domingo, 16 de agosto de 2020

FLAVIO GOLDBERG A missão do 'turco', FSP

 Flavio Goldberg

Advogado e mestre em direito

No folclore brasileiro, principalmente entre os mais humildes, o imigrante sírio-libanês sempre foi identificado como o "mascate", o prestamista, o facilitador a crédito da dívida, o simpático "turco da prestação".

Jorge Amado eternizou esse personagem que habita as fábulas de nossa imaginação; o sedutor de fala mansa, gente boa que vende a fiado. Ora, pois o ex-presidente Michel Temer enfrenta esse "papel" no sociodrama, despido das encrencas de sua trajetória ou dos contratempos que a realidade impõe.

O ex-presidente Michel Temer durante embarque da comitiva brasileira que fará missão ao Líbano
O ex-presidente Michel Temer durante embarque da comitiva brasileira que fará missão ao Líbano - Eduardo Anizelli - 12.ago.20/Folhapress

No jeitinho surreal de nossa linguagem, fica como "turco" aquele que, do Oriente Médio, trouxe a nostalgia e a fidalguia da ternura.

Acompanhei do começo ao fim a viagem de Michel Temer, professor de direito constitucional, a uma palestra realizada em Oxford, na Inglaterra, a convite da Oxford Union —célebre por ter sido palco, entre outros pronunciamentos, de Winston Churchill e Martin Luther King.

Dadas as circunstâncias políticas e mesmo jurídicas, Temer se apresentou com um exercício dialógico democrático. Foram dias intensos de reflexões e contatos que me possibilitaram, independentemente de qualquer juízo partidário, testemunhar o seu caráter de tom conciliatório e viés harmônico.

Agora, com a trágica explosão ocorrida no porto de Beirute —agudizando a crise econômica e social do país, já assolado pelos efeitos da pandemia—, uma extraordinária cartada do destino jogou nas mãos do poeta de Tatuí (SP) a responsabilidade de representar a solidariedade brasileira na triste configuração.

Convidado pelo presidente Jair Bolsonaro, Temer, naturalmente, não pode se limitar a chefiar uma missão por si só já tão generosa e humanitária de socorro material.

O Brasil, na formação de nossa identidade nacional, sempre contou com a imigração de centenas de milhares de libaneses, que, com seus filhos e netos —incluindo a própria família do ex-presidente—, é reconhecidamente uma das comunidades mais bem integradas e sofisticadas do país.

Neste e em muitos aspectos, essa missão de solidariedade é mais uma dádiva fraterna e afetiva do que meramente um ato político ou de interesse geoestratégico.

Na ancestralidade do seu psiquismo, Temer vai como o outro que, em outro momento e em outra realidade, foi capaz de tocar a profunda sensibilidade libanesa e unir o país no pranto e na esperança —refiro-me a um poeta que, aliás, influenciou alguns de nossos melhores escritores: Khalil Gibran. Ao pedir para ser enterrado no seu país natal, emocionou todo o mundo.

A tarefa é complexa, o desafio é imenso, mas cabe a cada um de nós, de todas as origens, nesta terra de miscigenação, torcer no sentido de que a missão brasileira seja capaz de um milagre a mais: a pacificação dos conflitos que dilaceram o Líbano.

Numa crise planetária de dor e sofrimento, que já custou ao Brasil mais de 100 mil mortos, uma guerra sem fronteiras, em que a covardia da natureza e o desencontro das inteligências se somam, eis uma oportunidade exemplar para cicatrizar as memórias do horror.

O mapa-múndi hoje está manchado de sangue —que seja irrigado na compaixão pela alteridade, o encontro no outro do nosso próximo.

Ruy Castro A vez dos astros, FSP

 

Assim como as atrizes, há muitos atores também a caminho do centenário

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Domingo último, aproveitei a perda recente de Olivia de Havilland, aos 104 anos, para discutir a velha mania da imprensa de chamar de “fim de uma era” a morte de toda estrela do cinema do passado. Para provar que as eras não têm fim, fiz uma lista de atrizes daquele tempo que continuam entre nós. Leitores se empolgaram e me cobraram uma lista equivalente, só que com os homens. É fácil.

É verdade que, há pouco, perdemos Kirk Douglas, aos 103 anos. Mas, para que não se diga que a imortalidade só contempla as moças, eis alguns dos rapazes do cinema e da música que seguem na praça.

Hugh O’Brien (o “Wyatt Earp” da televisão), aos 95; Mel Brooks e Tony Bennett, 94; Sidney Poitier e Harry Belafonte, 93; Don Murray (galã de Marilyn Monroe em “Nunca Fui Santa”), 91; Christopher Plummer (o Von Trapp de “A Noviça Rebelde”), Robert Wagner (mais famoso como marido de Natalie Wood, lembra-se?), Clint Eastwood, Gene Hackman e Stephen Sondheim, todos, 90. E prepare-se para os também 90 de Sean Connery no próximo dia 25.

Entre os caçulas, Jean-Louis Trintignant (de “Um Homem e uma Mulher”) e Robert Duvall (de “Apocalipse”), 89; Joel Grey (de “Cabaré”), 88; Jean-Paul Belmondo (de “Acossado”), Michael Caine e o maestro Quincy Jones, 87; Roman Polanski e o cantor Pat (“Bernardine”) Boone, 86; Woody Allen e Alain Delon, 84; Robert Redford e Warren Beatty, 83. E outros que ficam no berçário.

Mas meu favorito é Norman Lloyd, coadjuvante quase obscuro, mas imortal entre os fãs de Hitchcock. É o vilão nazista que despenca da Estátua da Liberdade em “Sabotador” (1942). O herói, Bob Cummings, tenta segurá-lo pela manga do casaco, mas as costuras se desfazem e ele cai lá de cima. Depois, Lloyd tornou-se frequente colaborador de Hitch, inclusive em sua série de TV. Pois está com 106 anos e, pelo menos até 2015, na ativa. E só porque passou a ter bons alfaiates.