segunda-feira, 21 de abril de 2014

Na encruzilhada


‘Questões energéticas estão pautando a agenda diplomática e militar na ordem internacional. Fontes diversificadas serão a chave para as sociedades no longo prazo’, diz pesquisador

19 de abril de 2014 | 14h 23

Juliana Sayuri
Mau negócio. Assim Graça Foster, sabatinada por senadores na terça-feira, definiu a aquisição da refinaria americana de Pasadena pela Petrobrás, em 2006.
 - José César Martins Pacheco/Agência Petrobras
José César Martins Pacheco/Agência Petrobras
Antes símbolo da ascensão do Brasil no cenário global, catapultada com a descoberta do pré-sal, a gigante petroleira agora reflete fragilidades da economia brasileira, afetada por "escândalos e estagnação", na expressão do New York Times.
"Quanto mais responsabilidades uma companhia tem, mais eficiente e transparente deve ser. Especialmente a Petrobrás, que está carregando nas costas o peso do Brasil", considera o geoestrategista Parag Khanna, braço direito de Barack Obama em política internacional durante a campanha de 2008. "Países que não investem em infraestrutura não criam tantos empregos, não têm mobilidade econômica e social alta o bastante, não diversificam suas bases econômicas e, assim, são mais vulneráveis às flutuações do preço de commodities. Isso vale para o Brasil, infelizmente", critica o intelectual.
Nascido na Índia, Parag Khanna cresceu entre Nova York, Berlim e Abu Dabi. Aos 37 anos, mais de cem carimbos no passaporte, dois diplomas pela Georgetown University e um Ph.D. pela London School of Economics, Khanna atualmente é pesquisador sênior do Singapore Institute of International Affairs, da New America Foundation e do European Council on Foreign Relations. "Questões energéticas estão pautando a agenda diplomática e militar. Isso também provoca uma grande tensão social, considerando que atualmente há mais refugiados ‘ambientais’ – das secas e das inundações – do que refugiados políticos de guerras civis", diz o autor de O Segundo Mundo (2008), Hybrid Reality (2012) e Remapping the World (no prelo).
Parag Khanna não gosta das expressões Brics e "mercados emergentes". Prefere "Segundo Mundo". "Dos 200 países no mundo hoje, 32 são desenvolvidos, 48 subdesenvolvidos. Isso deixa mais de cem países na encruzilhada. São Primeiro Mundo (modernos, desenvolvidos, conectados) e ao mesmo tempo Terceiro Mundo (pobres, marginalizados, desconectados). É o caso do Brasil."
Quão transparente deve ser uma estatal como a Petrobrás, responsável pelas questões energéticas do Brasil?
Parag Khanna - Quanto mais responsabilidades uma companhia tem, mais eficiente e transparente deve ser. Especialmente a Petrobrás, que está carregando nas costas o peso do Brasil. A Petrobrás deve se concentrar em restaurar a produtividade, ser bem administrada, investindo em infraestrutura moderna e em tecnologia, apoiando assim o desenvolvimento do Estado. É uma indústria estatal, mas ao mesmo tempo tem obrigações com os acionistas que esperam e merecem um desempenho melhor. Acima de tudo, o povo brasileiro merece um desempenho melhor.
Há um país que possa oferecer um modelo administrativo para o petróleo? Noruega talvez?
Parag Khanna - Seria fácil citar o modelo norueguês sem realmente prestar atenção a seu funcionamento. Na verdade, há diversas potências energéticas que poderiam oferecer diferentes políticas como exemplos relevantes. A Noruega poderia ensinar a importância de criar fundos de investimento para infraestrutura, construir influência no mercado externo, proteger a moeda. Os fundos de petróleo também são cruciais para investir na diversificação, o que está sendo feito na Malásia. Também podem ser cruciais para financiar a aquisição de alta tecnologia, o que está sendo feito nos Emirados Árabes Unidos. Logo, há modelos mundiais relevantes. Felizmente, são bons sinais de que países não ocidentais podem vencer a "maldição do petróleo".
Veremos novas guerras por petróleo?
Parag Khanna - Houve tensões no mundo inteiro sobre os recursos de commodities em pontos geográficos estratégicos – por petróleo, minerais e água. No Mar do Sul da China, China, Filipinas, Vietnã e outros países estão brigando pelas águas ricas em minerais presentes entre eles. Hoje recursos hídricos, como os rios, são igualmente estratégicos. A China está represando o Rio Mekong e as nascentes dos principais rios da Índia no Tibete, provocando um estresse significativo rio abaixo e afetando 1 bilhão de pessoas. São exemplos que mostram como essas questões estão escalando a agenda diplomática e militar na ordem internacional. Isso também provoca uma grande tensão social, considerando que atualmente há mais refugiados "ambientais" - das secas e das inundações – que refugiados políticos de guerras civis.
É a hora de discutir fontes alternativas? Nos últimos dias, o painel IPCC das Nações Unidas pediu mais agilidade aos países na adoção de combustíveis limpos.
Parag Khanna - Estamos caminhando para um mundo de grande diversificação energética – e nenhum recurso será dominante. Petróleo, carvão, gás, energia nuclear, energia hídrica, energia eólica, energia das ondas oceânicas, biomassa e outras fontes serão desenvolvidas. Sua proeminência dependerá da geografia e da tecnologia, de vontade política e de investimento. Uma década atrás, as pessoas pensavam num mundo "pico do petróleo". Agora, isso foi substituído pelo oposto: um mundo gas glut, quer dizer, com excesso de gás. Em vez de escassez, temos um suprimento quase infinito de gás natural. Então, precisamos ter cuidado com as previsões de longo prazo e as propostas utópicas. Fontes de energia diversificadas serão a chave para a resiliência das sociedades no longo prazo.
Prêmio Nobel, Paul Krugman disse que o Brasil ‘não é mais vulnerável’ há muito tempo, contrariando a avaliação do Fed que indicava Brasil e Turquia como líderes de ‘vulnerabilidade’ entre os emergentes. Quão frágil está nossa economia?
Parag Khanna - Países com grandes dívidas de curto prazo são vulneráveis a saídas de capitais em grande escala. Turquia e Indonésia são grandes economias altamente vulneráveis. Embora o Brasil tenha alguns controles, eles não poderiam conter uma grande saída de capitais. Entretanto, o Brasil ainda é um mercado atraente, o que o torna menos vulnerável. Mas permita-me destacar um desafio fiscal tão importante quanto a questão monetária: o Brasil tem um investimento terrivelmente baixo em infraestrutura, o que torna sua economia muito menos resistente. A previsão de crescimento do FMI para o Brasil foi maciçamente reduzida nos últimos dois anos. Países que não investem em infraestrutura não criam tantos empregos como deveriam, não têm mobilidade econômica e social alta o bastante, não diversificam suas bases econômicas como poderiam e, assim, são mais vulneráveis às flutuações do preço de commodities. Isso vale para o Brasil, infelizmente. Grandes bancos brasileiros devem certamente ter muito cuidado com suas carteiras de empréstimos maciços e estar atentos à necessidade de melhorar os empréstimos, especialmente num quadro de altas taxas de juros. A avaliação de ativos é uma parte muito importante de um sistema bancário saudável – e o Brasil deve realmente ser muito vigilante nisso. É doloroso, mas necessário.
Na outra ponta, o Fed destaca China, Coreia do Sul e Taiwan como os mercados emergentes mais promissores. São?
Parag Khanna - Não usamos mais a expressão "tigre" como referência às economias asiáticas, tampouco "mercados emergentes". Isso porque esses países já emergiram, já se elevaram. Agora são economias maduras, com sociedades ricas e inovadoras comercialmente. Igualmente importante, o volume do mercado interno na Ásia é maior que o comércio externo da Ásia com a Europa e a América. Então, os países asiáticos estão mais protegidos contra a fraqueza das economias ocidentais no momento.
Um certo pessimismo ronda análises feitas por alguns economistas no País, muitas vezes ancoradas na avaliação de agências de risco como a Standard & Poor's.
Parag Khanna - Não é o risco de um rating reduzido que deveria motivar o Brasil ou outros países, mas sim o baixo desempenho dos bancos e do sistema financeiro versus seu potencial ideal. Agências de risco são realmente falhas em diversos aspectos, mas ainda assim, elas estão indicando fragilidades óbvias e objetivas que devem ser abordadas.
Alguns países europeus ainda enfrentam efeitos da crise financeira internacional – por exemplo, Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, maldosamente apelidados de ‘Pigs’. O que esperar da Europa hoje?
Parag Khanna - Essas siglas são inúteis, a começar pelo próprio Brics. Evidentemente, a hipótese dos Brics não será válida em 2040, como se pretendia. Nem sequer é válida em 2014. Já Pigs é apenas outra maneira de se referir ao sul da Europa, o que diz muito mais sobre a história econômica e a realidade desses países. Mais importante: a zona do euro nunca esteve em risco de desmoronar, não importa quantos comentaristas tenham declarado seu fim. Não se pode desfazer o euro. O BCE tem tomado medidas corretas para declarar seu apoio a todos os integrantes da zona do euro – e está funcionando. Só levou muito tempo para isso acontecer devido a questões políticas internas, mas a necessidade de consolidação fiscal e bancária tem sido a solução necessária e definitiva. Fico feliz que a Europa caminhe nessa direção.
Qual é a principal diferença entre a ideia de Brics e sua teoria de ‘segundo mundo’?
Parag Khanna - Brics é só uma jogada de marketing, não um conceito analítico. Todos os Brics são Segundo Mundo, mas assim também são outros 90 países. Há 200 países no mundo hoje. Apenas 32 são considerados Primeiro Mundo, membros da OCDE, enquanto 48 são os "países subdesenvolvidos". Isso deixa mais de cem países na encruzilhada. São Primeiro Mundo (modernos, desenvolvidos, conectados) e ao mesmo tempo Terceiro Mundo (pobres, marginalizados, desconectados). Assim, a maioria é Segundo Mundo. É um conceito econômico, geopolítico e social que descreve nossa condição global com muito mais precisão que os Brics. Dediquei o capítulo mais longo do livro O Segundo Mundo ao Brasil precisamente porque o país exibe muitas dessas características. O Brasil nunca será totalmente Primeiro Mundo, considerando sua imensa e dispersa população e sua geografia difícil. Mas é altamente urbanizado, então há grande potencial para melhorar a vida de milhões de brasileiros, investindo em suas cidades.
PARAG KHANNA ESPECIALISTA EM GEOPOLÍTICA, AUTOR DE O SEGUNDO MUNDO, ENTRE OUTROS

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