segunda-feira, 23 de junho de 2014

Ainda falta muito (1,2, e 3) - PAULO GUEDES

Ainda falta muito

A transição do antigo regime militar para a “Grande Sociedade Aberta” segue incompleta. A corrupção a céu aberto na política e a estagflação na economia são claros sintomas de uma travessia inacabada. Mas não há razão para desespero. Afinal, esta viagem histórica de aprofundamento nas práticas de democracia e mercado é a própria síntese de nossa marcha civilizatória. “A civilização ocidental começa com os gregos, os primeiros a iniciarem a transição de uma sociedade tribal submetida a poderes mágicos para a sociedade baseada na liberdade e na racionalidade humana. Começou na Grécia antiga esta grande revolução, que mesmo após milênios parece estar ainda em seu início: a transição para a “Grande Sociedade Aberta” registra o formidável filósofo da ciência Karl Popper, em seu clássico “A sociedade aberta e seus inimigos” (1945). Globalização, telecomunicações e internet? “A causa mais poderosa da ruptura das sociedades fechadas foi sempre o desenvolvimento do comércio e das comunicações. Muita evidência disso pode ser encontrada na história da Guerra do Peloponeso de Tucídides, o choque entre a democracia de mercado ateniense e o tribalismo oligárquico de Esparta” observa Popper.
Corrupção a céu aberto na política e estagflação na economia são claros sintomas de uma travessia inacabada rumo à Grande Sociedade Aberta
Outro episódio de proporções épicas nesta marcha evolucionária por aperfeiçoamento é descrito por Joseph Ellis, em “Verão revolucionário: o nascimento da independência americana” (2014): “As colônias acreditavam no princípio de que nenhum cidadão britânico teria de pagar tributos legislados sem seu consentimento. Como os americanos não tinham representação no Parlamento, revoltaram-se contra os impostos. Em 1774, em resposta ao quebra-quebra no porto de Boston, os britânicos impuseram lei marcial, transformando uma disputa constitucional em um conflito militar. Em 1775, o rei George III bloqueou ativos americanos, fechou portos e convocou extraordinária força militar para esmagar a incipiente rebelião. A incompetência dos britânicos e de seu rei foi uma providencial oportunidade para um script que seria intitulado a Grande Revolução Americana” Os desafios da globalização, das comunicações e do excesso de impostos são, como se vê, históricos. O importante é transformar tais desafios em oportunidades de aperfeiçoamento nessa longa travessia.
Fonte: O Globo, 09/06/2014.

Ainda falta muito II, por Paulo Guedes

Paulo Guedes, O Globo
A corrupção a céu aberto na política e a estagflação na economia são os sintomas de uma transição incompleta do Antigo Regime militar rumo à Grande Sociedade Aberta. A hipertrofia do Estado e a concentração de recursos e poderes na esfera da União são heranças malditas de um regime político fechado.
A centralização administrativa e a concentração de verbas no governo federal desvirtuam nossas práticas políticas. Em sua inapetência por reformas, sem ousar um ataque frontal às deformações herdadas, perdeu-se a social-democracia brasileira nessa dimensão fiscal.
Pela ausência de uma reforma fiscal, somos prisioneiros de práticas políticas degeneradas e de uma armadilha de baixo crescimento econômico. Décadas de combate à inflação sem disciplina fiscal resultaram em décadas de juros altos e câmbio baixo, derrubando as taxas de investimento e de crescimento econômico. Com os juros elevados, os sucessivos governos transferiram centenas de bilhões de reais aos rentistas.
Com a sobrevalorização cambial, aceleraram o ritmo da desindustrialização. A ininterrupta escalada dos gastos públicos trouxe também uma parafernália de impostos não compartilhados com estados e municípios, fugindo ao espírito descentralizador da Constituição de 1988. Verdadeiro manicômio tributário. Antirrepublicano. O Brasil se tornava o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores.
Uma mudança do regime fiscal que descentralize poderes e recursos para as diversas esferas administrativas de uma autêntica Federação completaria a passagem de um regime político fechado para a Grande Sociedade Aberta. Para auxiliar no combate à inflação, teria também de recalibrar a trajetória futura dos gastos públicos.
Por ignorância econômica, predisposição ideológica e conveniência política, tucanos e petistas mantiveram as engrenagens centralizadas do Antigo Regime. Receberam em troca apoio das criaturas do pântano, políticos fisiológicos e grupos econômicos oportunistas.
“Ventania por mudanças”, “um tsunami que vai varrer o PT do poder”, anuncia Aécio Neves, o principal candidato oposicionista. Seria apenas nova batalha partidária, limitada à tomada de poder? Por que não há uma proposta de reforma política? Como mudar o regime fiscal praticando o presidencialismo de cooptação?

O GLOBO - 23/06

Reforma política daria sequência ao impeachment de Collor e ao julgamento do mensalão como episódios de aperfeiçoamento institucional

Os países escolhem a prosperidade ou a pobreza de acordo com as instituições que plantam. O empobrecimento da Argentina, de Cuba e da Venezuela não se deu por acidente. E as melhorias no Chile, na Colômbia e no Peru não foram obra do acaso. O Brasil precisa avançar nessa longa estrada de aperfeiçoamento institucional que conduz à Grande Sociedade Aberta. Somos uma democracia, mas ainda em construção. Uma economia de mercado emergente, embora travada por intervencionismo excessivo. Um estado de direito também em construção. Temos redes de solidariedade, ainda precárias. Uma imprensa livre, mesmo sob ameaça de controle social pelo Estado. Moeda decente, apesar de indefinições nos regimes monetário e fiscal. Marcos regulatórios ainda instáveis. Muito a construir.
O impeachment do presidente Collor, há pouco mais de 20 anos, teria sido o momento de afirmação do Congresso com a demarcação da independência do Poder Legislativo. Da mesma forma que os ministros do Supremo tribunal Federal (STF) teriam agora demarcado a independência do Poder Judiciário pela condenação da compra de apoio parlamentar por representantes do Executivo. Mas pode haver também uma interpretação bastante cética sobre tais avanços. Teria Collor caído porque era de direita e não quis repartir o butim? Teria caído por arrogância frente à esquerda hegemônica e inexperiência ante um establishment conservador e corrupto? Teria sua queda apenas revelado o lubrificante da governabilidade , essa busca disfuncional e despolitizada de sustentação parlamentar movida a corrupção, tráfico de influência e desvio de recursos públicos? Estaríamos sob a ilusão da independência do Judiciário exclusivamente pelo histórico protagonismo de Joaquim Barbosa?

O julgamento da História dirá se foram ilusões momentâneas ou episódios virtuosos de uma evolução institucional. Esta última interpretação, favorável, seria reforçada por um compromisso dos candidatos à Presidência com a reforma política. Com práticas decentes de sustentação parlamentar, como fidelidade partidária e cláusula de votação em bloco, fortalecendo os partidos, reforçando alianças partidárias no atacado e eliminando a compra de votos no varejo. Não haveria melhor celebração dos 30 anos de redemocratização.

Solene esnobada - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 23/06

RIO DE JANEIRO - Quem imaginava que a Copa seria uma vitrine para o Brasil vender seu potencial turístico --com clipes espetaculares de paisagens brasileiras, antes e depois da transmissão dos jogos pelo pool controlado pela Fifa-- já tirou o cavalo da chuva. As vinhetas oficiais se limitam a um desenho chinfrim e a um rápido sobrevoo de cada cidade-sede, logo cortando para o estádio visto de cima e mergulhando direto no gramado. O governo, ao sentar-se com a Fifa para planejar a Copa, esqueceu-se de reservar uma cadeira para o ministro do Turismo.

Com isso, a plateia de bilhões da Copa continuará alheia à Floresta Amazônica, às cidades mineiras, às igrejas baianas, às cataratas do Iguaçu, ao Pantanal, ao Círio de Nazaré, ao bumba meu boi, ao Carnaval etc. Nem mesmo a orla do Rio mereceu um singelo take. Só há uma explicação para essa solene esnobada: a Fifa não conseguiu registrar o domínio dos nossos postais. E ela só se interessa pelos produtos e marcas que detém.

Daí que as únicas imagens oficiais da Copa são as que se passam dentro das "arenas". E nada mais parecido com uma "arena" da Fifa do que outra "arena" da Fifa. A grã-fina de Nelson Rodrigues pode ter entrado no Maracanã e perguntado quem era a bola, mas sabia que estava no Maracanã. Hoje, para identificar um estádio brasileiro, só lendo o nome da cidade na lateral à beira do gramado.

O SporTV faz bem em cobrir a Copa a partir de um cenário querido dos cariocas e, até então, nunca usado para esse fim: a ilha Fiscal. Palco do último baile do Império, com o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara ao fundo, a ilha Fiscal não tem nem sombra da visitação que merece ter. A tremenda exposição que está recebendo deverá multiplicar seu apelo no turismo interno.

Só falta algum governante em fim de mandato criar coragem e resolver dar um baile por lá.

domingo, 22 de junho de 2014

O fogo de artifício das faixas

O Estado de SP| O Estado de SP

EDITORIAL
Não demorou muito para que os fatos - contra os quais, como se diz, não há argumentos - começassem a desfazer a encenação montada pela Prefeitura, com estardalhaço e claros objetivos eleitorais, para levar os paulistanos a acreditar que as faixas exclusivas eram uma solução milagrosa, capaz de dar maior velocidade aos ônibus e melhorar assim esse serviço. Tal como a mentira, da qual é parente próximo, esse embuste também tinha pernas curtas, como acabam de comprovar dados da própria São Paulo Transportes (SPTrans), empresa que gerencia aquele serviço.
As faixas situadas à direita de vias importantes possibilitaram um aumento muito pequeno da velocidade média dos ônibus - apenas 1 km por hora -, o que, decididamente, não compensa o esforço para sua implantação nem a perda para o sistema de transporte como um todo com a lentidão acarretada pela redução do espaço para os demais veículos. No ano passado, quando foram implantados a toque de caixa 300 km de faixas - o dobro do previsto para todo o mandato do prefeito Fernando Haddad -, os ônibus rodaram à velocidade média de 17 km/h no horário de pico da manhã em comparação com os 16 km/h registrados entre 2009 e 2012. No horário de pico da tarde, a velocidade média foi de 16 km/h para 15 km/h naquele mesmo período, como mostrou o Estado.
O fato de em algumas faixas o aumento da velocidade ter sido bem maior do que a média não serve de consolo. Primeiro, porque, em compensação, é claro, a velocidade nas demais é muito menor - daí a média tão baixa, muito aquém do esperado. Em segundo lugar, porque tal diferença é mais uma indicação da improvisação que marcou a iniciativa. Desde o início, a impressão - que agora se confirma - foi de que as vias em que elas foram implantadas foram escolhidas sem planejamento ou estudos técnicos. Se eles existiram, deles a população não teve conhecimento. Não que um plano bastasse para justificar medida polêmica como essa, mas ao menos mostraria que a Prefeitura tentou acertar, agiu com seriedade.
Além da escolha ao acaso das vias, outro aspecto das faixas que chama a atenção e até agora não teve explicação da Prefeitura é a questão do seu piso. O dos corredores merece cuidados especiais para que resista ao tráfego pesado dos ônibus. Além disso, é periodicamente reformado. Como é possível, então, esperar que o piso das faixas, que deve suportar carga semelhante, resista sem nenhum reforço? Ou a Prefeitura tem uma explicação escondida para isso ou o bom senso sugere que em pouco tempo ele estará desgastado.
O ar triunfante do prefeito Fernando Haddad e de seu secretário de Transportes, Jilmar Tatto, anunciando a panaceia das faixas - está se vendo -, não resistiu muito. Ele tinha gás para durar apenas o tempo de um fogo de artifício. Tatto, em especial, se esmerou nos exageros. Espalhou, como se fosse novidade, que é preciso dar prioridade ao transporte coletivo, daí a necessidade das faixas. E não perdeu a oportunidade de fustigar demagogicamente os carros, como se eles fossem os vilões das dificuldades de locomoção da capital. Ora, a imensa maioria dos que usam carros só o faz por falta da opção de transporte coletivo de qualidade.
Melhorar esse transporte - o de ônibus, no caso da Prefeitura - é coisa que exige mais seriedade e menos fanfarronice. Se essa fosse a postura da atual administração, ela teria cuidado mais dos corredores de ônibus - mais caros, mas que desempenham papel importante - em vez de perder tempo com as faixas. É verdade que Haddad promete 150 km de novos corredores. Mas antes que eles virem realidade é preciso cuidar melhor dos já existentes.

A velocidade média dos corredores nos horários de pico caiu no primeiro trimestre deste ano, em comparação com igual período de 2013. Na opinião de especialistas, para aumentar seu rendimento é preciso, entre outras coisas, fazer a sempre prometida e adiada reorganização das linhas de ônibus. O que se pode e deve fazer para melhorar o transporte é sabido. Mas para isso é preciso seriedade e vontade.