Guilherme Guerra
04 de outubro de 2021 | 05h00
Quem não presta muita atenção pode pensar que o mundo da tecnologia está mais sem graça desde a morte de Steve Jobs, em 5 de outubro de 2011. Nos anos 2000, o fundador da Apple liderou saltos tecnológicos fáceis de perceber: do computador para o iPod, do iPod para o iPhone e do iPhone para o iPad. Nesses 10 anos sem Jobs, a impressão é a de que ele foi o último da sua espécie, o último entre os gênios da tecnologia.
Mas não é bem assim. Embora sejam menos palpáveis, a última década viu importantes chacoalhões na tecnologia. A disseminação da computação em nuvem tornou possível o nascimento de gigantes, como Netflix e Spotify. A economia de dados alavancou o modelo de negócio das redes sociais. Avanços em inteligência artificial permitiram não só dispositivos falantes como a Alexa, mas experimentos com carros autônomos. Até exploração espacial e computação quântica apareceram no radar. O que é mais difícil detectar é se existe algum rosto para simbolizar esses avanços, alguém da “linhagem” do pai do iPhone.
Como alguns desses avanços estão ligados a algumas das principais empresas do mundo, o caminho mais fácil para encontrar o “sucessor” de Jobs é tentar olhar para os seus fundadores. Estariam Jeff Bezos, da Amazon, Mark Zuckerberg, do Facebook, Larry Page e Sergey Brin, do Google, e Elon Musk, da Tesla e da SpaceX, na mesma prateleira de Steve Jobs?
Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que, talvez, o mais próximo do fundador da Apple seja Musk, cuja montadora de carros elétricos causou uma reviravolta em um setor centenário - com o avanço da Tesla, nomes tradicionais como GM, Ford, Volkswagen e BMW passaram a investir no modelo. Já a SpaceX, que tem como meta colocar humanos em Marte, já conseguiu colocar quatro pessoas comuns para viajar na órbita da Terra, algo impensável para uma empresa privada até então.
“Elon Musk é um gênio porque faz investimentos em tecnologias que podem alterar o curso da Humanidade drasticamente”, explica Eduardo Pellanda, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Além do carro elétrico e de foguetes, o empreendedor também quer colocar satélites para oferecer internet em pontos remotos do Planeta, como nos oceanos e na Antártica, inserir chips nos cérebros das pessoas e construir túneis subterrâneos de altíssima velocidade para longas distâncias, o Hyperloop. “São revoluções que podem ser até mais impactantes do que aquelas promovidas por Jobs.”
De fato, embora em áreas diferentes, são avanços que podem inaugurar novas eras para a humanidade, como fizeram os smartphones. As semelhanças entre os dois ocorre também na personalidade controversa. Só no ano de 2020, Musk menosprezou a pandemia, publicou desinformações sobre a doença e se recusou a tomar qualquer vacina. Seus comportamentos tiveram impacto: as fábricas da Tesla nos EUA tiveram trabalhadores contaminados. Vale lembrar: além de ter várias passagens dignas de “cancelamento na internet”, Jobs ignorou a medicina convencional quando teve o câncer de pâncreas diagnosticado, buscando tratamentos alternativos.
“Elon Musk é um gênio porque faz investimentos em tecnologias que podem alterar o curso da Humanidade drasticamente”
Eduardo Pellanda, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
Embora tenham construído impérios com base tecnológica, tanto Bezos quanto Zuckerberg não são vistos como sucessores do fundador da Apple. “Tanto Jobs quanto Musk têm uma base cognitiva em tecnologia muito boa. Isso permite a eles enxergarem necessidades de fundamento tecnológico tanto no curto quanto no longo prazo, que podem ser exploradas comercialmente”, afirma Fábio Gandour, que liderou por quase dez anos o laboratório de pesquisas da IBM no Brasil. “Já Bezos e Zuckerberg embarcaram num movimento que tinha base tecnológica, mas era essencialmente comercial. Não são iniciativas sustentadas por uma visão de tecnologia”, diz.
GÊNIOS ESCONDIDOS
“Quando as pessoas pensam em um gênio da tecnologia, elas pensam em alguém que é um inovador em série, como Jobs, Musk e Thomas Edison”, define Melissa Schilling, professora da Universidade de Nova York especializada em inovação. Em comum, essas mentes têm uma combinação de inteligência, tendência a resistir a normas e uma persistência que vem do idealismo ou de uma personalidade obsessiva – “ou dos dois”, diz ela. E isso não é um traço raro, diz: “Há muitos outros gênios que já conhecemos e vários que iremos descobrir com o tempo”.
Para especialistas, Elon Musk, da Tesla, é o atual sucessor de Steve JobsLUCY NICHOLSON
O desafio, na verdade, está em manter um sistema de inovação que fomente novos nomes em um cenário de aquisições bilionárias realizadas por grandes empresas de tecnologia. Zuckerberg, por exemplo, criou um império de redes sociais ao comprar o Instagram e WhatsApp. Os fundadores dos dois apps passaram a ter de servir aos interesses do Facebook, o que nem sempre significa caminho livre para a inovação.
“Muitas dessas empresas gigantes compram startups não só para adquirir a tecnologia, mas também para ter os talentos dentro de casa”, explica Pellanda. Ele cita alguns exemplos na própria Apple: a inteligência artificial Siri, o sensor tridimensional LiDAR e o leitor de reconhecimento de rosto (o Face ID) vieram de companhias pequenas compradas pela gigante. “Agora, a inovação de grandes empresas vem da soma do que é feito nos laboratórios internos e das startups compradas”, aponta o professor.
Isso significa que essas aquisições giram a “roda” da inovação, com mais dinheiro circulando para novos projetos de “startupeiros” ambiciosos. “Muitos inovadores estão felizes em ter suas startups compradas pelas grandes companhias, de modo que eles podem ir para a próxima inovação”, explica Melissa.
“É difícil surgir um novo Steve Jobs, mas isso não quer dizer que eles não existam. Essas pessoas estão nas pontas”
Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio)
Consequentemente, essas gigantes podem ter modelos de negócios mais consistentes, já que não dependem de um único nome para prosperar. Sem Steve Jobs no comando, a Apple, por exemplo, conseguiu atingir o status de empresa mais valiosa do mundo e primeira a atingir avaliação de mercado de US$ 1 trilhão e, no ano seguinte, de US$ 2 trilhões, em 2019. Hoje, não há um rosto comandando a empresa, mas é difícil encontrar alguém que menospreze sua influência.
Assim, em vez de um único rosto conhecido, os avanços tecnológicos vão se tornando resultado de uma colcha de retalhos composta por vários anônimos. Fica mais difícil apontar um sucessor de Jobs na novíssima geração.
“O candidato a futuro ‘Steve Jobs’ será aquele que entender que é mais interessante ser o rosto de uma futura grande empresa de tecnologia do que ser comprado”, explica Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio). “É difícil surgir um novo Steve Jobs, mas isso não quer dizer que eles não existam. Essas pessoas estão nas pontas. Resta saber o que vai acontecer com elas.” / COLABOROU BRUNO ROMANI
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