domingo, 8 de janeiro de 2012

Eskolinha do Professor Kassab



Na didática do prefeito, a nota é 10 tanto para implosões mal resolvidas quanto para mandatos de promessas não cumpridas

08 de janeiro de 2012 | 3h 07
Sírio Possenti - O Estado de S.Paulo

Kassab é um dos fenômenos mais intrigantes das últimas safras de políticos. Se não gastasse um dos maiores orçamentos do País, passaria despercebido. Consta que é bom na movimentação de bastidores. Antes de ser vice de Serra na Prefeitura de São Paulo, certamente o maior troféu "movimentação nos bastidores" dos últimos tempos, ninguém, exceto poucos parceiros, sabia dele.
O prédio implodiu só em parte, mas o verdadeiro objetivo da operação era 'liberar o trânsito' - JB Neto/AE
JB Neto/AE
O prédio implodiu só em parte, mas o verdadeiro objetivo da operação era 'liberar o trânsito'
Com a decisão de Serra de candidatar-se ao governo do Estado, assumiu a Prefeitura e, pouco depois, foi reeleito. Tornou-se conhecido do público basicamente por duas ações. A primeira foi a lei das placas, que tirou muita publicidade das ruas (mostrou belezas escondidas e revelou feiuras e fachadas desgastadas). A segunda foi a gritaria dirigida a um cidadão que reclamou durante a inauguração de um hospital e foi objeto de incrível destempero. Os gritos desvairados de "Fooora, vagabundo!" chamaram a atenção. Prepotência? Descontrole?
Tendo tudo para passar despercebido, tornou-se notório por uma característica peculiar. Parece falar de um lugar vazio, violando regras discursivas elementares. Disse "falar de um lugar vazio" e me ocorreu uma associação. Não estava em meus planos, mas (Freud explica) lembrei os kassabinhos, bonecos essenciais em sua campanha para a Prefeitura, que o elegeram. Cheios de vento, isto é, de nada. Autorretrato?
Para traduzir a personagem, exceto pelo único destempero, nada mais adequado que sua voz neutra, monocórdia, funcionando no automático, indiferente aos fatos, às fotos, à realidade, como na última semana.
No quesito, é um seguidor de Paulo Maluf (guardadas as proporções, sempre), que se tornou célebre também por violar regras pragmáticas. Se fizessem a Maluf, em entrevista ou debate eleitoral, alguma pergunta incômoda, baseada no noticiário, respondia falando de outra coisa. Desconhecia a pergunta, a mais grosseira das formas de lidar com o interlocutor.
Mas Maluf, ao contrário de Kassab, era, às vezes (quando ninguém o seria), de uma explicitude brutal: "Se tem vontade sexual, estupra, mas não mata!"
O Kassab que conhecemos parece ter sido sincero apenas na interpelação ao fabricante de placas. Suas declarações são as mais escorregadias que um político pode produzir. Sua frase mais histórica, se pode haver gradações nesse campo, é sobre a identidade do partido que fundou, cuja sigla foi antigamente o símbolo (o simulacro) da indecisão, o PSD: "Não é direita, nem esquerda, nem centro". Depois declarou que será de centro e independente. Nem mesmo a decisão de ser indeciso foi mantida!
Nos últimos dias, Kassab voltou à notoriedade. Não produziu declaração memorável, dessas que se debatem e são candidatas a verdades. Foram de novo declarações típicas dos que o povo chama de cara de pau. Sobre a implosão de um prédio que implodiu só em parte, disse e repetiu que a operação foi um sucesso, que o objetivo era liberar trânsito e não derrubar o velho moinho, que os que acham que a operação fracassou deveriam voltar para os bancos escolares... de engenharia.
Atribuiu nota 10 tanto à implosão quanto a seu mandato. Impávido, sempre imodesto, sua nota é sempre 10 (o eleitor parece discordar, mas ele não está nem aí). Assim como defende que uma implosão possa não derrubar toda a edificação, acha que um mandato não precisa cumprir todas as promessas. No negócio de dar notas, angariaria alunos: ganhariam 10 provas feitas pela metade ou com diversas respostas erradas na eskolinha do Professor Kassab.
A humanidade não é muito brilhante. Cria expectativas rotineiras, baseadas nas práticas: implosão é para derrubar todo o edifício, prédio ou estádio; promessa é para ser cumprida, mesmo a política. Kassab revoga essas leis, discípulo do cínico Maluf. Sem personalidade, no sentido corrente (a falta de personalidade não deixa de ser uma, como não fazer política é, paradoxalmente, uma forma de fazê-la), sem voz marcante, sem nenhuma frase "para cima" que mereça ser repetida, nem mesmo uma engraçada, como as do Tiririca, é espantoso que ocupe o espaço político que ocupa, especialmente na era da exposição midiática.
Maluf se notabilizou por fatos e frases, mas uma de suas máscaras mais notórias era a do cara de pau que desconsiderava a fala dos interlocutores: se lhe faziam perguntas sobre corrupção, falava das virtudes da mãe; se perguntavam sobre preços de obras, enumerava as que tinham sua marca. Era um exemplo chapado para teorias pragmáticas e para sua principal regra: se alguém não fala do tema proposto, é porque não quer ou não pode tratar dele; se não pode responder é porque a resposta condenaria. É assim em qualquer inquérito. Daí a regra jurídica segundo a qual ninguém é obrigado a se culpar. O júri não pode considerar, mas qualquer falante sabe o que isso significa: se o réu silencia, o silêncio o condena.
A "regra" de Maluf o denunciava. Kassab segue outro desvio: em vez de falar de outra coisa, declara, quebrando outra regra (elogio em boca própria é vitupério), que tudo o que faz é 10. Mesmo contra as evidências.
Os diversos sentidos de "cínico", exceto filosófico, caracterizam as falas de Kassab. O estilo é o homem?  
SÍRIO POSSENTI É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA/INSTITUTO DE ESTUDOS DA, LINGUAGEM DA UNICAMP, AUTOR DE QUESTÕES, PARA ANALISTAS DE DISCURSO (PARÁBOLA)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Como apagar memórias sem deixar traços



05 de janeiro de 2012 | 3h 05
Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Você gostaria de remover de sua mente um medo ou a memória de um trauma? Em camundongos, isso já é possível. E o método é tão simples que logo será adotado por psiquiatras e terapeutas.
O experimento, feito por cientistas de Helsinque e Nova York, baseou-se em duas descobertas feitas nos últimos anos. A primeira é que, tanto em animais quanto em seres humanos, é muito mais fácil reverter medos e traumas psicológicos durante a infância, enquanto o sistema nervoso está em desenvolvimento. Nesse período, os cientistas acreditam que os neurônios possuem um maior grau de plasticidade e podem ser moldados mais facilmente por novas experiências (é por isso que é mais fácil aprender uma segunda língua na primeira infância).
A segunda é que nos últimos anos foi descoberto que o tratamento de camundongos com antidepressivos, como a fluoxetina (Prozac), provoca mudanças no funcionamento do sistema nervoso, aumentando sua plasticidade.
Com base nessas observações, os cientistas imaginaram que talvez a administração de antidepressivos tornava o cérebro mais plástico, o que facilitaria a remoção de medos patológicos ou traumas de guerra.
Para testar essa hipótese, fizeram o seguinte experimento. Os camundongos foram condicionados a ter medo de um apito agudo. Para tanto, foram submetidos a pequenos choques elétricos toda vez que o apito tocava. Camundongos com medo do apito ficam imóveis assim que o ouvem, mesmo quando o som não é seguido de choque.
Após terem sido condicionados a ter medo do apito, os animais foram divididos em dois grupos. Um recebeu fluoxetina por duas semanas e o outro serviu como controle, tendo recebido somente água.
Após esse período, eles foram submetidos somente ao apito (sem choque) e suas reações foram monitoradas. Isso permite saber se eles haviam "esquecido" que tinham medo do apito e se o uso do apito sem o choque faria com que eles perdessem o medo do apito.
Depois de dois dias, foram deixados em paz por mais uma semana e testados novamente tanto com o apito sem choque (um subgrupo) como com o apito seguido de choque (outro subgrupo). O objetivo desse último teste não era recondicionar os camundongos a ter medo de choques, mas verificar se um único choque era capaz de restaurar o medo original.
Resultados. Os cientistas observaram que os dois grupos de camundongos (com ou sem antidepressivos) perdiam o medo do choque ao longo do tempo e eram igualmente dessensibilizados durante os dois dias em que ouviam o apito sem receber o choque. A grande diferença ocorria mais tarde. Os animais que haviam recebido antidepressivos não recuperavam o medo espontaneamente ao longo do tempo nem voltavam a ter medo após um único choque. A memória do choque havia sido eliminada. Eles estavam curados.
Nos camundongos que haviam recebido água, o medo voltava aos poucos, à medida que ouviam o apito. O medo retornava em níveis muito altos se fossem submetidos a um único choque. Ou seja, o medo estava "adormecido", mas voltava rapidamente após um único estímulo. Eles não haviam sido curados.
Além desses estudos comportamentais, os cientistas analisaram os neurônios dos circuitos cerebrais envolvidos com essa resposta ao medo e confirmaram que a plasticidade desses circuitos foi aumentada pelo antidepressivo. Isso explica porque foi muito mais fácil eliminar o medo e a memória com o uso combinado de antidepressivos e processos de condicionamento.
Como processos de condicionamento semelhantes a esses já são usados para tratar traumas em seres humanos e as doses de antidepressivos necessárias são as rotineiramente utilizadas por psiquiatras, é fácil imaginar que essa combinação de tratamentos pode vir a ser usada em seres humanos no futuro próximo. Sem dúvida, um grande avanço no tratamento de diversos distúrbios psiquiátricos.
Por outro lado, essa tecnologia, que permite remover ou adicionar medos e memórias à mente humana, pode ser utilizada em processos de lavagem cerebral ou doutrinação. Um prato cheio para polícias secretas, seitas radicais e diretores de cinema.
*Biólogo 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O mundo do dinheiro e seus heróis, do Blog do Emir


03/01/2012


Até um certo momento os ricos ou escondiam sua riqueza ou tratavam de passar despercebidos, como se não ficasse bem exibir riqueza em sociedades pobres e desiguais. Ou até também para escapar da Receita.

De repente, o mundo neoliberal - esse em que tudo vale pelo preço que tem, em que tudo tem preço, em que tudo se vende, tudo se compra – passou a exibir a riqueza como atestado de competência. Nos EUA se deixou de falar de pobres, para falar de “fracassados”. Numa sociedade que se jacta de dar oportunidade para todos, numa “sociedade livre, aberta”, quem nao deu certo economicamente, é por incompetência ou por preguiça.

Ser rico é ter dado certo, é demonstrar capacidade para resolver problemas, ter criatividade, se dar bem na vida, etc., etc. Até um certo momento as biografias que se publicavam eram de grandes personagens da historia universal – governantes, lideres populares, gênios musicais, detentores de grandes saberes. A partir do neoliberalismo as biografias de maior sucesso passaram as ser as dos milhardários, que supostamente ensinam o caminho das pedras para os até ali menos afortunados.

Todos dizem que nasceram pobres, subiram na vida graças à tenacidade, à criatividade, ao trabalho duro, ao espirito de sacrifício. Tiveram tropeços, mas nao desistiram, leram algum guru de auto-ajuda que os fez aumentarem sua auto estima, acreditarem mais em si mesmos, recomeçarem do zero, até chegarem ao sucesso indiscutível.

Seus livros se transformam em best-sellers, vendem rapidamente – até que vários deles caem em desgraça, porque flagrados em algum escândalo -, eles viajam o mundo dando entrevistas e vendendo seu saber que, se fosse seguido por seus leitores, produziria um mundo de ricos e de pessoas realizadas e felizes como eles.

Quem vai publicar um livro de um “fracassado”? Só mesmo se fosse para que as pessoas soubessem quais os caminhos errados, aqueles que nao deveriam seguir, se querem ser ricos, bonitos e felizes. O mundo do trabalho, da fábrica, do sindicato, dos movimentos de bairro, das comunidades – mundo marginal e marginalizado.

Programas de televisão exaltam os ricos, os bem sucedidos, as mulheres que exibem sua elegância, sua falta de pudor de gastar milhões na Daslu e nas viagens a Nova York e a Paris. Ninguém quer ver gente feia, pobre, desamparada, que só frequenta os noticiários policiais e de calamidades naturais. As telenovelas tem como cenários os luxuosos apartamentos da zona sul do Rio e dos jardins de Sáo Paulo, com belas mulheres e homens que não trabalham, no máximo administram empresas de sucesso. Os pobres giram em torno deles – empregadas domésticas, entregadores de pizza, donos de botecos -, sempre como coadjuvantes do mundo dos ricos, que propõem o tipo de vida que as pessoas deveriam ter, se quiserem ser ricos, bonitos, felizes.

Esse mundo fictício esconde os verdadeiros mecanismos que geram a riqueza e a pobreza, os meios sociais – os bancos por um lado, as fábricas por outro – em que se geram a riqueza e a fortuna, a especulação e a expropriação do trabalho alheio. Em que estão os vilões e os heróis das nossas sociedades.
Postado por Emir Sader às 09:29