quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Eleições 2020 terão o maior número de candidatos militares dos últimos 16 anos, FSP

 A eleição de 2020 já é a disputa municipal com o maior número de candidatos policiais e militares dos últimos 16 anos. Em números absolutos, são 6,7 mil postulantes aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em todo país, superior ao total registrado em 2012. O aumento dessas candidaturas também é de 12,5% em relação à eleição de 2016. Esses números, no entanto, podem ser ainda maiores, segundo especialistas, porque há casos de policiais ou militares que se autodeclaram apenas servidores públicos.

No levantamento feito pelo G1 na base do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram considerados policiais militares, civis, bombeiros militares, integrantes das Forças Armadas e militares reformados. Entre essas categorias, a que apresenta a maior variação proporcional é a de integrantes das Forças Armadas, com aumento de 48% no comparativo com 2016. Mas em números absolutos essa categoria soma apenas 182 militares. Policiais militares, por outro lado, mantêm o maior número de candidatos de toda a série, chegando agora a 3,5 mil postulantes a um cargo político.

Como variou o número de candidatos de militares, por patente, em cada eleição municipal entre 2004 e 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

Como variou o número de candidatos de militares, por patente, em cada eleição municipal entre 2004 e 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

O aumento das candidaturas de militares neste ano é levemente maior que o total das candidaturas, que teve um crescimento de cerca de 10% quando comparadas com as de 2016. A maior parte dos militares candidatos disputa uma vaga para as Câmaras municipais (5,9 mil). Outros 387 são postulantes ao cargo de prefeito.

Quantos militares disputam cada cargo nas eleições municipais de 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

Quantos militares disputam cada cargo nas eleições municipais de 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

A distribuição dos candidatos militares por partido mostra que o PSL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, apresenta o maior número de registros. São 649 candidatos. Logo depois aparecem Republicanos (433), PSD (422) e MDB (402).

Número de candidatos militares, por partido, nas eleições municipais de 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

Número de candidatos militares, por partido, nas eleições municipais de 2020 — Foto: Wagner Magalhães/G1

Na avaliação do professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Adriano Codato, o crescimento de candidaturas de militares costuma estar associada a crises na área da segurança, quando o tema ganha muita visibilidade e acaba estimulando a participação de agentes da segurança nas eleições. O aumento neste ano, no entanto, pode estar associado à eleição de Bolsonaro.

“Como a crise de segurança pública já se tornou uma questão obrigatória da agenda política, como acesso à saúde, a questão da política de educação, e não houve um grande evento crítico, exceto as execuções aleatórias no Rio de Janeiro, a eleição de Bolsonaro em 2018, um candidato cuja carreira política esteve bastante identificada com os agentes de segurança, funcionando como um ‘super-sindicalista’ dessas categorias sociais de Estado, é razoável especular que sua presidência tenha trazido mais visibilidade a esses atores políticos e, assim, aberto uma janela de oportunidade a mais”, diz Codato, que é também coordenador do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil na UFPR.

A participação de mais candidatos militares altera o tipo de campanha. Segundo Codato, militares na política tendem a estimular discursos mais radicais de lei e ordem, mas ele destaca outro ponto relativo à atuação de políticos militares nas casas legislativas.

“A presença de forças repressivas do Estado nas campanhas eleitorais em geral traz mais radicalização para o discurso político, mas, também em termos gerais, é uma pregação aos radicais já convertidos ao radicalismo. O que um estudo recente aqui da UFPR mostra é que a atuação parlamentar dos policiais militares nas Assembleias Legislativas mostra baixa iniciativa e baixa capacidade de aprovação de temas ligados à segurança”, observa Codato.

Diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima considera negativa a eventual eleição de candidatos militares porque se cria mais confusão entre os papeis que eles terão que desempenhar. Ele defende o afastamento definitivo de servidores que desejam concorrer a cargos eletivos.

“Não há fronteiras nítidas entre polícia e política e isso é ruim. O uso de títulos militares ou cargos como ‘delegados’ pelos candidatos estimula a confusão e a ideia de voto pela ‘ordem’. Isso é ruim e o Brasil precisa olhar com cuidado. Juízes e promotores precisam sair das carreiras caso queiram ser candidatos. Agora, se saírem das carreiras, é legítimo, é saudável que exista o interesse pela política. É do jogo democrático. O que não dá é querer o melhor dos dois mundos”, afirma Lima.

Segundo o diretor-presidente do Fórum de Segurança, o interesse dos militares pela política vem crescendo antes mesmo de 2018, e parte disso se deve ao que ele chama de uma “convergência ideológica”, que uniu interesse pela pauta da ordem e dos costumes, e não um interesse pela política de segurança em si.

“Vejo o movimento de crescimento dos policiais na política como um processo que teve início muito antes do que 2018, que foi apenas o ápice de um processo de convergência ideológica entre pautas policiais e a pauta bolsonarista. Os policiais são peças-chave para entender o bolsonarismo, que não é só um projeto da família Bolsonaro. É a tradução de uma retomada conservadora mais ampla no Brasil. O foco deles não é a segurança pública em si, mas o debate sobre ordem e costumes, onde a ideia de autoridade ganha relevo”, aponta Lima.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Em Prudente, candidatos tentam se colar em imagens de Bolsonaro e de antigo cacique político local, FSP

 Paulo Batistella

PRESIDENTE PRUDENTE

Era comum encontrar Agripino Lima (1931 - 2018) no santuário Morada de Deus, em Álvares Machado, onde morava o ex-prefeito de Presidente Prudente. Ele foi o idealizador do local com representações em tamanho real da Via Sacra e uma igreja envidraçada de 50 metros de altura.​

Lima se empolgava ao contar a história que motivou a obra religiosa na área verde no município vizinho a Prudente (a 556 km distância de SP): uma carona que deu no interior de Mato Grosso do Sul a um sujeito misterioso, que, meses depois, disse ter reconhecido ser Jesus Cristo.

Outdoors com imagens de Bolsonaro e Agripino
Outdoors com imagem do presidente Jair Bolsonaro e do ex-prefeito Agripino Lima em Presidente Prudente (SP) - Paulo Batistella/Folhapress

Em Prudente, a fama de Agripino, que morreu há dois anos, aos 86, vai além da experiência mística. Foi megaempresário e prefeito por três vezes.

Nas eleições de novembro, a primeira em 38 anos sem atuação de Lima e com número recorde de chapas (12), os candidatos tentam se colar a imagens dele e de Jair Bolsonaro (sem partido), que teve 78% dos votos válidos da cidade, com cerca de 170 mil eleitores, no segundo turno de 2018.

A três meses do pleito, incursões publicitárias na televisão e outdoors espalhados pela cidade já estampavam o rosto de Agripino em convite a uma exposição fotográfica sobre a trajetória do político, iniciativa da fundação que leva o nome dele.

Um canal televisivo da família dedicou ao patriarca um documentário que conta com depoimento do ex-presidente Michel Temer (MDB), de quem Agripino foi colega na Assembleia constituinte de 1987 —o ex-prefeito também foi deputado estadual e duas vezes vereador.

À frente de ambas iniciativas, que dizem celebrar o que seriam os 89 anos do político, está Paulo Lima (PSD), filho mais novo de Agripino, três vezes deputado federal e candidato pela primeira vez à prefeitura prudentina.

Apesar do parentesco, Paulo tem dificuldade em capitalizar com a imagem do pai. Ainda respingam sobre ele brigas familiares que vieram a público na virada do século, com agressões registradas em boletins de ocorrência, envolvendo a separação dos pais e o controle do patrimônio familiar.

A construção da fortuna teve início na década de 1970, quando Agripino, ex-caminhoneiro e vendedor de livros, já era bacharel em direito e professor. Amigo de um sobrinho de Golbery do Couto e Silva, eminência parda da ditadura militar, ele recebeu aval do general para fundar junto de Ana Cardoso Maia, então sua esposa, o que viria a ser a Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), hoje com mais 18 mil alunos.

Nos anos 1990, construiu com recursos próprios o maior hospital da região, hoje estadualizado, e incorporou propriedades rurais e veículos de comunicação ao patrimônio da família. Elegeu-se prefeito pela primeira vez em 1992.

Chegou a ser investigado por enriquecimento ilícito e fraudes fiscais, entre outras ações, mas nunca foi condenado. As acusações envolviam o uso da mantenedora da universidade, isenta de tributos, para benefício próprio —o santuário à beira da rodovia Raposo Tavares é também um campus.

Com perfil explosivo, Agripino protagonizou disputa acirrada com Paulo Maluf por candidatura ao Palácio dos Bandeirantes em 1998 e ganhou projeção nacional em 2002, no auge do conflito agrário no Oeste Paulista, ao mobilizar maquinário e servidores públicos para impedir a chegada de uma marcha do MST (Movimento Sem-Terra) à maior cidade da região. Na época, ameaçou matar a tapas José Rainha Júnior, então líder sem-terra.

Em 2004, quando Agripino foi eleito à prefeitura pela terceira vez, pelo PTB, o filho Paulo preferiu selar apoio partidário à chapa opositora —desde então, nunca mais se elegeu para cargos públicos.

Agora, o filho caçula repete até o apelo religioso do pai, que vivia com um grande crucifixo pendurado no pescoço e construiu 15 igrejas na periferia prudentina, em aliança com a Diocese local: para vice, convidou um padre, Milton Gonzaga, que pendurou a batina por ora.

Procurado, Paulo não respondeu ao contato da Folha. O filho ainda precisa rivalizar com outros herdeiros políticos do pai na cidade. Um deles é o deputado estadual Ed Thomas (PSB), em seu quarto mandato, próximo de Agripino em pleitos anteriores e agora candidato pela segunda vez a prefeito.

Apesar de seu partido se opor aos governos federal e estadual, Thomas tenta ao menos uma aproximação com Bolsonaro, com quem tem fotos e mensagens de agradecimento por recursos nas redes sociais.

Outro afilhado de Agripino envolvido na disputa é Milton Carlos de Mello (DEM), o Tupã, que abandonou sua pré-candidatura para lançar o correligionário Laércio Alcântara. Mello foi secretário de Obras de Lima e se elegeu prefeito pela primeira vez em 2008, com a benção do tutor.

Em 2012, no entanto, os dois romperam e foram concorrentes. Agripino, à época, insistiu na candidatura, em que o filho Paulo era vice, mesmo estando inelegível —havia sido cassado no mandato anterior por ter dispensado licitação na compra de equipamentos para um planetário na cidade.

Na ocasião, proibido de fazer campanha, Agripino chamou o ex-pupilo de traidor e disse, em entrevista a uma de suas rádios, que havia recebido um telefonema de Nossa Senhora em seu apoio.Tupã venceu novamente e ainda emplacou como sucessor Nelson Bugalho (PSDB), que bateu justamente Agripino —Lima ficou em terceiro, mesmo sob especulações quanto ao seu estado de saúde e à idade avançada.

Bugalho concorre agora à reeleição, já sem aliança com Tupã. O atual mandatário tem apoio do ex-prefeito Mauro Bragato (PSDB), em seu décimo mandato na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e histórico rival de Agripino. Ele próprio protagonizou embates com Lima, a quem chama de professor e diz ter respeito, quando atuava como promotor de Justiça —hoje está licenciado.

O prefeito espera ter o apoio de João Doria (PSDB), apesar do apelo local de Bolsonaro. Ele pontua que a dobradinha com ambos funcionou em 2018 e que não está plenamente alinhado ao governador.

"Em relação à pandemia, não concordo com todas as ações que foram tomadas. Nem pelo governo estadual nem pelo federal. Os prefeitos poderiam ter tido uma maior liberdade."

Também na disputa, o empresário Guilherme Piai, do PSL, tenta replicar uma chapa bolsonarista, com uma militar de vice, a policial reformada Neyla Pinheiro. Ele diz em seu material de campanha ter Agripino como referência.

"Ninguém vai se eleger aqui sendo crítico ao governo federal ou ao Agripino", diz o geógrafo Rafael Freire, doutorando pela Unicentro (Universidade Estadual do Centro Oeste) e pesquisador sobre os grupos de poder locais. Associar-se a ambos será fundamental, mas com destaque para o ex-prefeito: "Ele é uma personalidade com muito menos rejeição em Prudente do que o Bolsonaro".

Ainda concorrem José Lemes Soares (PDT), empresário ligado ao ramo dos transportes e sobrinho de um ex-prefeito, Glauco José Bazzo (PTC), João Felício Figueira (PRTB), Juliano Borges (PODE), Marcos Lucas (Avante), Luís Valente (PT) e Fábio Sato (MDB), segundo colocado em 2016, a 1.034 votos de Bugalho.

Sem conexões com figuras históricas da política prudentina, Sato tem seus fiadores em Brasília: assumiu o MDB local a convite do deputado federal Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, e tem em sua coligação o Cidadania, presidido por Roberto Freire, de quem foi assessor no Ministério da Cultura, na gestão Temer.

Apesar de não ser herdeiro de Agripino e de dizer que "a cidade quer perder esse vínculo com o estilo coronel de governar", Sato evita antagonizar abertamente com o ex-prefeito. "É o que eu sempre digo: o Agripino Lima está acima de acordos políticos. O maior legado dele é nunca ter perdido a conexão com o povo, e quem se inspirar nisso vai estar no caminho certo", afirma.​​​