É moderadamente positivo o saldo dos Jogos Olímpicos de Tóquio, tanto para o Brasil em particular quanto para o evento como um todo.
A delegação brasileira estabeleceu um novo recorde de medalhas, 21, superando em duas a marca estabelecida em casa, na Rio-2016, e conquistou sete ouros, o mesmo de cinco anos atrás. Importante notar que esse aumento no número de pódios acompanha o crescimento de 11% do número de medalhas em disputa.
Existe aí um feito raro. Até então, apenas um país-sede de Jogos, a Grã Bretanha, havia conseguido mais medalhas na edição seguinte do que no evento em seu território.
Em relação à posição no quadro geral, o Brasil avançou uma colocação, de 13⁰ para 12⁰, tanto no número de ouros quanto no de pódios. O país se manteve em um pelotão que duas décadas atrás figurava distante. Para o futuro, continua o desafio de ingressar no grupo dos dez primeiros, meta que havia sido estabelecida na Rio-2016.
Tal resultado não se obteve sem investimento, notadamente de fonte pública. O gasto com bolsas a atletas, para usar um exemplo direto, subiu 36% em termos reais do início para o fim da década passada, chegando a R$ 112 milhões em 2020. Isso num período em que as despesas discricionárias do governo federal caíram 31%.
O desembolso público total no último ciclo olímpico foi de R$ 2,9 bilhões, segundo levantamento da Universidade de Brasília. Montante inferior ao período anterior aos Jogos realizados no Brasil, como seria natural, mas superior ao que antecedeu Londres-2012.
Para o esporte brasileiro, o objetivo agora deve ser evoluir sem aumentar a dependência que mantém em relação ao setor público. Com perspectivas orçamentárias nada animadoras para o governo, diversificar as fontes de financiamento, atraindo mais atenção do setor privado, será crucial para a evolução olímpica do país.
Do ponto de vista da organização dos Jogos, ficará registrada uma edição em condições inauditas, decorrência da pandemia que já levara ao adiamento de um ano.
A mudança de maior impacto foi a ausência de público na maior parte dos eventos. Levar adiante a empreitada envolvia evidente risco sanitário; pelo que se sabe até o momento, os organizadores foram bem-sucedidos nesse quesito.
O Comitê Olímpico Internacional mostrou ainda capacidade de renovar a competição, incluindo esportes de apelo a público mais jovem, como o skate e o surfe.
No meio de uma crise global de saúde que já matou mais de 4 milhões de pessoas, Tóquio deixa um legado de esperança ao demonstrar que alguma normalidade começa a ser viável. Não é pouca coisa.
Gretchen Reynolds, The New York Times - Life/Style, O Estado de S.Paulo
09 de agosto de 2021 | 05h00
Exercitar-se pode refrescar e renovar a substância branca em nossos cérebros, melhorando potencialmente nossa capacidade de pensar e de memória conforme envelhecemos, de acordo com um novo estudo sobre caminhada, dança e saúde cerebral. A pesquisa mostra que a substância branca, que conecta e sustenta as células em nossos cérebros, remodela a si mesma quando as pessoas se tornam mais ativas fisicamente. Por outro lado, entre aqueles que permanecem sedentários, a substância branca tende a se desgastar e encolher.
As descobertas destacam o dinamismo de nossos cérebros e como eles se transformam constantemente - para o bem e para o mal - em resposta a como vivemos e nos movimentamos.
A noção de que cérebros adultos podem ser maleáveis é uma descoberta razoavelmente recente, em termos científicos. Até o final da década de 90, a maioria dos pesquisadores acreditava que os cérebros humanos eram fisicamente fixos e inflexíveis depois da primeira infância. Acreditava-se que nascíamos com a maioria das células cerebrais que teríamos durante a vida e que não poderíamos produzir outras mais. Nesse cenário, a estrutura e a função de nossos cérebros só diminuiriam com a idade.
Mas a ciência avançou, felizmente, e revisou aquela previsão tenebrosa. Estudos complexos usando corantes especializados para identificar células recém-nascidas indicaram que algumas partes de nossos cérebros criam neurônios na idade adulta, um processo conhecido como neurogênese. Estudos de acompanhamento comprovaram que o exercício aumenta a neurogênese. Quando os roedores correm, por exemplo, eles produzem três ou quatro vezes mais células cerebrais novas do que os animais inativos, enquanto nas pessoas, começar um programa de exercícios regulares leva a um maior volume cerebral. Em suma, esta pesquisa mostra que nossos cérebros conservam a plasticidade ao longo da vida, mudando conforme mudamos, inclusive em resposta à forma como nos exercitamos.
No entanto, aqueles estudos anteriores em relação à plasticidade do cérebro geralmente se concentravam na matéria cinzenta, que contém as famosas pequenas células cinzentas, ou neurônios, que permitem e criam pensamentos e memórias. Menos pesquisas têm examinado a substância branca, a "fiação" do cérebro. Composta principalmente por fibras nervosas envoltas em gordura conhecidas como axônios, a substância branca conecta os neurônios e é essencial para a saúde do cérebro. Mas pode ser frágil, escassa e desenvolver pequenas lesões à medida que envelhecemos; degradações que podem ser precursoras do declínio cognitivo. De forma preocupante, ela também tem sido considerada relativamente estática, com pouca plasticidade ou capacidade de se adaptar muito conforme nossas vidas mudam.
Mas Agnieszka Burzynska, professora de neurociência e desenvolvimento humano na Universidade do Estado do Colorado em Fort Collins, suspeitou que a ciência estava subestimando a substância branca. “Ela tem sido como a meia-irmã feia e negligenciada” da matéria cinzenta, ignorada e julgada mal, disse. Agnieszka considerou provável que a substância branca possuísse tanta plasticidade quanto sua equivalente cinzenta e pudesse remodelar a si mesma, principalmente se as pessoas começassem a se movimentar.
Então, para o novo estudo, que foi publicado on-line em junho na revista acadêmica NeuroImage, ela e a estudante de pós-graduação Andrea Mendez Colmenares e outros colegas começaram a analisar a substância branca das pessoas. Eles deram início ao estudo reunindo quase 250 homens e mulheres mais velhos que eram sedentários, mas saudáveis. No laboratório, testaram o condicionamento aeróbico e as habilidades cognitivas atuais desses voluntários e também avaliaram a saúde e o funcionamento da substância branca deles, usando uma forma sofisticada de ressonância magnética para examinar o cérebro.
Em seguida, eles dividiram os voluntários em grupos, um dos quais começou um programa supervisionado de alongamento e treinamento de equilíbrio três vezes por semana, para servir de controle ativo. Outro grupo começou a caminhar em grupo três vezes por semana, rapidamente, por cerca de 40 minutos. E o último grupo começou a dançar, reunindo-se três vezes por semana para aprender e praticar coreografias em conjunto. Todos os grupos se exercitaram por seis meses e depois voltaram ao laboratório para repetir os exames do início do estudo.
E, para muitos, seus corpos e cérebros tinham mudado, descobriram os cientistas. Aqueles que caminharam e praticaram dança estavam com melhor condicionamento aeróbico, como esperado. Ainda mais importante, sua matéria branca parecia renovada. Nos novos exames, as fibras nervosas em certas partes do cérebro deles pareciam maiores e qualquer lesão de tecido havia encolhido. Essas alterações desejáveis foram mais prevalentes entre os que caminharam, que também tiveram melhor desempenho nos testes de memória dessa vez. Isso não aconteceu com os dançarinos, de modo geral.
Enquanto isso, aqueles do grupo de controle, que não haviam praticado exercícios aeróbicos, mostraram declínio na saúde da substância branca após os seis meses, com maior afinamento e desgaste de seus axônios e queda nos resultados cognitivos.
Para aqueles que praticam exercícios, essas descobertas “são muito promissoras”, diz Agnieszka. Elas nos dizem que a substância branca permanece plástica e ativa, seja qual for a nossa idade; e algumas caminhadas rápidas por semana podem ser suficientes, disse ela, para polir o tecido e diminuir ou prevenir o declínio da memória.
Claro, as mudanças cerebrais foram sutis e um tanto inconsistentes. Agnieszka e seus colegas esperavam, por exemplo, que dançar produziria mais substância branca e melhorias cognitivas do que caminhar, afirmou, uma vez que dançar envolve mais aprendizado e prática. Mas caminhar foi mais potente, sugerindo que o exercício aeróbico, por si só, é mais importante para a saúde da substância branca. “Os dançarinos passavam parte de seu tempo em cada sessão observando os instrutores e sem se movimentar muito”, disse Agnieszka. “Isso provavelmente afetou seus resultados.”
Os participantes do estudo também tinham mais de 60 anos, eram sedentários e praticaram atividade física por apenas seis meses. Ainda não está claro se os cérebros de pessoas mais jovens e com melhor condicionamento também se beneficiariam ou se exercícios aeróbicos no longo prazo poderiam levar a melhorias maiores na memória e no pensamento. Mas, por ora, diz Agnieszka, os resultados oferecem “um forte argumento para nos levantarmos e nos movimentarmos” pelo bem de nossa substância branca. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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Passei a semana em Brasília, cobrindo as visitas do presidente de Portugal, da Conferência da ONU sobre Mudança Climática e do conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Nos três casos, a Amazônia esteve no topo da agenda: dela dependem o comércio com a Europa, o cumprimento dos compromissos do Brasil na COP26 e a estratégia de segurança nacional atualizada no governo Joe Biden, que envolve conter o aquecimento global.
Com o aumento da pressão internacional, a política ambiental no Brasil corre o risco de cair na armadilha que aprisiona o comércio exterior há décadas: o país resiste a fazer algo que seria bom para ele, como preservar a Amazônia ou dar um choque de competitividade na indústria baixando as tarifas, sob o pretexto de que precisa receber contrapartidas de outras nações. Como elas também sofrem resistências internas, os avanços no Brasil não se materializam, para alegria dos grupos de interesse.
Mas as pressões podem estar surtindo efeito. O presidente Jair Bolsonaro deu sinal verde para a punição dos infratores na Amazônia. Como prometeu na Cúpula do Clima em abril, Bolsonaro mais que dobrou as verbas para fiscalização, de R$ 228 milhões para R$ 498 milhões. Estão sendo contratados 700 fiscais. Eram cerca de 200 em campo. Há quase uma década não havia concursos.
O efetivo é reforçado por 500 a 700 policiais da Força Nacional. O Exército apoia as operações. Essa presença externa é importante porque os policiais militares dos Estados amazônicos estão sujeitos às pressões de políticos locais mancomunados com os criminosos.
O equipamento de detecção de desmatamentos e queimadas foi aprimorado. Antes, as imagens de satélite tinham precisão de 6 metros quadrados e voltavam ao mesmo ponto a cada 54 horas. Agora, esses números são 1 m² e 24 horas. O novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, vai à Amazônia quase toda semana, acompanhar a fiscalização. Os resultados começam a aparecer. Depois de aumentos recordes em março e abril, houve redução de 10% no desmatamento e de 27% nas queimadas em julho, ante o mesmo período do ano passado.
O Ministério da Ciência e Tecnologia reviu para cima as emissões de gás carbônico em 2005 — nas quais estão baseadas as metas brasileiras — de 2,1 bilhões para 2,8 bilhões de toneladas. Por isso, os países desenvolvidos pressionam o Brasil a elevar o porcentual de suas metas, caso contrário, o país poderá emitir mais do que antes. O cálculo é de que, para manter a mesma redução de emissões em termos absolutos, a meta para 2030 deveria subir de 43% para 50%.
O governo brasileiro contra-argumenta que a revisão é feita a cada quatro anos, e numa próxima, as emissões poderiam ser recalculadas para baixo. Como os compromissos são cristalizados em acordo multilateral, ele não poderia depois rever a meta para baixo.
O governo brasileiro não quer fazer mais concessões, enquanto não forem colocados em prática os dois mecanismos financeiros incluídos no Acordo de Paris, em 2015: a Remuneração por Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e o pagamento de US$ 100 bilhões ao ano pela captura do carbono.
O ministro do Meio Ambiente argumenta que a métrica usada no Brasil não contabiliza o carbono fixado na pastagem e na planta de soja, por exemplo. Mas reconhece que o Brasil está vulnerável, por causa do aumento do desmatamento da Amazônia desde 2012. O Brasil deve atender a outra demanda reiterada pelos três visitantes dessa semana em Brasília: um plano detalhado de como cumprirá os compromissos que Bolsonaro firmou em abril.
Assim, o Brasil parece estar retomando uma tarefa de casa que não deveria ter jamais abandonado. À medida que os resultados apareçam, e as recompensas internas e externas, também, vamos torcer para que esse processo entre num círculo virtuoso.
*É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS