma periferia cada vez mais distante, enquanto surgem prédios de alto padrão em bairros tradicionais, que abrigavam a extinta classe média.

A especulação imobiliária consegue driblar bem o embate entre “nimbys” e “yimbis”, abreviação de “not in my backyard”, ou não no meu quintal e “yes, in my backyard”, sim no meu quintal. São os movimentos contra e a favor da verticalização, que parece irreversível.

O triste é verificar que sobem os andares e ao redor não se reserva uma área verde compensatória. São Paulo é cinza, não é verde. Não vejo um plantio constante de novas espécies. Ao contrário: assisto, contristado, à motosserra com seu ronco fúnebre todas as manhãs.

Cada vez que se volta a São Paulo de uma viagem, é-se obrigado a permanecer nas alturas, à espera de que Congonhas autorize o pouso. É triste constatar que a Zona Leste é imensa mancha cinzenta.

O Prefeito Bruno Covas prometera plantar uma árvore para cada vítima da COVID. Não vejo sequer menção a essa promessa. Muito menos a intenção de cumpri-la.

Há alguns anos, cheguei a sentir um tremor enquanto dormia. Imagino o que seria um terremoto em São Paulo. Nada impossível de acontecer, Deus nos guarde!

A sanha demolitória também prossegue, implacável. Os bairros vão perdendo sua personalidade. A paranoia da violência, o medo da criminalidade, vai fazendo com que as pessoas se afastem dos espaços que deveriam ser para o convívio amistoso.

Há muitos seres que vivem trancados em seus apartamentos. Os jovens, dependentes das redes sociais, podem apresentar sintomas patológicos. Sem falar que o condomínio é uma concentração de solidões. A incivilidade chega ao ponto de se entrar no elevador e não se dizer um “bom dia”. Agora menos, pois o pavor da contaminação por Covid faz com que as viagens sejam exclusivas. Sobe-se solitariamente até o seu andar. Quanto menos se encontrar com outras pessoas, melhor.

Os Romanos tinham razão quando diziam: “Condominium, mater rixarum est” ou, o condomínio é a mãe de todas as rixas. O Fórum tem uma crônica permanente das encrencas geradas no âmbito desse espaço que se procurou, foi adquirido com sacrifício e que depois se converterá num transtorno.

Isso não impede que São Paulo – e todas as demais cidades – continuem a crescer para o alto. Adeus pomares, hortas e jardins. É a civilização, o progresso, a civilização que chegou com os seus paradoxos.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022