sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Hélio Schwartsman O pacote e o povo, FSP (belo artigo)

O pacote e o povo

Já é hora de uma correção de rumos, que faça receitas e despesas se encontrarem

O vetor do pacote de medidas econômicas proposto pelo governo é claro: conter gastos e facilitar a vida do administrador público, que hoje vê sua já difícil tarefa complicar-se ainda mais por causa de uma série de obrigatoriedades, que vão das promoções de servidores por antiguidade à profusão de verbas carimbadas. As medidas guedianas são uma correção de rumos dolorosa, mas necessária.
Da redemocratização para cá, a sociedade brasileira deu, acertadamente, prioridade ao social. Foi assim que a Carta de 1988 e parte da legislação que a sucedeu criaram um bom número de direitos sociais e sistemas de benefícios. O país ficou melhor.
A proporção de pobres na população, que ficava acima dos 40% no início dos anos 90, está hoje na casa dos 25%. A escola, embora deixe a desejar em termos de qualidade, foi quase universalizada no nível fundamental. O SUS, em que pesem suas deficiências, é o maior sistema universal de saúde do mundo e o único mantido por um país de renda média.
Esses avanços foram financiados com o aumento da carga tributária, que passou do patamar de 25% no início dos anos 90 para 32% hoje. Não dá para continuar seguindo essa receita indefinidamente. Notem que estou falando da carga total, e não de como ela é distribuída, campo que comporta mudanças.
Mais, como é típico das democracias, adotamos as soluções que se mostraram politicamente factíveis, que nem sempre são as mais eficientes. Com o passar do tempo, acumulamos uma série de idiossincrasias que dificultam a administração. O melhor exemplo é a existência de quase 250 fundos regionais e setoriais, cujas verbas muitas vezes ficam paradas.
Acho que já é hora de uma correção de rumos, que faça receitas e despesas se encontrarem e imprima mais racionalidade à administração. A alternativa é produzirmos desarranjos econômicos que podem ter um custo social muito maior do que o do ajuste controlado.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Custosa mobilidade, Opinião FSP

Impactos econômicos e ambientais recomendam desincentivo ao uso do automóvel

Tráfego às 6h30 na avenida das Nações Unidas sob a ponte Octavio Frias de Oliveira, na zona sul de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress
O tráfego intenso e os longos deslocamentos necessários em diversas cidades brasileiras tomam, além de tempo, cada vez mais recursos dos usuários e da sociedade.
Estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) estimou os custos socioeconômicos da mobilidade urbana em nada menos de R$ 483,3 bilhões anuais, como mostrou o 3º Seminário de Mobilidade e Inovação organizado por esta Folha. O valor é 7% maior que o do levantamento anterior.
Entre os aspectos considerados estão os gastos individuais de usuários de transporte e de empregadores, os recursos do poder público para manter o sistema em funcionamento e os impactos sociais da movimentação dos habitantes, como os de emissão de poluentes e acidentes de trânsito.
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No plano individual, o ônus do transporte também vem aumentando. Na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 do IBGE, as despesas dos brasileiros com transporte superaram pela primeira vez as destinadas à alimentação —estas somam 17,5% do gasto doméstico, e aquelas, 18,1%. Carros e motos são os itens que mais pesam nessa balança, embora respondam por apenas um terço das viagens.
Além de custar mais e beneficiar uma parcela menor da população, o transporte individual consome quase o dobro de energia e polui duas vezes mais que o público.
Para evitar o agravamento de uma situação já dramática, governantes, em particular os das metrópoles, devem promover políticas de desincentivo ao uso de carros. 
Uma alternativa é a criação de pedágios urbanos, a restringir a circulação de veículos em determinadas áreas, como já se fez em cidades como Singapura, Estocolmo, Milão e Londres. Nova York entrará nesse rol até o fim de 2020.
Com os recursos angariados pela cobrança, municípios poderiam investir mais em seus sistemas de transporte público —opção para aqueles que não desejam tirar seus automóveis da garagem. 
Ações do gênero, reconheça-se, são politicamente difíceis, sobretudo num país que historicamente privilegiou o transporte individual.
Não se trata, contudo, de dificuldade intransponível. Pesquisa recente do Instituto Ipsos mostrou que 30% dos paulistanos proprietários de carro aceitariam abrir mão do veículo em favor de outro meio de transporte. Há boa margem, pois, para o avanço dessa agenda.