domingo, 13 de abril de 2014

Silicone & filosofunk


Não precisava ser Mozart, mas tinha que escolher 'Beijinho no Ombro' para uma prova de filosofia?

12 de abril de 2014 | 16h 01

Sérgio Augusto
Não foi bem um factoide, pois de fato aconteceu, mas a palavra hype bem se aplica ao destaque que na mídia lhe deram.
Gostosa chic? Agora a funkeira considera assumir uma forma menos calipígia - Adriano Damas
Adriano Damas
Gostosa chic? Agora a funkeira considera assumir uma forma menos calipígia
Há dias, o professor de filosofia de uma escola de ensino médio do Distrito Federal não só enfiou numa prova a musa do funk carioca Valesca Popozuda como referiu-se à cantora como uma "grande pensadora contemporânea". O vazamento do que em princípio parecia uma inconsequente pegadinha escolar incendiou as redes sociais, gerando protestos em cadeia contra o professor e inflamadas críticas à qualidade do ensino no País e à inanidade das músicas da esteatopígia funkeira. Além de desproporcional, o alarido motivou uma sucessão de equívocos, típica dos debates vai da valsa estrumados pela internet.
Nosso ensino é sabidamente fuleiro; é possível que Antônio Kubitschek, o pivô da celeuma, não seja uma sumidade, mas uma pegadinha só não o desqualifica como professor. Se é que podemos chamar de pegadinha a pergunta que ele propôs aos seus alunos na Escola de Ensino Médio 3 de Taguatinga:
"Segundo a grande pensadora contemporânea Valesca Popozuda, se bater de frente: 1) é só tiro, porrada e bomba; 2) é só beijinho no ombro; 3) é recalque; 4) é vida longa".
(A resposta correta é a primeira. Quem não conhecia a letra do funk Beijinho no Ombro, sucesso da ex-estrela da Gaiola das Popozudas, quebrou a cara.)
Detalhe importante: essa era a 11ª das 12 questões da prova bimestral de filosofia preparada pelo professor Kubitschek. As demais, segundo o testemunho de um de seus alunos, Gabriel Guilherme, versavam sobre ética, moral e outras questões genuinamente filosóficas, derivadas de assuntos abordados em aula e na literatura didática indicada no curso. Ou seja, ninguém, presumo, foi reprovado por desconhecer o repertório musical da Popozuda. Eu mesmo, ex-estudante de filosofia, só no araque teria marcado a resposta correta. Conheço Sócrates, Platão & Cia., mas em funk sou um ignorantaço. Aprendi a cantar Woke up this Morning de tanto ouvi-lo nos créditos da Família Soprano, mas devo estar confundindo funk com hip hop.
Como cantora e compositora, Valesca Reis Santos, 35 anos de idade e 106 cm de balaio, não vale os 550 ml de silicone que injetou em cada nádega para fazer jus ao apelido e construir uma imagem diferenciada. "Qualquer problema com ele [o avantajado buzanfã] afeta diretamente minha carreira", justificou-se ao segurá-lo por R$ 5 milhões, alguns anos atrás; valor a ser zerado caso ela leve adiante a ideia de retirar a prótese e assumir uma nova estampa, menos opulenta, calipígia, e menos brega, conforme anunciou no meio da semana. Menos brega vai ser difícil.
Suas músicas – alguns títulos: Late que eu Tô Passando, Agora eu Sou Solteira, Agora eu Virei Puta, Quero te Dar – são de uma indigência atroz, cheias de estribilhos monossilábicos (se, se, se, eu, eu, eu, só, só, só, dá, dá, dá, tô, tô, tô), típicas da gagueira funk, e acafajestadas provocações ("late, late", "fica de quatro"), típicas de quem se orgulha de encarnar o papel de "cachorrona".
Gozadora, sim; pensadora, é pilhéria.
O professor Kubitschek nega que estivesse caçoando dela, que sua única intenção era provocar entre os alunos "uma discussão sobre a formação de valores na sociedade" e pensar "no papel da imprensa que gosta de sensacionalismo" e só vai à escola "quando o assunto é ruim". Se seus pupilos demonstraram conhecer mais o funk de Valesca do que a ética socrática e outras questões filosóficas abordadas no exame, a inversão de valores na sociedade requer mesmo uma atenção especial do professor e redobrada vigilância da imprensa. Justiça se faça: quem desta vez armou o auê foi o Facebook, foi o Twitter, não a mídia impressa, que apenas correu atrás da repercussão.
Num bom exame de filosofia não há lugar para múltiplas escolhas. Reflexão, a matéria-prima da filosofia, não combina com gincana ou jogos de salão. A restrição é válida até para perguntas mais, digamos, didaticamente relevantes. Como esta, por exemplo: "Segundo o grande pensador Hegel, as ideias que revolucionam o mundo avançam: 1) sempre celeremente; 2) atrás dos canhões; 3) impregnadas de ódio; 4) a passo miúdo".
No entanto, permitido o intermezzo galhofeiro, por que não dar uma chance a outro tipo de música? Não precisava ser Mozart, nem ter alguma conotação filosófica (como a marchinha "existencialista" Chiquita Bacana), mas escolher Beijinho no Ombro foi, como diria Valesca, de f(*%#$@*)oder.
A própria gluteofilosofunk achou a polêmica "uma bobagem". E foi. Valesca também acertou ao levantar a hipótese de que nada teria acontecido se o professor Kubitschek tivesse escolhido "um trecho de qualquer música da MPB ou até mesmo de qualquer outro gênero musical". Mas errou ao calcular que começando a ler Machado de Assis, como prometeu fazer, poderá tornar-se um dia "uma pensadora de elite" – sem silicone nas lândrias, esbelta, menos espalhafatosamente vestida. Para quê? Ainda se fosse para desafiar Marilena Chauí a cantar Agora eu Virei Funkeira.
P.S. A resposta certa ao teste do Hegel é a quarta.

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