sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Luís Francisco Carvalho Filho, A polícia e o vagabundo, FSP

 Entre 2022 (6.455 mortes) e 2023 (6.393 mortes), a letalidade policial recuou um pouquinho. Mas não há motivo para celebração.

Em média anual, as polícias matavam 17 pessoas por dia no Brasil. É muito. As vítimas são majoritariamente negras (82%). Episódios de violência são captados por câmeras do poder público ou do poder privado ou pelo celular de pessoa comum, interessada apenas em registrar o que as polícias gostariam de esconder, o que pode gerar alguma inibição.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 informa que, em dez anos, a letalidade policial cresceu 188,9%. Em 2013, foram 2.212 mortes.

Câmera corporal em uniforme de policial militar de São Paulo - Allison Sales - 10.dez.24/Folhapress

Pouco se sabe das subnotificações, que evidentemente existem, mas o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça detecta também queda na letalidade em 2024 (5,69%). A Bahia, governada pelo PT, é o estado que mais mata (1.500 vítimas). O Amapá (17,06) tem a mais alta taxa de homicídios praticados por policiais em grupo de 100 mil habitantes.

Não é um despropósito classificar a letalidade policial como programa de governo. Governantes querem reduzir índices de criminalidade em seus territórios e apostam em polícias implacáveis, matadoras e protegidas.

O governo Tarcísio de Freitas conspira contra as câmeras corporais e a transparência, e fez crescer os índices de letalidade policial em São Paulo. O próprio secretário Derrite, oriundo da PM, não oculta o passado: "eu matei muito ladrão".

O governo Mario Covas (1995-2001) instituiu programas eficazes para reduzir letalidade. Entre diversas providências administrativas, oferecia tratamento psicológico e afastava temporariamente policiais envolvidos em episódio de alto risco, como o tiroteio com morte: "matar alguém e ir para casa não é normal", explica o ex-secretário Petrelluzzi.

Quando o prefeito de São Paulo canta e aplaude "gás de pimenta na cara de vagabundo" ele não está participando de ensaio de bloco de carnaval fascista: é o ápice da formatura de 500 agentes da Guarda Civil Metropolitana: recebem o ensinamento de que devem destruir suspeitos, extravasam a alegria em redes sociais e vão para as ruas, armados, carregando a mensagem de truculência e a benção da autoridade pública eleita. É assim com a PM.

"Vagabundos" são os pobres das cidades, principalmente negros, suspeitos de alguma coisa. A polícia brasileira mata mais de 5 vezes o número de pessoas que a polícia norte-americana mata.

O decreto de Lula, assinado em dezembro, semanas depois da difusão da imagem de um jovem executado pelas costas, por furtar sabão líquido de um mercadinho, e a portaria do ministro da Justiça regulamentando sua implantação, tentam disciplinar o "uso da força" e a adoção de "instrumentos de menor potencial ofensivo", emitindo sinais políticos civilizatórios que o bolsonarismo repudia.

As normas escritas não são suficientes se os protocolos de enfrentamento e de eliminação permanecerem intactos. A portaria interministerial de 2010, também editada pelo governo federal para reduzir "paulatinamente" a letalidade policial e reafirmar "os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência", não impediu o crescimento das mortes e o acirramento da guerra.

Antonieta Marilia de Oswald de Andrade (1945 - 2025) Mortes: Com a dança, sobreviveu às tragédias familiares, FSP

 

Tânia Bernucci
São Paulo

Marilia de Andrade era uma ilha solitária na família de Oswald, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922. O pai, genial e amoroso, como ela o definia, se foi (pobre e doente) quando ela tinha nove anos, a mãe partiu de forma trágica quando ela estava grávida da primeira filha. Seu irmão Paulo Marcos morreu precocemente num acidente. Restou ela e sua dança de sobrevivência às tragédias familiares.

Uma dança vigorosa e criativa que ela inventou desde os quatro anos de idade. Como bailarina e coreógrafa, participou de "Kuarup", do balé Stagium, tendo dançado para os indígenas do Xingu, e montou espetáculos como "Sarará", "Pedro e o Lobo", "Impressões Brasileiras" e "Villa em Movimento", que representou o ano do Brasil na França em 2005.

Estagiou na escola de Pina Bausch, foi talvez a melhor representante de Isadora Duncan, com carreira internacional, tendo recebido o prêmio do instituto pelo conjunto da obra.

A imagem mostra uma mulher de cabelos castanhos e ondulados, vestindo uma blusa colorida com padrões circulares e formas. Ela está com a mão sobre o peito, em uma pose que sugere expressão de emoção ou reflexão. Ao fundo, há uma pintura abstrata com tons de vermelho e laranja.
Antonieta Marilia de Oswald de Andrade (1945 - 2025) - Tânia Bernucci/Leitora

Apresentou-se na Europa e nos Estados Unidos, tendo sido reconhecida pelo crítico de dança Don McDonagh, do The New York Times, que admirou "a técnica e a força da expressão emocional da dançarina" e elogiou sua "criatividade como coreógrafa e fidelidade ao ideal de Isadora em revelar paixão nas interpretações".

Criou o Estúdio XXI, um espaço de dança integrado à natureza em Campinas, no interior paulista. PhD em psicologia pela Universidade Columbia, roteirizou filmes sobre as questões de gênero e o papel social da mulher, com Irene Ravache, Susana Faini e Sadi Cabral.

Trabalhou com Ruth Cardoso, escrevendo e produzindo 25 documentários sobre o artesanato brasileiro.

Lançou o livro "Maria Antonieta d'Alkmin e Oswald de Andrade: Marco Zero", a partir do manuscrito deixado por sua mãe, a última esposa de Oswald.

Casou-se com o economista Paulo Sergio Graciano (filho do pintor Clovis Graciano), com quem teve três filhas: Mariana, Daniela e Cristiana. Depois de se separar, conheceu seu segundo marido, o antropólogo Antonio Augusto Arantes Neto, professor emérito e pesquisador da Unicamp, como ela, e presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de 2004 a 2006.

Na universidade, Marilia implantou o Daco (Departamento de Artes Corporais) e o primeiro curso de formação em dança. Enfim, uma vida rica e cheia de histórias que ela adorava contar e estão no site mariliadeandrade.com.br.

Era parecida com o pai fisicamente e tinha traços de sua genialidade. Também era geniosa, mas, acima de tudo, amorosa. Seus passos se encerraram no dia 24 de janeiro, depois de 79 anos de belas e desafiadoras coreografias no mundo particular e das artes.

Deixa o companheiro, as três filhas, a enteada Violeta e as netas Maria Luiza, Maria Gabriela, Clara, Stella, Catarina, Marina e Helena.

Lula 3 se move num beco sem saída, Alvaro Costa e Silva, FSP

 Sai a República das Alagoas, entra a da Paraíba. A chegada de Hugo Motta à Presidência da Câmara muda o cenário, mas o fundo permanece o mesmo. Um fundo de buraco negro e sem fim que sugou mais de R$ 148,9 bilhões em emendas parlamentares em cinco anos. Um big bang de dindim.


Em 2024 cada deputado levou ao menos R$ 38 milhões em emendas, a maior parte delas de execução obrigatória aprovada pelo Congresso. A eleição de Motta, com apoio da bancada do PT, representa o consenso em torno do projeto de poder que enfraquece os ministérios. Mais verba para obras em redutos eleitorais. Com transparência zero.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, com o candidato à presidência da Câmara, Hugo Motta (PP de Alagoas) - Gabriela Biló - 29.out.24/Folhapress


O novo presidente é escolado no assunto. O repórter Fabio Victor mostrou que, em 2011, ele destinou uma emenda de R$ 2 milhões para a construção do Teatro Municipal de Patos, no sertão paraibano. O prefeito da cidade era o pai dele, que soma quatro mandatos e ocupa o cargo hoje. O teatro não ficou pronto. A construção foi paralisada diversas vezes e enfim abandonada por falta de pagamentos às empresas e outras irregularidades.

Motta é gente de Eduardo Cunha e Arthur Lira. Este, para elegê-lo, pôs de lado outro cupincha, Elmar Nascimento, de Campo Formoso, na Bahia, cidade beneficiada com R$ 63 milhões para obras de pavimentação —um asfalto tão bom que se desfaz na mão. Com tanto dinheiro rolando, quantas histórias semelhantes existem Brasil afora?

O que parecia impossível aconteceu. A falsa fidelidade do "toma lá, dá cá" acabou. Só ficou o "dá cá". Lula 3 terminou seu segundo ano com número recorde de vetos derrubados no Congresso: 32. O desempenho das medidas provisórias foi o pior da história: de 133, só 20 foram aprovadas. Com Motta, nada muda. São esperados mais vetos no âmbito da reforma tributária e muita pressão para votar o projeto de anistia aos terroristas de 8/1 e a PEC que limita as decisões monocráticas do Supremo.

Com popularidade em baixa entre os mais pobres e pressionado pelo preço dos alimentos, Lula lembra um personagem de Polanski. Vive num cul-de-sac.