quinta-feira, 22 de março de 2012

O desafio de retomar os investimentos


Coluna Econômica - 22/03/2012
Hoje a presidente Dilma Rousseff reunirá 15 dos maiores empresários brasileiros para estimulá-los a investir mais no Brasil. Constatou-se que os grandes grupos estão com o caixa cheio e com alguma indecisão ainda em retomar investimentos graúdos. A intenção da presidente é estimular o chamado “espírito animal” do empresário.
Para deflagrar uma nova onda de investimento privado, no entanto, é importante entender melhor a dinâmica do desenvolvimento.
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O primeiro e mais relevante passo é a criação de um mercado interno robusto. Já se tem, tanto no mercado de consumo de massa quanto no que se convencionou chamar de “gargalos” – que nada mais são do que pontos de demanda não atendida.
Além disso, o pré-sal criará uma demanda adicional incalculável para os setores de máquinas e equipamentos, naval, de mobiliário etc.
Tendo-se a demanda, o passo seguinte é viabilizar a produção. Para tanto, há que se ter duas condições especiais: capital para financiar o investimento e condições de competitividade em relação ao produto importado.
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A primeira condição será alcançada com a mera redução da taxa Selic. A única influência da taxa é nas decisões de investimento. Baixando a Selic, os fundos de pensão, fundos de investimento, as próprias grandes companhias, terão que sair do conforto da renda fixa para a renda variável.
Hoje em dia já se tem um mercado de capitais bastante sofisticado para promover essa reciclagem da poupança.
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Resta o último grande desafio: a competitividade do parque industrial brasileiro.
Há duas maneiras de tornar o produto brasileiro competitivo: qualidade (mais inovação tecnológica) e preço.
Há uma lógica nos modelos cambiais: quando a economia é pouco competitiva, compensa-se com câmbio fraco, moeda desvalorizada. Isso faz com que se consiga competir nos mercados globais com preços baratos. Depois, à medida que as empresas vão ampliando as vendas, ganham fôlego para investir em pesquisa, inovação, novos produtos.
Todo grande modelo de desenvolvimento mundial – Inglaterra, Japão, Itália e Alemanha no pós-guerra, Coreia, China – percorreu esse caminho. A lógica é simples: só depois de ampliar as vendas externas, ganhar dimensão, ter escala, mercado, a empresa conseguirá fôlego para investir em pesquisa e inovação.
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Há outros fatores relevantes na definição de preço: o chamado custo Brasil. Entram nessa equação a estrutura de juros, o peso dos impostos, a infraestrutura, a burocracia pública. Quanto menos se avançar nesses itens, maior será o peso do câmbio.
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Na entrevista que me concedeu, algumas semanas atrás, a presidente Dilma Rousseff enfatizou que seu grande desafio será a consolidação do parque industrial brasileiro.
Por enquanto, a Fazenda tem avançado apenas em questões pontuais de defesa comercial ou desoneração tributária de um ou outro setor.
Trata-se de um anacronismo – em termos de política industrial. E, nesse ponto, os mercadistas têm razão: em vez da proteção de um ou outro setor, como que querendo tapar os furos de uma peneira, há que se avançar em soluções sistêmicas, que abranjam toda a economia brasileira.

terça-feira, 20 de março de 2012

Contardo Calligaris - Micróbios dominadores


Os micróbios que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento 


Em 2010, nos "Annals of Epidemiology" (http://migre.me/8ftEa), li uma pesquisa que achei inquietante: ela confirmava uma dúvida que me assombrara por um bom tempo, a partir dos meus oito anos. 
Com essa idade, aprendi que, mesmo sem estarmos doentes, somos habitados por bactérias, vírus, parasitas e fungos, que prosperam dentro de nosso organismo.

E me interroguei: esses micróbios, além de fazerem (eventualmente) com que a gente adoeça, não estariam dentro de nós como pilotos numa imensa espaçonave? Apesar de acreditarmos em nossa autonomia, quem sabe eles não estejam, de fato, no volante de nossa vida?

Justamente, os autores da pesquisa, Chris Reiber, J. Moore e outros, queriam saber se um vírus pode mandar em nós -não só alterar nosso humor, mas realmente influenciar nosso comportamento. 
Eles descobriram que os infectados pelo vírus da gripe, durante o período da incubação (em que são contagiosos, mas não apresentam sintomas), tornam-se especialmente sociáveis. Em outras palavras, os infectados parecem agir no interesse do vírus, que é o de contagiar o máximo possível.

Claro, não é que os micróbios se sirvam da gente para levar a cabo um "plano" maquiavélico. Mas se entende, com Darwin, que um vírus que nos torne sociáveis durante a incubação só pode se dar bem na seleção natural, pois ele se espalhará facilmente. Ou seja, os micróbios mais eficientes seriam os que conseguem nos usar em seu interesse próprio, os que nos transformam em seus súcubos. 
O que sobraria de nossa "autonomia" se todos os micróbios enquistados no nosso organismo influenciassem (silenciosamente) nossos pensamento e comportamento?

Kathleen McAuliffe, na "The Atlantic" de março (http://migre.me/8fwvb), conta a história de Jaroslav Flegr, um cientista que, há 20 anos, pretende que um parasita, o Toxoplasma gondii, manipule e transforme os que ele infecta.

O hospedeiro definitivo do Toxoplasma gondii é o gato, em cujo corpo o parasita se reproduz sexualmente. Seu hospedeiro intermediário típico é o rato, que se infecta ao ingerir o Toxoplasma (direta ou indiretamente) nas fezes do gato e, logo, ao ser comido por um felino, leva o parasita de volta para seu hospedeiro definitivo.

Agora, o Toxoplasma pode infectar qualquer mamífero, enquistando-se no tecido muscular e no cérebro. Nos humanos, ele é presente em 55% dos franceses (comedores de carne crua -claro, de boi infectado) e em 10 a 20% dos norte-americanos. Em tese, pouco importa, pois o Toxoplasma só seria perigoso na gravidez, quando produz malformações fetais. Mas será que esse é seu único efeito?

Há mais de uma década, descobriu-se que o Toxoplasma altera o comportamento dos ratos infectados, tornando-os atrevidos e fãs do cheiro da urina de gato (de que normalmente eles fugiriam). Ou seja, o Toxoplasma transforma o rato numa presa mais fácil para o gato, no estômago do qual o parasita quer acabar sua viagem.

Outra surpresa. Nos ratos (e só neles), o parasita pode ser transmitido por via sexual; ora, verifica-se que os ratos machos infectados são inexplicavelmente mais desejáveis aos olhos das fêmeas. 
Um parasita capaz de influenciar o cérebro do rato, seu hospedeiro intermediário preferido, não teria efeito algum quando se instala no nosso cérebro?

Para começar, o Toxoplasma parece produzir em nós alguns efeitos parecidos com os que ele produz nos ratos: por exemplo, muitos humanos infectados passam a achar agradável o cheiro da urina de gato. Nada dramático: a gente é raramente comido por gatos (mas resta a pergunta: se você adora gatos, é porque gosta mesmo ou porque carrega o Toxoplasma gondii no seu cérebro?).

Há mais: a presença do Toxoplasma gondii no cérebro alavanca a produção de dopamina, um neurotransmissor cujo excesso é um dos fatores no conjunto de causas possíveis da esquizofrenia (http://migre.me/8fxYX). 

Enfim, o fato é que estamos começando a descobrir que os micróbios aparentemente inócuos que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento. 
Não acredito que sejamos os títeres de germes, parasitas, fungos e vírus, mas, certamente, o ambiente que nos constitui e determina não é só o das interações com nossos semelhantes. É também o de interações misteriosas com seres que sequer enxergamos. Inquietante, hein?

ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris

Luiz Felipe Pondé - A síndrome de Schmidt


Apesar das modas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz


Não, não se trata de uma doença nova, caro leitor. Apenas de um filme cujo título é "As Confissões de Schmidt", do diretor Alexander Payne, o mesmo de "Os Descendentes", que concorreu ao Oscar neste ano, mas muito melhor do que esse.

Para começar, Schmidt é Jack Nicholson, o que já garante metade do filme. Mas o filme vai muito
além desse grande ator.

Síndrome de Schmidt, nome que eu inventei, descreve o quadro de total melancolia em que se encontra o personagem central, um homem de 60 anos, após a aposentadoria e morte repentina da sua mulher. Mas qual é o diagnóstico diferencial com relação a outras formas de melancolia? Vejamos.
O filme abre com um discurso de um colega em sua homenagem, quando Schmidt se aposenta da companhia de seguros em que trabalhou a vida inteira (no caso, companhia de seguros carrega todo o peso de viver para ter uma vida segura).

Logo após a morte da sua mulher, ele descobrirá que ela fora amante do colega que discursou em sua homenagem em sua cerimônia de despedida da "firma". A cena da descoberta é feita com requintes de crueldade, porque Schmidt está imerso nas roupas da mulher morta, buscando sentir seu "doce aroma" e assim matar a saudade que sente dela.

Schmidt tem uma filha que casará com um sujeito horroroso, de uma família brega que se julga especial: você conhece coisa pior do que festa de Natal em família? Sim: uma festa de Natal em família em que os presentes são frutos da criatividade ridícula dessa família, como no caso da família do genro de Schmidt.
Schmidt fazia xixi sentado como menina porque sua mulher o proibia de fazer xixi como menino, a fim de não sujar o banheiro.

Esse é sintoma diferencial da síndrome de Schmidt: esmagar-se (mesmo sua fisiologia) para deixar tudo em seu lugar, sem conflitos, amar a paz e o bom convívio em detrimento de si mesmo. No caso
específico, não há "questão de gênero" (já que banheiros estão na moda nesse assunto, vale salientar que aqui não é o caso).

Primeiro porque eu não acredito em questões de gênero, só em questões de sexo. Depois, porque não se trata de falarmos em homens vítimas da opressão feminina (ainda que se trate de alguma "opressão" nesse caso, já que, afinal, sua mulher o obrigava a fazer xixi como menina e o traiu), mas sim de falarmos de alguém que descobre que sua vida foi e é vazia, apesar de ter sido um pai e esposo dedicado, e não um desses canalhas que saem com mulheres fáceis por aí.

A síndrome de Schmidt pode e afeta também mulheres, portanto não é uma questão do sexo masculino. Mas no filme é uma questão masculina (o sexo masculino "suja banheiros") e o é antes de tudo porque, como se sabe, homens trabalham, às vezes até brincam com os filhos, mas são as mulheres que detêm o monopólio da subjetividade e da sensibilidade.

Mulheres "conhecem a si mesmas", homens não. Schmidt é uma caricatura do homem que acreditou que, cumprindo seu papel, estaria a salvo da devastação da falta de sentido da vida e do amor. Apesar das modinhas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz.

Homens não sabem falar de si mesmos. E, no fundo, é melhor que continuem assim (pensam as mulheres e os filhos): vivendo como Schmidt, no silêncio da função paterna e marital. Isso muitas vezes é objeto de piadas nas quais homens são comparados a carroças, enquanto mulheres são comparadas a grandes jatos.
Na realidade, a vida comum das famílias supõe que os homens continuem a trabalhar sem crises existenciais; qualquer coisa que se diga ao contrário disso é mais uma mentira da moda.

Isso não significa que não existam exceções, mas essas são apenas exceções. Homens com crises existenciais ficam sozinhos.

No caso de Schmidt, tudo que sua filha quer é seu cheque, e não sua presença. O filme é bom o bastante para mostrar que talvez nessas famílias "normais" não haja mesmo possibilidade de grandes relações entre pais e filhos, muito menos entre pai e filhos.

Talvez esse venha a ser um dos debates do século 21: o que fazer quando os homens começarem a falar?

ponde.folha@uol.com.br