quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Pacientes não pararam de perguntar sobre o que poderiam se permitir, FSP

 Para lidar com a pandemia, há três caminhos.

Há os valentões, que explicam a todo mundo que eles não têm medo. Claro, eles são os mais medrosos. Por isso, precisam mostrar o contrário sem parar. Por isso, carregam consigo caixas de remédios milagrosos como amuletos. Por isso, se por acaso se contaminarem e se curarem, eles transformam seu final feliz numa celebração indecente, de polegares erguidos e sinais de vitória.

Há os obcecados, para os quais não existem exceções, só o isolamento absoluto salva.

E há os indulgentes, que se tornam mestres na arte de encontrar racionalizações que justifiquem condutas de risco —eu só vejo amigos que se cuidam muito (pois é, se cada um deles vê amigos “que se cuidam”, multiplique, faça a conta).

Ilustração mostra Jair Bolsonaro olhando dentro da própria calça. Em seu bolso, uma caixa de remédio. Ao fundo uma espingarda emoldurada
Luciano Salles

Valentões, obcecados e indulgentes, todos mudaram radicalmente, nos últimos meses, sua relação com o corpo dos outros (próximos ou desconhecidos) e com o espaço público (a rua, o prédio, as lojas…).

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Em poucos casos isso aparece tão claramente quanto na prática do sexo casual.

O isolamento fechou os clubes de suingue e as saunas (mistas ou gays) mundo afora (junto com templos e igrejas).

Eles estão reabrindo. Com precauções —medem a temperaura, pedem uso de máscara, reduziram o número máximo das pessoas no clube etc.

Se estivesse em Roma (e com IgG reagente na sorologia), não teria perdido a reabertura do Olimpo Therme (uma famosa sauna para casados e descasados).

Ao longo desses meses, meus pacientes não pararam de me consultar com perguntas sobre o que eles ou elas poderiam se permitir. Sexo oral contamina? As secreções vaginais e o sêmen contêm o vírus?

As perguntas lembravam, aliás, os anos 1980 e o começo da epidemia de Aids, e eu estranhava que a gente, desde então, não tivesse aprendido nada —uma proibição geral e abstrata só produz cada vez mais condutas de risco.

Por uma razão simples —a fantasia e o desejo sexuais são forças com as quais qualquer negociação é difícil, senão impossível. Dizer “não transe” é tão patético quanto querer limitar as gravidezes indesejadas na adolescência pregando a abstinência sexual.

É preciso, ao contrário, levar o desejo sexual a sério —sempre.

Quase todas as culturas promovem um ideal de autocontrole. O homem é ou deveria ser capaz do domínio de si. É provável que esse ideal de autocontrole surja justamente diante do “mistério” de que nosso desejo sexual é involuntário, ou seja, de que não o controlamos.

Mas é só a cultura ocidental que, a partir do cristianismo, inventou a solução de reprimir diretamente o desejo sexual. Com dois corolários: 1) o que você não consegue reprimir em você mesmo reprima nos outros e 2) vamos fazer de conta que a mulher não tem desejo próprio, mas é a tentadora, responsável pelo descontrole masculino.

Enfim, voltando à reabertura do Therme Olimpo, suspeito que a volta dos clientes no primeiro dia tenha sido sobretudo uma declaração de resiliência à qual me associo —20 séculos de cristianismo não sufocaram a tradição libertária e libertina. A pandemia tampouco conseguirá.

Lembrei-me, justamente, da pergunta de uma paciente poucos dias atrás, “você acha que a máscara pode ser de couro?”.

Nota. Muitos afirmam que o mundo futuro será melhor. Eu mesmo cheguei a pensar que uma pandemia planetária poderia nos curar de nossos miseráveis afetos patrioteiros. Pois bem, acordei terça-feira com este sonho: “É um mundo depois da Covid. Estamos num aeroporto e vamos embarcar. Há uma grande mesa cheia de carimbos. As pessoas não entendem o que é para fazer com eles, mas, verifico que são apenas decorativos, tipo ‘bem-vindos à Austrália’, para enfeitar o passaporte. Uma agente alfandegária nos chama, ela abre uma caixa de papelão que faz parte da minha bagagem e retira um pano que, de um lado, parece um Mondrian (só que de cores mais sombrias), e, do outro, mostra uma paisagem melada com azaleias rosas, céu e águas azuis —parece um quadro de restaurante chinês barato. A funcionária diz que é uma bandeira e que todos os símbolos nacionais são agora ilegais. Eu sei que ela plantou na caixa aquela mercadoria proibida, que não é nossa. Estamos atrasados. O que fazer? Ela me leva num canto e me diz que a bandeira está à venda, e que talvez seja mais fácil eu comprá-la. Puto, enfio a mão no bolso e penso que o mundo não mudou tanto assim”.

Contardo Calligaris

Psicanalista, autor de 'Hello Brasil!' (Três Estrelas), 'Cartas a um Jovem Terapeuta' (Planeta) e 'Coisa de Menina?', com Maria Homem (Papirus)

Cientistas brasileiros criam soro com anticorpos de cavalo capaz de neutralizar coronavírus, OESP

 Roberta Jansen, Rio

12 de agosto de 2020 | 23h59

RIO - Um soro inteiramente desenvolvido no Brasil apresentou anticorpos neutralizantes até 50 vezes mais potentes contra o Sars-CoV-2 do que os presentes no plasma sanguíneo de pessoas que tiveram covid-19.

O resultado foi considerado "excelente" pelos cientistas que desenvolveram o produto e abre caminho para um tratamento mais eficiente contra a doença. Os pesquisadores aguardam uma autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para começar a testar o soro em seres humanos.

Em maio, cinco cavalos do Instituto Vital Brazil (IVB) foram inoculados com uma proteína S recombinante do coronavírus produzida na Coppe/UFRJ. Depois de 70 dias os plasmas de quatro animais apresentaram anticorpos de 20 a 50 vezes mais potentes cont
Em maio, cinco cavalos do Instituto Vital Brazil (IVB) foram inoculados com uma proteína S recombinante do coronavírus produzida na Coppe/UFRJ. Depois de 70 dias os plasmas de quatro animais apresentaram anticorpos de 20 a 50 vezes mais potentes contra a covid-19.  Foto: Instituto Vital Brazil

O plasma de pessoas que tiveram covid já está sendo usado no tratamento da doença, como uma forma de oferecer anticorpos extras para o paciente que ainda luta para combater ao vírus. O princípio do soro é semelhante.

A diferença é que ele está sendo produzido em cavalos e, segundo os primeiros resultados, é muito mais potente. Esses anticorpos são posteriormente purificados e podem ser injetados nos pacientes.

"Temos que fazer tudo com muito cuidado para não criar falsas ilusões", ponderou o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj)Jerson Lima Silva, que é pesquisador da UFRJ (Univesrsidade Federal do Rio de Janeiro) e participou do projeto. "Mas a resposta foi impressionante, muito acima das nossas expectativas."

O trabalho será submetido à publicação nesta quinta-feira, 13, em sessão científica na Academia Nacional de Medicina (ANM). Na mesma ocasião, Lima Silva, que é pesquisador da UFRJ e participa do projeto, anunciará o depósito de uma patente do soro.

Em maio, cinco cavalos do Instituto Vital Brazil (IVB) foram inoculados com uma proteína S recombinante do coronavírus produzida na Coppe/UFRJ. Depois de 70 dias, os plasmas de quatro animais apresentaram anticorpos de 20 a 50 vezes mais potentes contra a covid-19. O quinto animal também apresentou anticorpos, mas em menor volume.

"Estamos todos vibrando com o resultado", afirmou o presidente do Instituto Vital Brazil, Adilson Stolet. "Foi muito bom, excelente, maravilhoso."

Segundo Lima Silva, um dos motivos da obtenção de uma resposta imune tão boa, tanto em termos de anticorpos detectados quanto de sua capacidade para matar o vírus, é que os cientistas usaram uma proteína recombinante inteira e não apenas fragmentos.

A proteína S produzida no Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ também propiciou o desenvolvimento de um novo teste sorológico para detecção de anticorpos para covid-19.

soroterapia é um tratamento bem-sucedido, usado há décadas contra doenças como raiva e tétano e também para picadas de abelhascobras e outros animais peçonhentos, como aranhas e escorpiões. Os soros produzidos pelo IVB têm excelente resultado de uso clínico, sem histórico de hipersensibilidade nem outras eventuais reações adversas.

"Uma das vantagens é justamente que usamos os soros há um século, como o antiofídico e o antitetânico", afirmou Adilson Stolet. "Sem falar no volume de plasma que pode ser produzido. Nós temos 300 animais, mas podemos comprar mais 500; em dois meses teríamos uma quantidade enorme de anticorpos."

Como se trata de uma tecnologia já muito conhecida, os pesquisadores esperam poder pular a fase de testes pré-clínicos e partir direto para os testes com seres humanos. Já existe uma parceria firmada com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) para a testagem.

"Mesmo que não consigamos uma eficiência de 100%, poderia ser uma estratégia também combinar essa terapia com a vacina", concluiu Lima Silva.

Soro obtido de cavalos pode ter anticorpos superpotentes contra o coronavírus, FSP

 Cláudia Collucci

SÃO PAULO

Soro obtido a partir do sangue de cavalos pode ter anticorpos neutralizantes contra o coronavírus até cem vezes mais potentes do que os de plasma de pessoas que tiveram a Covid-19, mostra estudo inédito que será apresentado nesta quinta (13) em sessão científica da Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro.

A descoberta de pesquisadores do Instituto Vital Brasil e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que pode levar a uma soroterapia contra o coronavírus (como no caso da raiva e do tétano, por exemplo), gerou uma patente que também será depositada nesta quinta.

O uso de anticorpos para tratamento de viroses vem sendo bastante estudado, especialmente a partir do plasma de pessoas em fase convalescente da doença, quando anticorpos com capacidade neutralizante estão presentes no sangue.

No caso da Covid-19, vários grupos tiveram sucesso na descoberta e no desenvolvimento de anticorpos monoclonais. Alguns produtos já estão em fase 3 da pesquisa clínica.

Por serem anticorpos humanos, a tolerância, a segurança e o efeito antiviral têm sido promissores, mas a eficácia só poderá ser atestada ou não ao fim dos ensaios clínicos. O custo também é alto.

Ao mesmo tempo, o uso de anticorpos derivados de animais capazes de neutralizar o vírus também tem sido pesquisado na China e na Argentina, por exemplo.

Segundo Jerson Lima Silva, pesquisador da UFRJ e presidente da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro), em maio plasmas de cinco cavalos do Instituto Vital Brazil foram inoculados com a proteína (S recombinante) do coronavírus, produzida no Coppe, um instituto de pesquisa da UFRJ.

“Poucos lugares do mundo estão produzindo uma proteína tão pura e tão grande, com mais mil aminoácidos. E ela tem a conformação que tem no vírus”, explica.

A proteína tem sido purificada no laboratório da professora Leda Castilho (Coppee/UFRJ). Durante seis semanas, foram feitas inoculações semanais nos cavalos.

“Fomos acompanhando a resposta imune nesses cavalos e, em quatro deles, a resposta foi impressionante. O quinto já teve uma resposta mais lenta, o que demonstra uma variabilidade. O sistema imune é complexo.”

A partir da quarta semana, os pesquisadores avaliaram também se os anticorpos que estavam no soro do cavalo eram capazes de neutralizar o vírus. “Quando comparado com o plasma de convalescentes, ele chega a ser até cem vezes mais alto”, diz Silva.

A patente depositada é referente a invenção de soro anti-Sars-CoV-2, produzido a partir de equinos imunizados com a glicoproteína recombinante da espícula (spike) do vírus Sars-CoV-2.

O pedido se apoia em todo o processo de produção do soro, a partir da glicoproteína: preparação do antígeno, hiperimunização dos equinos, produção do plasma hiperimune, produção do concentrado de anticorpos específicos e do produto finalizado, após a sua purificação por filtração esterilizante e clarificação, envase e formulação final.

O trabalho científico envolve parceria da UFRJ, IVB e Fiocruz e está sendo depositado no MedRxiv, um repositório de resultados preprint (antes da publicação em revista científica).

Agora, deve passar por todas as etapas de estudos pré-clínicos e clínicos, que ocorrerão em parceria o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

Só após a comprovação da eficácia e da segurança e de ser submetido à aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é que ele se tornará, de fato, um tratamento para pacientes com Covid-19.

Segundo Jerson Silva, ainda que até lá já exista uma vacina aprovada contra o coronavírus, a soroterapia continuará sendo uma opção.

“Mesmo tendo uma vacina para raiva, para tétano, continuamos tendo soro. Em um acidente, usa-se o soro”, afirma.

Além disso, ele lembra que as vacinas têm limitações. Há anos, por exemplo, que a gripe (H1N1) só tem 40% de proteção devido à mutação do vírus ocorrida entre a fabricação e a imunização das pessoas.
Fora isso, pelo menos no início, a vacinação contra o coronavírus estará limitada a grupos de risco.

Para o infectologista Esper Kallás, professor e pesquisador da USP, a vantagem do uso anticorpos a partir de plasma de mamíferos, como os cavalos, é que, por terem grande volume de sangue, o rendimento é maior.

Algumas desvantagens, explica ele, são a irregularidade da produção dos anticorpos dependendo do animal e o fato de serem diferentes dos anticorpos produzidos por humanos (em cavalos, são habitualmente do tipo IgT), o que resulta em maior reação das pessoas que recebem o produto.

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