Resíduos de instituições autoritárias sobrevivem ao movimento civilizatório e são mais perceptíveis em momentos de perda da liberdade ou de segregação de pessoas. Pelos mais diversos motivos. Da cadeia aos hospícios.
Foram especialmente potencializados pelo nazismo, mas reaparecem aqui e ali, inclusive em democracias, como mostram imagens recentes da polícia (montada) norte-americana tocando como gado refugiados do Haiti.
Judeus húngaros foram submetidos a “experiência de sanidade mental” em campo alemão de concentração nazista: execução de trabalho totalmente sem sentido, como remover baldes de areia de um canto para outro, indefinidamente.
Há o relato de que alguns enlouqueceram, tentaram fugir e foram fuzilados, e de que outros se jogaram contra cercas eletrificadas e morreram carbonizados. O comandante do campo de concentração, declarava, “em tom de pilhéria”, que “já não há necessidade de usar o forno crematório”.
Joseph Frank, biógrafo de Dostoiévski, relaciona esta experiência macabra à intuição do escritor russo, de que se alguém quisesse aniquilar o ser humano bastaria dar-lhe um trabalho de “total inutilidade e de absoluta falta de sentido”, como transferir água de uma vasilha para outra, ou montinhos de terra, repetidamente. A pessoa “preferiria morrer a ter de aturar tamanha humilhação, vergonha e suplício”.
Conheço alguém que cumpriu no século passado, depois de encerrada a ditadura de 64, tarefa semelhante, ainda que menos intensa. Vítima do alistamento militar obrigatório, o adolescente foi alocado para destelhar e depois cobrir de telhas e destelhar e cobrir de telhas, durante todo o dia, uma edícula em desuso do famoso Quartel de Quitaúna, em Osasco. O singelo ensaio da engenharia do absurdo deixou-o febril.
Personagem de Stefan Zweig, em sua última obra, conta ter sido preso na Áustria, pela SS de Hitler, para ser interrogado sobre suas atividades profissionais: “Não nos fizeram nada –só nos deixaram num completo vazio, pois é sabido que não existe nada no mundo que cause tanta pressão na alma humana como o nada”. Quatro meses depois, isolado de tudo, em quarto de hotel hermeticamente fechado, “fora do tempo e do mundo”, a desordem se instalaria em seu cérebro.
Em Guantánamo (releitura da inquisição ibérica) há protocolo escrito para tortura de suspeitos de terrorismo islâmico. O suplício físico não é a única técnica de interrogatório imprópria.
O isolamento radical do “regime disciplinar diferenciado”, imposto por penitenciárias do Brasil a presos com “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”, replica a ideia destrutiva do confisco do tempo, do mundo e de qualquer possibilidade de contato físico.
O atrevimento e a perversão de Jair Bolsonaro na pandemia, com disseminação de falsas informações e desestímulo à vacina, à máscara e ao isolamento social, tiveram o efeito de multiplicar o número de mortos e estimular “experimentos médicos” para a salvação da economia, como apontam revelações horripilantes da CPI da Covid sobre os hospitais da Prevent Senior.
Bolsonaro representa o homem comum e (nele) faz despertar o que há de pior, explorando, para a reeleição, a mentira e o temor infantil do comunismo e da corrupção.
O desafio é eliminar do horizonte político do Brasil a figura sinistra de Jair Bolsonaro e a cepa de micróbios nazistas que habita a sua alma.
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