sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Custosa mobilidade, FSP



O tráfego intenso e os longos deslocamentos necessários em diversas cidades brasileiras tomam, além de tempo, cada vez mais recursos dos usuários e da sociedade.
Estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) estimou os custos socioeconômicos da mobilidade urbana em nada menos de R$ 483,3 bilhões anuais, como mostrou o 3º Seminário de Mobilidade e Inovação organizado por esta Folha. O valor é 7% maior que o do levantamento anterior.
Entre os aspectos considerados estão os gastos individuais de usuários de transporte e de empregadores, os recursos do poder público para manter o sistema em funcionamento e os impactos sociais da movimentação dos habitantes, como os de emissão de poluentes e acidentes de trânsito.
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No plano individual, o ônus do transporte também vem aumentando. Na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 do IBGE, as despesas dos brasileiros com transporte superaram pela primeira vez as destinadas à alimentação —estas somam 17,5% do gasto doméstico, e aquelas, 18,1%. Carros e motos são os itens que mais pesam nessa balança, embora respondam por apenas um terço das viagens.
Além de custar mais e beneficiar uma parcela menor da população, o transporte individual consome quase o dobro de energia e polui duas vezes mais que o público.
Para evitar o agravamento de uma situação já dramática, governantes, em particular os das metrópoles, devem promover políticas de desincentivo ao uso de carros. 
Uma alternativa é a criação de pedágios urbanos, a restringir a circulação de veículos em determinadas áreas, como já se fez em cidades como Singapura, Estocolmo, Milão e Londres. Nova York entrará nesse rol até o fim de 2020.
Com os recursos angariados pela cobrança, municípios poderiam investir mais em seus sistemas de transporte público —opção para aqueles que não desejam tirar seus automóveis da garagem. 
Ações do gênero, reconheça-se, são politicamente difíceis, sobretudo num país que historicamente privilegiou o transporte individual.
Não se trata, contudo, de dificuldade intransponível. Pesquisa recente do Instituto Ipsos mostrou que 30% dos paulistanos proprietários de carro aceitariam abrir mão do veículo em favor de outro meio de transporte. Há boa margem, pois, para o avanço dessa agenda.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Projeto prevê distribuição de absorventes em SP; no Rio, jovens doam na rua... - FSP

Luiza Souto
De Universa
07/11/2019 04h00

Mulheres carentes, presas ou em situação de rua, além de estudantes de escolas públicas de São Paulo, podem ter acesso gratuito a absorventes íntimos. Um projeto de lei apresentado em outubro na Assembleia Legislativa de São Paulo, intitulado Menstruação Sem Tabu, visa distribuir o produto de higiene, além da conscientizar acerca da saúde da mulher e dos cuidados básicos que devem acompanhar a menstruação.
O projeto, que ainda está em análise na Assembleia, conseguiu reunir deputadas de diferentes correntes políticas e foi assinado por Janaina Paschoal (PSL), Leci Brandão (PcdoB), Beth Sahão (PT), Edna Macedo (Republicanos) e Delegada Graciela (PL). Segundo o texto, as escolas receberiam palestras e cursos para falar sobre o tema. A Universa, a Delegada Graciela destaca dois objetivos principais: a quebra do tabu em torno da menstruação e a dificuldade ao acesso aos absorventes, principalmente por motivação financeira.
"Este projeto vai ao encontro à quebra dos tabus e à criação de uma política pública efetiva no tocante ao atendimento social de milhares de mulheres e jovens por todo Estado de São Paulo", a deputada afirma.
Em setembro último, no Quênia, uma jovem de 14 anos cometeu suicídio em setembro depois de supostamente ser envergonhada pela professora por ter sangue de menstruação vazado na roupa. De acordo com o jornal local The Daily Nation, Jackline Chepngeno teria sido expulsa da sala de aula quando menstruou pela primeira vez.
Uma pesquisa publicada em junho na revista científica BMJ Open, feita com 32.748 holandesas entre 15 e 45 anos, verificou que 14% das entrevistadas tiveram de se ausentar do trabalho ou da escola durante o período menstrual. E 3,5% delas relataram ter o problema em todos ou quase todos os ciclos menstruais.
Se a proposta for aprovada, o absorvente seria incluído nas cestas básicas no Estado de São Paulo e distribuído nas escolas estaduais, e ainda em unidades de internação para jovens infratoras, às adolescentes sob regime de semiliberdade ou de internação, em presídios, abrigos e a mulheres em situação de rua.
O projeto está hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), sob análise da deputada Marina Helou (Rede). Ele ainda deve passar pelas comissões de Defesa e Direitos das Mulheres e de Finanças, Orçamento e Planejamento, antes de ir a plenário para votação.

No Rio, projeto parecido virou lei

A Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro aprovou, em junho último, lei que prevê a distribuição gratuita de absorventes nas escolas da rede municipal. De acordo com o texto, do vereador Leonel Brizola Neto (PSOL), a distribuição dos absorventes higiênicos se dará por meio de máquinas de reposição, instaladas nos banheiros das escolas. Procurada, a secretaria de Educação da cidade não informou se as máquinas já estão sendo instaladas.
Enquanto isso, a geógrafa Carolina Chiarello de Andrade, 25, e a estudante Talita da Silva Soares, 22, já estão fazendo a sua parte desde dezembro de 2018, quando criaram o projeto Tô de Chico. Desde então, elas coletam doações de absorventes, calcinhas e sutiãs e distribuem os artigos mensalmente para mulheres que vivem nas ruas do centro e da zona sul do Rio e também na cidade de Niterói.
Talita (esq) e Carolina coletam e distribuem absorventes nas ruas do Rio - Arquivo pessoal
Talita (esq) e Carolina coletam e distribuem absorventes nas ruas do Rio
Imagem: Arquivo pessoal
A dupla recebe o material de doadores e, uma vez por mês, vai andando pelas ruas e entregando a mulheres em situação de rua. E se surpreende a cada ação, conforme conta Talita:
"Muitas vezes, as mulheres nos mostram como se viram nesse período, como usar dois shorts. Ter calcinha, absorvente ou sutiã é uma coisa banal para quem pode pagar e, muitas vezes, não enxergamos o valor disso para mulheres que não têm como comprar. Ter uma calcinha, um absorvente e um sutiã é questão de higiene e também de dignidade e autoestima".
Quem quiser colaborar, ela explica, deve mandar mensagem para o instagram @eutodechico.

Brasil cede aos EUA, rompe tradição de 27 anos e não condena embargo a Cuba, FSP

SÃO PAULO
Pela primeira vez em 27 anos, o Brasil cedeu às pressões dos EUA e votou contra a resolução anual da ONU que condena o embargo econômico americano a Cuba. Apenas Israel e Estados Unidos votaram da mesma maneira que o Brasil.
Nas últimas semanas, o governo americano, por meio da divisão de Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, pediu duas vezes que o Itamaraty mudasse seu posicionamento histórico de rechaço a medidas econômicas unilaterais e se alinhasse aos EUA na votação.
Os americanos argumentaram que, ao condenar o embargo contra Cuba, o Brasil passaria a mensagem de que o país caribenho pode continuar interferindo impunemente na Venezuela e que o governo brasileiro tolera as violações de direitos humanos da ditadura cubana.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York - Johannes Eisele - 24.set.19/AFP
Segundo os americanos, venezuelanos e cubanos já obtiveram uma vitória com a eleição da Venezuela para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outubro, e o voto do Brasil seria outro trunfo internacional para o regime hoje liderado por Miguel Díaz-Canel.
O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, cedeu às pressões americanas, apesar de grande resistência do atual embaixador do Brasil na ONU, Mauro Vieira.
Mesmo países que têm relação muito próxima aos EUA e dependem pesadamente de ajuda econômica americana resistiram às pressões de Washington. A Colômbia e a Ucrânia, por exemplo, abstiveram-se na votação.
A Guatemala, único país a acompanhar os EUA e transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, votou a favor.
No total, foram três votos contra a resolução, duas abstenções e 187 votos a favor do texto que condena o embargo americano imposto há 50 anos, no início da revolução promovida por Fidel Castro. A Moldova não votou.
O voto brasileiro contraria o posicionamento histórico do Itamaraty de condenar medidas unilaterais econômicas contra países, vetadas pela legislação internacional e pela ONU.

Em telegramas nos últimos meses, o embaixador Mauro Vieira tentou argumentar que um voto a favor da resolução não representaria um sinal de apoio à política de direitos humanos da ditadura cubana, mas sim uma posição tradicional do governo brasileiro em relação à ingerência em outros países.
Também defendeu que um voto contrário não seria visto apenas como um gesto contra o país, mas um posicionamento contra o princípio de não interferência, o que desagradaria todos os países sujeitos a essas medidas.
Vieira ainda defendeu que um voto como esse poderia prejudicar os interesses brasileiros —por exemplo, no caso da possibilidade de sanções econômicas contra o Brasil devido à política ambiental na Amazônia.
Assim, o governo Bolsonaro teria dificuldade em angariar apoio de países contra esse tipo de interferência.
Ao responder as argumentações de Vieira, as mensagens do gabinete do chanceler Ernesto Araújo eram sempre secas, afirmando apenas que o governo brasileiro manterá a instrução previamente passada.
Vieira teria argumentado que, caso o Brasil quisesse mandar um sinal ao regime cubano, poderia pedir a palavra durante o voto na sessão e fazer uma declaração, deixando claro que o gesto não é um apoio a violações de direitos humanos em Cuba.
Por fim, o embaixador sugeriu que o Brasil se abstivesse em vez de votar contra a resolução, porque não seria um movimento tão grave nem isolaria o país. De novo, foi ignorado.
"Sanções indiscriminadas como embargos afetam negativamente a população em geral e, por isso, são consideradas já há anos uma medida inadequada”, diz Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
“A mudança de voto também preocupa por ser mais um exemplo do alinhamento automático do Brasil com a política externa americana sem que tais mudanças dramáticas sejam devidamente debatidas no Brasil, como junto ao Congresso Nacional."
O governo brasileiro vem se alinhando sistematicamente a interesses americanos. O país abriu mão do tratamento especial e diferenciado na OMC (Organização Mundial do Comércio) a pedido dos Estados Unidos, que querem modificar o mecanismo para não beneficiar a China em negociações comerciais.
Bolsonaro chegou a anunciar a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, mas acabou recuando e abrindo apenas um escritório comercial, diante de ameaças de países árabes, grandes importadores de carnes brasileiras.
O Brasil ampliou e renovou neste ano cotas sem tarifa para importação de etanol e trigo, reivindicações americanas. Por outro lado, frustrando expectativas, os EUA não removeram as barreiras sanitárias que impedem a importação de carne bovina in natura nem anunciaram modificações na proteção do açúcar americano, outro pedido brasileiro.
O apoio dos EUA à entrada do Brasil na OCDE, o clube dos países ricos, prometido pelo presidente Donald Trump em março, tampouco se materializou. O governo de Bolsonaro vê a entrada no órgão como um selo de qualidade de políticas macroeconômicas.
Recentemente, em carta à organização, Washington reiterou o apoio às candidaturas de Argentina e Romênia na OCDE, mas se opuseram a uma ampliação maior no número de membros do órgão, o que, na prática, solapa as ambições brasileiras.
O governo Trump vinha se opondo à ampliação da OCDE, dando a entender que a entrada muito rápida de novos membros desvirtuaria a organização, que ficaria inchada e sem propósito —além da ojeriza natural da atual gestão da Casa Branca a instituições multilaterais.