quinta-feira, 16 de maio de 2024

‘Supermaconha’ tem alta de apreensões em barcos na Amazônia; rios são disputados por PCC e CV, OESP

 As apreensões de skunk, também conhecido como “supermaconha”, têm crescido em embarcações que circulam por Estados como Amazonas e Pará, segundo autoridades ouvidas pelo Estadão. Além da cocaína, a droga também tem sido importada com frequência de países vizinhos, como Peru e Colômbia, por facções que atuam na região.

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O avanço do narcotráfico fez rios como Madeira, Amazonas e Solimões virarem palco de disputa entre organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV), considerado soberano na região, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção do País.

O destino final das drogas pode ser tanto o mercado interno – o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo – quanto continentes como África, Europa e até Ásia. Nesse segundo caso, costuma ter papel central para o envio das remessas ao exterior o Porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), um dos principais do País.

Como resposta, Estados como Amazonas e Pará têm investido em bases fluviais para interceptar os carregamentos e combater a atuação de grupos criminosos. Além de combater a presença de facções focadas no narcotráfico, a iniciativa também visa a inibir a atuação dos chamados “piratas dos rios”, criminosos focados em roubos de cargas como combustíveis.

Polícia Militar do Amazonas durante apreensão feita no fim do ano passado; 600 kg de skunk foram encontrados na ocasião
Polícia Militar do Amazonas durante apreensão feita no fim do ano passado; 600 kg de skunk foram encontrados na ocasião Foto: Divulgação/PM-AM

“Tem se tornando bem comum, quando tem a apreensão de cocaína, ter skunk junto ou às vezes a apreensão ser só de skunk”, disse ao Estadão o secretário de Segurança Pública do Estado do Pará, Ualame Machado, em entrevista concedida em abril.

“A Colômbia, que, por décadas, foi a maior produtora de cocaína, hoje não é mais. Hoje são Peru e Bolívia. Então a Colômbia passou a produzir, além da cocaína, também o skunk”, continuou ele, que antes ocupou o posto de superintendente da Polícia Federal no Pará.

O fenômeno, afirma, teria acarretado em uma explosão de apreensões da droga em rios do Estado. Segundo balanço da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), entre 2019 a 2021, meia tonelada de entorpecentes foi apreendida na malha fluvial do Estado.

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Entre 2022 a 11 de abril de 2024, período posterior à implantação da base fluvial no estreito de Breves, em Antônio Lemos, foram apreendidos mais de 7 toneladas de drogas. O levantamento não faz distinção do tipo de droga, mas o número foi impulsionado por cargas de skunk e pela inauguração da primeira base fluvial do Estado, segundo autoridades.

“No ano passado, 20% do que nós aprendemos foi apreendido em Antônio Lemos”, disse Machado. Por isso a importância, continuou, da implementação de bases fluviais que funcionem 24 horas e que possuam aparatos como lanchas blindadas.

Além da base de Antônio Lemos, o governo do Pará prevê inaugurar outras duas bases fluviais até o fim do ano: uma delas em Óbidos, às margens do Rio Amazonas, e outra em Abaetetuba, bem próxima a Barcarena, cidade na região metropolitana de Belém onde fica o maior porto da região.

Os locais são considerados pontos de atenção em relação ao avanço da criminalidade e à circulação de drogas, como cocaína e skunk.

Já o Amazonas possui quatro bases em funcionamento, sendo duas móveis – a Tiradentes, que fica no Alto Solimões, e a Paulo Pinto Nery, que fica próxima da foz do Rio Madeira – e duas fixas – a Arpão 1, próxima a Coari, no Rio Solimões, e a Arpão 2, no Rio Negro. Esta última foi inaugurada no começo deste ano.

Base Arpão 2 é uma das quatro construídas pelo governo amazonense para combater criminalidade nos rios da região
Base Arpão 2 é uma das quatro construídas pelo governo amazonense para combater criminalidade nos rios da região Foto: Carlos Soares/SSP-AM

Recentemente, a apreensão de skunk em rios subiu 31% em um período de dois anos no Amazonas. Ao todo, 19,1 toneladas da droga foram apreendidas ao longo de todo o ano de 2022, ante 14,5 toneladas em 2020.

No ano passado, foram 15,6 toneladas apreendidas. Já neste ano, somente de janeiro a fevereiro, foram 5,9 toneladas, o que volta a indicar uma nova tendência de alta nas apreensões da “super maconha”.

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Para se ter um parâmetro, no mesmo período deste ano foram apreendidos 303 quilos de cocaína. Em 2023, quando houve o pico das apreensões desse tipo de droga, foram 3,3 toneladas.

“A apreensão de skunk subiu porque, quando se faz uma apreensão dessa droga, o custo para o tráfico é menor, já que ele tem um valor agregado menor do que a cocaína”, disse ao Estadão o secretário de Segurança Pública do Amazonas, Marcus Vinícius Oliveira de Almeida.

Segundo ele, há dinâmicas distintas no tráfico de drogas na região. “O skunk é muito usado no mercado nacional, normalmente não é para exportação. Já a cocaína geralmente uma parte fica e o resto vai para Europa, principalmente”, explicou o secretário.

No último dia 30, uma mulher de 26 anos foi presa pela Polícia Militar do Amazonas, em fiscalização na base Arpão 1, após ter sido encontrada com 15 quilos de skunk dentro da mala. A droga foi localizada pelos agentes com auxílio de um cão farejador.

No ano passado, a Polícia Militar do Amazonas (PMAM), em conjunto com a Polícia Federal, apreendeu 600 quilos de skunk em Santa Isabel do Rio Negro, a 630 quilômetros de Manaus. Dois homens, de 63 e 34 anos, de nacionalidade colombiana, foram presos. Só neste caso, o prejuízo estimado ao crime organizado foi de R$ 12 milhões, segundo a Secretaria da Segurança Pública amazonense.

PCC e Comando Vermelho têm estratégias diferentes na região

Atualmente, o Comando Vermelho é considerado dominante na Região Norte, mas o PCC também tem buscado avançar pela região. “Até agora, eles não têm conseguido. Eles têm, no máximo, uns 10%, 15% de atuação por aqui. São quatro ou cinco bairros que eles fazem a comercialização de drogas na cidade de Manaus”, disse Almeida.

Ainda assim, o secretário afirma que o foco do PCC na região é menos a ocupação de territórios, mas “muito mais empresarial”. “Para eles é muito mais interessante fazer o que eles fizeram, que foi o controle de produção no Peru”, afirmou.

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Em alguns casos, afirmam autoridades, integrantes do PCC atuam por rios que cortam determinadas cidades mesmo não tendo interesse na disputa territorial por ali. Isso porque, hoje, o grande foco da organização é o tráfico internacional de drogas.

Em fevereiro deste ano, uma ação integrada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará apreendeu um submarino clandestino, na malha fluvial do município de São Caetano de Odivelas. Não foram encontrados entorpecentes, mas a hipótese é que a embarcação seria usada para o transporte de drogas por via marítima.

Embarcação clandestina foi apreendida em São Caetano de Odivelas
Embarcação clandestina foi apreendida em São Caetano de Odivelas Foto: Divulgação/Segup

Membro do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), o promotor de Justiça Igor Starling afirma que as apreensões de drogas na região “são extremamente volumosas, com cargas de centenas de quilos ou mesmo toneladas de entorpecentes, além de armamento pesado”.

“A disputa pelo controle dos rios se dá de forma extremamente violenta, com abordagens e embates entre grupos criminosos fortemente armados, no meio de intensa troca de tiros, ocasionando combates letais com o objetivo de que o grupo vitorioso tome ou, caso contrário, mantenha a posse das drogas e armas transportadas”, disse o promotor.

Na avaliação de Ualame Machado, secretário de Segurança do Pará, o Comando Vermelho é bastante focado em fazer o tráfico doméstico na região, embora invista também no envio de remessas para o exterior. “Já o PCC normalmente age em um negócio mais alto, grande quantidades de droga, lava dinheiro. Eles trabalham muito com a lavagem de dinheiro, são especialistas nisso”, disse.

Como mostrou o Estadão, do uso de igrejas como fachada até a criação de contas em bancos digitais, o PCC tem diversificado as formas de lavar dinheiro para esconder os ganhos obtidos com o tráfico internacional de drogas e driblar a fiscalização da polícia.

A estimativa é de que o Primeiro Comando da Capital tem lucrado U$S 1 bilhão ao ano, sobretudo com o tráfico internacional de drogas, segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). O destino das cargas de cocaína é principalmente a Europa.

Vítimas registradas até agora 'são apenas a ponta do iceberg' da tragédia no RS, diz pesquisador da Fiocruz, BBC news, FSP

 Julia Braun

LONDRES | BBC NEWS BRASIL

Especialista em saúde pública e ciências ambientais, o pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Carlos Machado dedicou seus últimos anos ao estudo da preparação e resposta a desastres no Brasil.

Mulher sendo carregada por socorristas após sua casa ser inundada em Porto Alegre
Resgate em Porto Alegre: desastres ambientais causam sequência de danos variados, da saúde à infraestrutura - Reuters

Ao lado de outros especialistas, Machado compilou o número de óbitos e internações causados imediatamente e ao longo dos anos por enchentes como a do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, em 2008.

Segundo ele, as vítimas das inundações no Rio Grande do Sul nas últimas duas semanas "são apenas a ponta do iceberg" do que pode ser uma tragédia muito maior.

"Cada desastre tem características muito próprias, mas em todos eles os registros [de óbitos iniciais] constituem só a ponta do iceberg em termos de impacto na saúde", diz Machado, que foi indicado pela Fiocruz para fazer parte do Centro de Operações de Emergências para Situação de Chuvas Intensas e Inundações na Região Sul, instalado pelo Ministério da Saúde para responder à tragédia climática.

"Toda vez que um grupo de pesquisadores faz investigações sobre algum desastre e recupera os registros anos depois, descobre um número de óbitos e internações muito maior [do que o divulgado durante a crise]", aponta o pesquisador, professor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp).

SEQUÊNCIA DE DANOS

Os estudos elaborados por Machado e seus colegas levam em conta toda a cadeia de danos e sequelas provocados pelos desastres ambientais na saúde e na infraestrutura pública.

Segundo os estudos, entre as doenças e situações em que há aumento de incidência nas horas e nos anos após grandes inundações estão:

  • Doenças infecciosas e parasitárias, como diarreia, cólera, hepatite A, dengue, leptospirose e giardíase;
  • Desnutrição;
  • Doenças do olho, como conjuntivite;
  • Doenças do aparelho circulatório, como pressão alta e Acidente Vascular Cerebral (AVC);
  • Doenças respiratórias
  • Dermatite e erupções cutâneas;
  • Distensões musculares;
  • Infecções renais;
  • Lesões, traumatismos, cortes;
  • Hipotermia;
  • Choques elétricos;
  • Afogamentos;
  • Transtornos mentais e de comportamento, como estresse pós-traumático, ansiedade, pânico, depressão e abuso no consumo de álcool e medicamentos;
  • Violência doméstica.

Nas primeiras horas e dias após uma enchente, os óbitos e internações costumam vir das operações de resgate e socorro e consistem principalmente de traumas agudos.

Após algumas semanas e meses, durante o período chamado pelos especialistas de recuperação, doenças transmissíveis começam a ser diagnosticadas com mais frequência.

"Estamos falando das doenças mais tradicionais, como leptospirose, doenças diarreicas e hepatite, mas também daquelas relacionadas ao fato de muitas pessoas serem obrigadas a viver em abrigos após um evento como esse", explica o pesquisador da Fiocruz.

"Há um risco potencializado de gastroenterite pela forma como os alimentos são armazenados ou manipulados e de diarreia pelo acesso à água, pois a rede de fornecimento muitas vezes é interrompida ou contaminada."

Além disso, segundo Machado, os abrigos costumam ser ambientes com aglomeração e pouca ventilação, favorecendo a transmissão de doenças infecciosas respiratórias.

"No Rio Grande do Sul, de imediato, eu me preocuparia com as doenças respiratórias e os casos de hipotermia, porque há previsão de frio para os próximos dias e suspeito que, em algumas áreas, muitas pessoas tenham perdido seus agasalhos e cobertores."

Ainda de acordo com a análise de dados feita pelo pesquisador, casos de leptospirose podem permanecer em alta por meses após o desastre.

Foto aérea mostra lixo acumulado em Porto Alegre
Foto aérea mostra situação em Porto Alegre: comprometimento dos sistemas de saneamento, coleta de lixo e fornecimento de água após enchentes afeta saúde da população - Reuters

Ao mesmo tempo, há tendência de elevação dos casos de doenças não transmissíveis e problemas de saúde crônicos devido à desestabilização do sistema de saúde e do dia a dia dos pacientes.

Segundo o Ministério da Saúde, até a manhã de sábado (11), ao menos 290 locais como hospitais e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) haviam sido atingidas de alguma forma pelo desastre no Rio Grande do Sul.

Há 18 hospitais totalmente danificados e que não terão condições de voltar a realizar atendimentos. Outros 75 estão com funcionamento parcial.

Com isso, há a interrupção de tratamentos de doentes crônicos, diz Machado.

Emergências não relacionadas ao desastre também podem deixar de ser priorizadas.

"E mesmo aqueles que não dependiam do atendimento das unidades básicas de saúde muitas vezes saíram de casa sem levar seus medicamentos para tratamento contínuo".

Somado a toda a desestruturação da vida dos habitantes da região, esse cenário tende a levar a altas de casos de pressão alta e AVC, por exemplo.

O pesquisador da Fiocruz computou os registros de internações por AVC meses antes e após as inundações em Santa Catarina em novembro de 2008, que atingiram 1,5 milhão de pessoas e deixaram cerca de 150 mortos durante e imediatamente após a crise.

O levantamento mostrou picos nos casos de AVC nas semanas após a tragédia e em abril de 2009, cinco meses depois. Mas os níveis ficaram mais altos do que em outros momentos por ainda mais tempo.

"Em Santa Catarina, os AVCs subiram a níveis bem acima da média e só voltaram ao normal cerca de oito meses depois", relata Carlos Machado.

PERÍODO DE RECONSTRUÇÃO

Outro fenômeno registrado pelos pesquisadores, e que pode se repetir no Rio Grande do Sul, tem relação com o período de reconstrução das casas e infraestruturas destruídas, além de fraturas decorrentes de acidentes de trabalho.

Em 2008, as internações por fraturas em Santa Catarina chegaram a um patamar acima da média por volta de cinco meses após as inundações.

"Por pior que sejam as condições, as pessoas sempre vão voltar e tentar reconstruir suas casas. Mas, infelizmente, nem sempre com as ferramentas e segurança correta", diz Machado.

Cerca de 101 mil casas já foram destruídas ou danificadas pelas fortes chuvas que há dias assolam o Rio Grande do Sul, segundo estimativa da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

Até o momento, o desastre climático afetou 449 dos 497 municípios gaúchos.

Por conta de toda a destruição, Machado afirma que uma onda de migração interna também não seria surpreendente.

"Algumas áreas vão permanecer comprometidas durante bastante tempo e há um contingente significativo de pessoas em abrigos que precisará ser realocado", diz.

"A médio e longo prazo, devemos notar uma saída da população de alguns municípios."

O risco nesse caso, segundo ele, é sobrecarregar o sistema de saúde pública das áreas menos afetadas.

Isso aconteceu após a passagem do furacão Maria em Porto Rico em 2017, quando muitas pessoas fugiram da capital afetada e se deslocaram para municípios menores, com infraestrutura precária.

As autoridades locais contabilizaram oficialmente 64 mortes relacionadas ao furacão. Mas um estudo posterior realizado pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, em colaboração com as universidades Carlos Albizu e Ponce, em Porto Rico, mostrou que o número de mortes resultantes direta e indiretamente do desastre natural foi, na verdade, 72 vezes maior, chegando a 4.600 vítimas.

Os especialistas afirmam que o número aumentou, entre outros motivos, por conta da interrupção dos serviços de saúde, dos cortes de energia elétrica e da devastação generalizada provocada pela tempestade, que deixou US$ 90 bilhões em danos.

Casa destruída caída em carro em Porto Rico após furacão Maria
Estudo indicou número total de mortos 72 vezes maior do que o contabilizado pelas autoridades após passagem do furacão Maria em Porto Rico em 2017 - Reuters

DOENÇAS MENTAIS, ALCOOLISMO E VIOLÊNCIA

Estudos sobre desastres ambientais em diversas partes do mundo também mostram o efeito dessas tragédias na saúde mental.

Segundo Machado, há aumento de casos de estresse pós-traumático, insônia, amnésia, fobias, ansiedade, depressão e outros transtornos. Também não é incomum que famílias atingidas pelas enchentes tenham que lidar com abuso de substâncias.

Faz parte também da cadeia de consequências em relação à saúde mental a violência familiar e o abuso no consumo de álcool e medicamentos entre adultos, e distúrbios de comportamento em crianças e jovens.

A violência de forma geral também tende a subir em consequência da instabilidade social e dos prejuízos econômicos. Em alguns casos, meninas e mulheres podem estar mais expostas a assédio mental e sexual nos abrigos temporários.

"O Banco Mundial monitora os impactos econômicos no curto, médio e longo prazo após uma tragédia ambiental e percebemos que os impactos na saúde também podem seguir um ciclo semelhante", diz o especialista.

Homens andam por ruas inundadas em busca de sobreviventes em Canoas
Homens andam por ruas inundadas em busca de sobreviventes em Canoas, Rio Grande do Sul - Reuters

A MELHOR RESPOSTA POSSÍVEL

Mas tudo isso pode ser minimizado se a resposta em saúde pública for adequada, afirma Machado.

As previsões sobre as possíveis ondas de doenças, contaminações e internações devem ser utilizadas para organizar o atendimento à população afetada quando a água baixar, com foco em retomar tratamentos para doenças crônicas e transtornos mentais, diz.

Segundo o especialista, a resposta dos serviços de saúde deve seguir os ciclos das doenças e dos problemas que tendem a aparecer até um ano após as enchentes.

Também é essencial a instalação de hospitais de campanha e o envio de profissionais de saúde qualificados para as áreas atingidas.

O Ministério da Saúde ordenou a montagem de cinco unidades de hospitais de campanha no Rio Grande do Sul. O órgão também afirma ter disponibilizado 50 kits de emergência com medicamentos e insumos, cada um com capacidade para atender 1.500 pessoas durante um mês.

O governador Eduardo Leite também anunciou a liberação de aproximadamente R$ 70 milhões em recursos para a saúde, destinados para rede hospitalar, de saúde mental e atenção primária, além de R$ 12 milhões para qualificar a infraestrutura dos abrigos.

"A principal dificuldade no momento está na logística do transporte, por conta dos bloqueios por terra e ar", lamenta o especialista da Fiocruz.

Mas a principal forma de reduzir os riscos, segundo ele, está na prevenção e, em especial, na adaptação do serviço de saúde aos riscos climáticos.

"Não podemos continuar a ter serviço de saúde, hospitais ou unidades básicas em áreas vulneráveis. E se tivermos, eles têm que estar adaptados, por exemplo, a inundações frequentes", diz.

Também é importante, segundo Machado, priorizar trabalhos de orientação e conscientização de moradores de áreas vulneráveis para que, caso não consigam deixar suas casas, pelo menos saibam como agir em caso de emergência.

O pesquisador da Fiocruz é um dos muitos especialistas envolvidos na elaboração do novo Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, cuja previsão de entrega é junho deste ano.

O projeto está previsto na Lei de nº 12.608 de 2012, mas somente agora será implantado.

"Não dá mais para a gente continuar a trabalhar como se cada desastre fosse a primeira vez", diz o especialista.

"Precisamos avançar no Brasil em um pensamento mais prospectivo e com a certeza de que já estamos atrasados."

Ruy Castro - A voz um do outro, FSP

 Há dias, o celular de Heloisa, minha mulher, pifou. Algo a ver com a sobrecarga do WhatsApp, travando tudo e ameaçando apagar os endereços, mensagens, fotos, textos e vídeos que não estivessem na "nuvem". Precisou ser "reiniciado" na loja (escrevo essas palavras entre aspas porque não sei muito bem o que significam) e levou três dias para ressuscitar. Para muitos, três dias sem o bicho são uma eternidade.

Heloisa não é das mais dependentes do celular. Pode passar quase 30 minutos sem usá-lo e sem apresentar sintomas de abstinência, como tremores ou palpitações. Mas o mundo está agora tão organizado em função ou ao redor do celular que, sem ele, a vida ficou impossível —não se pode mais enviar ou receber mensagens, pagar contas, fazer compras, chamar um táxi, dividir 159 por 31 ou fritar um ovo.

Apesar disso, assim como Woody Allen, Luís Fernando Veríssimo e, dizem, Caetano Veloso, não possuo celular. Continuo com um telefone fixo, para o qual poucos ligam e que menos ainda atendem, porque pensam que sou o telemarketing. Como já não estou em idade de aprender eletrônica avançada, paciência.

Certa vez me contaram que, nos anos 80, quando O Globo informatizou sua Redação e instalou os computadores, os jornalistas, como se esperava, odiaram. Alguns até choraram ao ver as queridas máquinas de escrever partindo para o exílio no depósito. Meses depois, houve uma pane no sistema e os computadores apagaram. Mas, como o jornal tem de sair, os contínuos foram buscar a salvação no depósito. E de lá voltaram cada qual com uma Remington na cabeça, para delírio da Redação.

Coisa parecida aconteceu aqui em casa. Com o colapso no celular de Heloisa e a urgência de fazer certas comunicações, meu moribundo telefone fixo viveu sua redenção. Foi convocado e cumpriu a função para a qual o inventaram: permitir que seres humanos ouvissem a voz um do outro.

Doris Day e James Stewart em cena de "O Homem que Sabia Demais)
Doris Day e James Stewart na versão de Alfred Hitchcok para 'O Homem que Sabia Demais' (1956) - Divulgação