domingo, 26 de abril de 2015

O suicídio do jornalismo, Por Sylvia Debossan Moretzsohn OI

Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 21/04/2015 na edição 847
No início dos anos 1990, a internet ainda engatinhava no Brasil mas já começavam os debates sobre o futuro do jornal impresso e do próprio jornalismo diante da nova tecnologia. Em 1993, aFolha de S.Paulo promoveu seu primeiro fórum internacional para tratar desse tema. Um dos convidados, Warren Hoge, então chefe de redação adjunto do New York Times, sintetizou a crítica aos que exaltavam a hipótese de dispensar essa mediação essencial: os jornais, disse, dão ao público “aquilo que ele não sabe que precisa”.
Falava-se, então, em “informação personalizada”, ainda oferecida pelos jornais de sempre – o que hoje chamamos de “mídia tradicional” –, a partir da qual o público seria incentivado a montar seu próprio jornal. Seria uma expressão da liberdade de escolha. Na época, escrevi que esta seria “uma fórmula que expande o velho princípio do ‘direito de saber’: o público não apenas tem esse direito como já sabe o que quer e sabe onde encontrar. A consequência lógica é, por um lado, a segmentação da audiência e a formação de um círculo vicioso que termina por se revelar o contrário da diversidade prometida: a constituição de guetos fechados em torno de seus próprios interesses” (Jornalismo em ‘tempo real’. O fetiche da velocidade, ed. Revan, 2002, p. 170).
Rapidamente a hipótese de o público montar seu próprio jornal por esse método foi substituída pela exaltação do protagonismo desse mesmo público na produção de notícias. Sem qualquer base para argumentação, porque deveria ser evidente que esse público, de modo geral, não tem acesso às fontes que poderiam fornecer informações nem competência ou tempo para apurar o que quer que seja. Porém, com a ajuda de teóricos afamados que surfam a onda do momento e só produzem espuma, mas têm grande audiência inclusive e sobretudo no meio acadêmico, essa ideia libertária do jornalismo-cidadão se disseminou. E ajudou a minar o terreno em que se pratica o jornalismo profissional, dentro ou fora das grandes empresas de mídia.
Jornalismo caça-cliques
Ao mesmo tempo, as grandes empresas, no Brasil e no exterior, não parecem ter clareza do que devem fazer diante do campo aberto pela internet e, em vez de priorizarem o jornalismo, que exige distanciamento e rigor, cedem progressivamente ao imediatismo e à cacofonia das redes. A justificativa corrente é a de que a alteração no hábito de leitura e consumo de notícias provocada ou favorecida pela disseminação da tecnologia digital jogou o jornalismo num ambiente inédito e imprevisto, que retirou das empresas o sustento da publicidade tradicional. O resultado seria a caça ao clique, como forma de contabilizar uma massa de leitores atraente para o mercado publicitário, ainda que seja difícil estabelecer preferências de consumo – e, portanto, definir o “público-alvo” – num meio tão dispersivo e volátil como o virtual.
Ocorre que a caça ao clique é a morte anunciada do jornalismo, porque o que costuma excitar o público é a surpresa, o escândalo, o bizarro, o curioso, o grotesco. Em síntese, o fait-divers, que sempre foi elemento periférico para os jornais de referência.
O caminho da decadência
A gravidade da situação pode ser medida pela pesquisa publicada pela Quartz, site de notícias de negócios ligado à revista The Atlantic, que põe o Brasil na liderança de consumo de notícias no Facebook: dos 80% que dizem frequentar essa mídia, 67% afirmam utilizá-la para consumir notícias. Restaria indagar o que se classifica como “notícia”: há muitos anos, uma pesquisa sobre a audiência de programas radiofônicos populares indicou que boa parte daquele público considerava “notícia” a publicidade de promoções de supermercado, feita pelos animadores durante os programas.
Ao compartilhar o gráfico, a jornalista Lúcia Guimarães comentou:
“Assim como queimamos a etapa da leitura nos anos 60, passamos do vasto analfabetismo para um sistema sofisticado de TV que uniu o país (…), não vamos migrar para plataformas de jornalismo digital abrangente. Jornalismo, não importa se de papel, ou digital, é um pilar da democracia. Vamos passar direto ao desmonte da experiência da informação consequente.
“No momento em que a mídia no Brasil e nos EUA (New York Times a vários outros a bordo) considera ceder grande parte de sua independência à plataforma do Facebook (saem os links, Facebook vira o anfitrião do conteúdo jornalístico, controla o tráfego), as consequências, no caso do Brasil, são especialmente assustadoras. Já temos uma geração pouco educada e não leitora chegando à idade adulta convencida de que se informar é circular por aqui [pelo Facebook]”.
É a mesma geração que se “forma” nas escolas fazendo pesquisa pela internet sem a devida orientação, com resultados previsivelmente catastróficos.
Varal digital
Lúcia recorda que “a informação jornalística, para o Facebook, é apenas um arranjo para compor o cenário de outras plataformas mais lucrativas” e lembra um comentário de Mark Zuckerberg, definidor de seu conceito de notícia: “Um esquilo morrendo no seu jardim deve ser mais relevante para o seu interesse do que pessoas morrendo na África”. “A relevância a que se refere Zuckerberg”, diz Lúcia, “é a decidida pelo seu orwelliano algoritmo. Uma fórmula matemática decide o que é notícia neste varal digital.”
Daí a sua conclusão sobre o fim do jornalismo – não o jornalismo impresso, mas o jornalismo como o conhecemos e valorizamos –, como quem marcha “de olhos vendados na prancha do navio em direção ao mar”. Lúcia conclui:
“Informar não é agradar. Quem sabe, uma nova geração vai imaginar alternativas para esta alienação que já é claramente refletida no debate político brasileiro, contaminado por polarização e desprezo por fatos.
“Mas, a médio prazo, não posso me sentir otimista sobre este dilema no Brasil.
“Os novos destituídos não serão necessariamente os explorados num mercado de trabalho injusto. Serão os que não sabem, não querem saber ou não sabem o que mais há para saber”.
“Não sabem o que mais há para saber” porque estarão num tempo em que não haverá mais jornais para “dar ao público aquilo que ele não sabe que precisa”.
Assim se deformam os cidadãos involuntariamente alienados, como observou Janio de Freitas em sua coluna de domingo (19/4) na Folha de S.Paulo, ao criticar a falta de divulgação de informações relativas às discussões a respeito da reforma política, de óbvio interesse público: “Informação e ação pública andam a reboque. (…) Nem sempre quem cala consente. Depende de estar ou não informado”.
Reinventar o jornalismo?
Pensemos agora no quadro que vivemos atualmente: a onda de demissões nos principais jornais do país, parcialmente resultante da conjuntura econômica brasileira, que leva as empresas a recorrer ao mecanismo de sempre e reduzir custos cortando profissionais, justamente aqueles que poderiam garantir qualidade ao seu “produto”. Nessas horas retornam com força os apelos em torno da “reinvenção” não só do jornalismo mas do próprio jornalista, supostamente não qualificado para atuar nesse novo ambiente que, ao mesmo tempo, ninguém sabe como funciona ou para onde caminha.
Bem a propósito, o estudante de jornalismo Ricardo Faria lembrou de artigo da revista New Yorker de janeiro deste ano, um texto irônico sobre o “rei dos caça-cliques”, um criador de sites desenhados especificamente para viralizarem e lucrarem com cliques de Facebook (ver aqui). “É o retrato do espírito desta web”, comentou, destacando um trecho significativo em que o “empreendedor” explica seu processo de trabalho:
“Se eu fosse responsável por uma empresa de hard news e quisesse informar as pessoas sobre Uganda, em primeiro lugar eu procuraria descobrir exatamente o que está acontecendo por lá. Então buscaria algumas imagens comoventes e histórias que provocam emoção, faria um vídeo – de menos de três minutos – com palavras e estatísticas simples e claras. Frases curtas e declarativas. E, no final, diria às pessoas algo que elas pudessem fazer, algo que as levasse a se sentir esperançosas”.
“Aquela frase de Saramago ressoa na minha cabeça: ‘De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido’”, desabafou o estudante.
Mas trata-se de um estudante crítico. Quantos não verão aí uma saída “criativa” para a crise da profissão?
Não. Mudam as tecnologias, não os fundamentos. O jornalismo não precisa se reinventar: precisa corresponder ao ideal que o justifica e o legitima socialmente. Já se disse inúmeras vezes que o imediatismo e a cacofonia das redes tornam o jornalismo ainda mais necessário para filtrar, em meio à profusão de banalidades, boatos, falsidades e incorreções, o que é informação confiável e relevante. É, além de tudo, uma tarefa que exige compromissos éticos fundamentais, e isto não é retórica vazia: ética diz respeito a princípios e finalidades. Ética pressupõe autonomia e liberdade. Exige, portanto, uma luta permanente, sobretudo quando as empresas escancaram seu desrespeito a esses pressupostos.
Fábrica de produzir infelizes
Mas para fazer jornalismo é preciso contar com profissionais competentes. A recente onda de demissões atingiu muitos dos mais experientes. Alguns saíram a pedido, insatisfeitos com a falta de perspectiva de valorização na empresa. Os baixos salários da maioria e a falta de um plano de carreira são reclamações recorrentes. Entre os jornalistas começa a se difundir o sentimento de que esta é uma profissão para quem tem até 30 anos e não tem filhos, e que as redações são uma fábrica de produzir infelizes: gente mal paga e que não se reconhece no que faz. Considerando que o jornalismo é uma atividade à qual as pessoas se dedicam por prazer, não é difícil calcular o tamanho da frustração.
Reinventar-se e tornar-se empreendedor de si mesmo é o mantra desse mercado que desmantela qualquer perspectiva de estabilidade e joga purpurina sobre a dramática realidade da precarização, da qual as propostas de terceirização, atualmente em discussão e cinicamente vendidas como um benefício aos assalariados, são o exemplo mais acabado.
As mudanças no mundo do trabalho têm levado contingentes inteiros de trabalhadores qualificados a se degradar – perdão, a se “reinventar” –, obrigando-os a abandonar habilidades duramente aprendidas para se transformarem em pau para toda obra. Simplesmente porque é preciso sobreviver, e porque não se vislumbra saída imediata.
A crise que estamos enfrentando, e que não é de hoje, nos impõe uma resposta à altura, e esta resposta não será individual, como sugere a ideia de “reinventar-se”, que ignora a perspectiva coletiva, sem a qual nada muda. Para os jornalistas, em particular, essa resposta não pode dispensar a luta pela recuperação da dignidade e pela exigência do respeito aos princípios que norteiam a profissão.
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Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

sábado, 25 de abril de 2015

Encruzilhada demográfica


O ESTADO DE S.PAULO
24 Abril 2015 | 02h 07

Um estudo do IBGE mostra que o Brasil está a menos de dez anos de atingir o pico do chamado bônus demográfico - que se verifica quando as pessoas em idade ativa são mais numerosas do que as dos grupos etários que apresentam mais dependência, isto é, as crianças abaixo de 14 anos e os idosos acima de 65. Quanto maior a fatia dos ativos, maiores são as chances de impulsionar o desenvolvimento econômico, uma vez que essas pessoas produzem mais do que consomem, aumentando os recursos disponíveis por indivíduo.
Conforme mostra a publicação Mudança Demográfica no Brasil no Início do Século XXI, o problema é que, para aproveitar o bônus demográfico, seria necessário investir em qualidade educacional, algo capaz de retirar desses indivíduos em idade ativa o máximo possível de sua capacidade produtiva. Tal investimento nunca foi feito, senão de maneira esparsa, voluntarista e mal planejada. Com isso, os brasileiros produtivos, embora ainda majoritários, não conseguem gerar riqueza em escala suficiente para que se acumulem reservas que possam propiciar conforto ao conjunto da população quando esta apresentar um perfil mais envelhecido.
Como o País deve atingir o pico do bônus demográfico entre 2022 e 2023, o tempo é aparentemente curto demais para que os efeitos dos atuais investimentos em educação se façam sentir, mesmo na hipótese virtuosa de que estes tenham sido bem planejados e executados.
A emergência apontada pelo estudo do IBGE está no fato de que, a partir de 2045, a mortalidade no País será mais alta que a taxa bruta de natalidade e a taxa de crescimento demográfico. Ou seja, haverá cada vez menos pessoas em idade ativa - uma mudança demográfica com dramáticas implicações para o Brasil.
A queda do número de jovens está relacionada à acelerada redução da fecundidade, que era de 2,4 filhos por mulher em 2000 e chegou a 1,9 filho por mulher em 2010. A previsão é que essa taxa chegue a 1,5 filho por mulher em 2030, fazendo com que a proporção de pessoas com menos de 15 anos de idade caia a 17,6% em 2030, contra 30% no ano 2000.
Já a participação da população jovem de 15 a 29 anos de idade cairá de 26,7% em 2010 para 21% em 2030. A redução dessa fatia não se dá de maneira igual em todas as regiões. O estudo destaca o caso de Santa Catarina, que historicamente apresenta baixa fecundidade, mas que figura entre os Estados com maior crescimento de sua população jovem, em razão do fluxo migratório, mais acentuado nessa faixa etária.
O contrário se verifica em Estados do Norte e do Nordeste, onde, mesmo com taxas de fecundidade que estão entre as mais altas do País, a população jovem está decrescendo - fenômeno que, embora reduza os custos com educação, tende a prolongar o empobrecimento dessas regiões. Nenhuma política para melhorar as condições de vida, de escolaridade e de trabalho dos jovens pode ignorar essas diferenças regionais.
A faixa da população com mais de 60 anos, por sua vez, é a que apresentará a maior taxa de crescimento, com mais de 4% ao ano no período entre 2012 e 2022. Em números absolutos, a expansão é impressionante: eram 14,2 milhões de pessoas em 2000, passaram a 19,6 milhões em 2010 e devem chegar a 41,5 milhões em 2030 e a 73,5 milhões em 2060.
Tal quadro reforça a perspectiva real de que os sistemas previdenciário e de saúde venham a ser pressionados até o limite do colapso nos próximos anos. "É necessário entender as mudanças pelas quais tem passado a população, abrindo o debate para questões como a estrutura do financiamento das políticas públicas e a equalização de receitas e despesas da seguridade social", diz o texto do IBGE.
Em outras palavras, é preciso, o mais rápido possível, aperfeiçoar o atual modelo, em que a Previdência é financiada pelos trabalhadores na ativa. Uma solução óbvia e urgente, citada pelo próprio IBGE, é aumentar o limite de idade para aposentadorias. Os números apresentados pelo IBGE mostram que essa providência não é um mero capricho - tornou-se, sim, uma corrida contra o relógio.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

"UMA FLORESTA ATLÂNTICA NA CHÁCARA DO JOCKEY"

Resultado de acordo em torno de dívidas de IPTU, a Prefeitura Municipal de São Paulo entrou em posse da conhecida Chácara do Jockey, área de grande extensão, 150 mil metros quadrados, incrustada em área urbana consolidada, bairro de Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, estendendo-se da av. Francisco Morato à av. Eliseu Resende.
Várias são as idéias já lançadas para o aproveitamento público dessa grande gleba, todas certamente meritórias, mas, considerando a premente necessidade da capital paulista implantar dispositivos que permitam à cidade reter grande parte de suas águas de chuva e melhorar sua tão deteriorada qualidade ambiental urbana, a oportunidade de implantar nessa área um grande bosque florestado se impõe como objetivo destacadamente prioritário.
É sabido que a principal causa de nossas enchentes está na impermeabilização geral do espaço urbano, com o que praticamente todas as águas de chuva são lançadas rápida e diretamente sobre um sistema de drenagens que não lhes consegue dar a devida vazão.
Uma área florestada é capaz de reter perto de 100% das águas de chuva que recebe, enquanto uma área urbanizada, ao contrário, lança mais de 85% desse volume sobre o sistema de drenagem urbana.
Considerando a área em questão plenamente florestada e uma pesada chuva de 40 milímetros, estaríamos propiciando a retenção de algo em torno de 6 mil metros cúbicos, ou seja, deixando de sobrecarregar o sistema de drenagem com algo próximo a esse volume. Além de ter propiciado a infiltração de boa parte dessas águas.
Claro, um ou outro bosque florestado não irá resolver o problema das enchentes, mas a disseminação desse e de outros dispositivos urbanos de retenção de águas de chuva, como calçadas, valetas e pisos drenantes, reservatórios domésticos e empresariais, poços de infiltração, etc., o que envolve a adoção de uma outra cultura hidrológica pela cidade, começaria a fazer a diferença.
Além desse aspecto mais hidráulico, os bosques florestados atendem as funções urbanas de regulação climática, redução da poluição atmosférica, recarga de aquíferos, proteção de solos contra a erosão, proteção de margens e mananciais, abrigo e alimentação da fauna urbana, lazer, embelezamento da paisagem urbana, educação e aproximação física e espiritual dos cidadãos com a Natureza.
Esperamos que o prefeito Fernando Haddad se sensibilize por essa proposta e, ao decidir-se pela floresta atlântica da Chácara do Jockey, presenteie a população paulista com uma espetacular nova área florestada e sinalize para todo o país a adoção de uma nova cultura ambiental e hidrológica para os espaços urbanos.
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS é geólogo formado pela USP; ex-diretor de planejamento e gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT. É autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática" e "A Grande Barreira da Serra do Mar"
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