domingo, 22 de junho de 2014

Custos do pleno emprego, por Celso Ming no Estado


Celso Ming - OESP
Na impossibilidade de entregar inflação baixa e um mínimo de crescimento econômico sustentável, o governo alardeia que, pelo menos, conseguiu a façanha de produzir o pleno-emprego. 
Pois, nas atuais circunstâncias, o pleno-emprego é mais problema do que solução. Primeiramente, porque é grave fator de custo para todo o setor produtivo. A principal razão da disparada dos preços não é a seca ou os choques de oferta de alimentos, como vem apontando o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Essas são causas temporárias, que não explicam a persistência da inflação.
Um dos principais fatores de inflação é o aquecimento excessivo do mercado de trabalho, que puxa os salários para acima da inflação e acima da produtividade da economia. Quem afirma isso não são neoliberais sem coração e sem sensibilidade social, mas o Banco Central que está lá no organograma do governo Dilma. É o que está claro nas Atas do Copom e no Relatório da Inflação. É o setor de serviços, que atua sem concorrência internacional, que mais vem puxando os preços da economia. Como o jornal O Globo apontou sexta-feira com base em estudo da Fundação Getúlio Vargas, em 12 meses, nada menos que 70% dos preços dos serviços subiram 6,5% ou acima disso. É também o que puxa para o alto os salários de toda a economia e cria condições para que os movimentos grevistas venham tendo sucesso. 
E, em segundo lugar, o pleno-emprego é mais problema do que solução porque trava ainda mais o crescimento econômico: se não há mão de obra disponível mesmo com esse crescimento miserável de 1,5% ao ano, como haverá se a economia crescer pelo menos 2,5% a 3,0%? É o mesmo raciocínio que se pode fazer diante das precariedades da infraestrutura: se estradas, portos, aeroportos e comunicação estão como estão com esse crescimento econômico pífio, imagine-se como estariam se fosse mais.
Nesse quadro, na medida em que cria demanda artificial na economia e mantém aquecido o emprego, o represamento dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica e transportes urbanos) bloqueia o ajuste.
O mercado de trabalho apresenta duas outras distorções graves. A primeira delas é o rombo de R$ 10,4 bilhões no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), instituição que opera no seguro desemprego. É incompreensível que, num quadro de pleno-emprego, o FAT esteja sendo tão acionado a ponto de esgotar-se. Isso sugere que muita gente deixa de procurar trabalho porque consegue sustento, no mole, nas tetas em que se transformou o FAT.
A outra distorção é a existência de 9,6 milhões de jovens, ou 39,8% da força de trabalho, no bloco dos nem-nem (nem trabalha, nem estuda). É uma indicação de que as transferências do governo federal vêm desestimulando a procura de emprego.
Não há solução fácil para essa herança maldita que recairá sobre a próxima administração, qualquer que seja ela. E é por isso que os analistas preveem um 2015 destinado a uma parada técnica, com inflação ainda alta e com um baixo desempenho da economia.

'Justiça deve se abrir à sociedade', diz Nalini


Presidente do TJ paulista cria conselho consultivo para suprir 'carência
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu criar o Conselho Consultivo Interinstitucional, instrumento para atuar como canal de comunicação direto com a sociedade. Imaginado e criado pelo desembargador José Renato Nalini, presidente do TJ-SP que acumulará a função de diretor do conselho, o colegiado poderá dar sugestões e recomendações, inclusive sobre a melhor aplicação do orçamento, direcionamento e uso de verbas.
Nalini defende a "democracia participativa" - embora seja flagrante a resistência de muitos de seus pares -, como "imperativo da transparência, corolário do princípio da publicidade".
Qual é o objetivo do conselho?
O conselho é uma forma de fazer com que a sociedade civil se interesse por um equipamento que ela sustenta. Estamos vivendo uma epidemia de judicialização. Quase 100 milhões de processos no País. Temos mais de 800 mil advogados, 17 mil juízes, 15 mil promotores, 6 mil defensores públicos, quantos milhares de procuradores, de delegados de polícia, tabeliães, registradores públicos.
Como surgiu a ideia de abrir o debate sobre o futuro da corte?
O Poder Judiciário sempre foi o mais hermético dos poderes, o mais distanciado, tanto que aqui no Brasil não se discute muito a questão da legitimidade. O nosso Judiciário, como poder da República, carecia de um diálogo mais intenso com a sociedade.
Na prática a sociedade civil poderá fazer sugestões ao TJ?
O conselho vai auxiliar a administração do tribunal a pensar o orçamento, os investimentos, a informatização, a intensificar a conciliação. Avaliar se as opções que estamos tomando são as mais acertadas. É um diálogo com a sociedade que se inaugura.
Quem mais poderá compor o colegiado?
O conselho terá cadeira para os demais Poderes (Executivo e Legislativo) e para OAB, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Militar, Polícia Civil, além dos 11 representantes da sociedade civil, de institutos de pesquisa e universidades, por exemplo. A grande surpresa foi que, assim que publicada a instituição do conselho, muitas entidades começaram a pleitear assento. A OAB, que foi solicitada a indicar um representante, mandou três. É evidente que não vamos com isso substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um conselho que tem representatividade para trazer a voz da sociedade civil para dentro do tribunal.
Por que a Justiça sempre se manteve distante da sociedade?
O Judiciário não tem a iniciativa da ação, só responde se for provocado. O princípio da inércia contaminou a administração do Judiciário, que ficou parado no tempo. É o momento de o Judiciário acertar o passo com a sociedade, dar uma prestação jurisdicional mais rápida, mais eficiente, assumir as tecnologias. Não vamos substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um conselho com representatividade na sociedade civil. O juiz tem que se conscientizar que hoje é um agente que tem de pensar nas consequências concretas da sua decisão.
Em que área atuará o conselho?
É para todas as questões administrativas. Sempre se pregou, foi sempre um ideal teórico, a participação popular na administração da Justiça. Os dois únicos exemplos que a doutrina mostra são o júri, em que o cidadão faz parte, e a Justiça Eleitoral, quando você recruta o trabalho da cidadania para ajudar nas eleições. Estamos em um déficit de diálogo com a sociedade porque o Judiciário sempre foi um Poder que levou ao paroxismo a inércia, que é um princípio processual, um princípio ainda relativo.
Qual deve ser o primeiro tema a ser pautado?
Vamos fazer a instalação oficial do conselho, que eu gostaria de fazer ainda em junho, mas com a Copa provavelmente deve ficar para agosto. A ideia é dar a agenda para eles mesmos, o que eles sugerirem fazer, mas acredito que há muitos temas a serem discutidos. Acho que a opção pela conciliação, a experiência dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Um centro equivale a nove varas. É uma economia considerável para a sociedade, que sustenta o Judiciário. Temos que disseminar essa prática.
Há resistência interna?
Acho que o grande passo que esta gestão pode dar é a conscientização da sociedade em relação a um serviço público. Judiciário sempre foi mais considerado expressão da soberania estatal, um Poder da República que deve conviver em harmonia e de forma independente com os demais Poderes do que como serviço público. Essa expressão "serviço público" ainda causa um pouco de resistência entre os mais conservadores, e é muito difícil o magistrado que é recrutado depois de um concurso severíssimo, uma corrida de obstáculos com milhares de concorrentes, assimilar isso.

Reacende-se o álcool - EDITORIAL FOLHA DE SP

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FOLHA DE SP - 22/06

Foram dois anos de sucessivas más notícias, mas em 2013 surgiram sinais de que o setor de etanol ensaia uma retomada do seu potencial inegável, mesmo após o solavanco imposto pela crise internacional e por políticas equivocadas.

No ano passado, a produção do setor alcooleiro cresceu 18%. Retornou aos níveis dos picos de 2008 e 2010, acima dos 27 bilhões de litros. Assim, o Brasil reafirma-se como segundo maior produtor mundial. Só perde para os Estados Unidos, com 50 bilhões de litros, registra em relatório a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal.

Vários foram os fatores que contribuíram para esse impulso de recuperação. A melhor novidade é que o Planalto parece enfim ter despertado para a necessidade de apoiar a área combalida: liberou mais recursos do BNDES, elevou de 20% a 25% a mistura de álcool anidro na gasolina e desonerou o etanol das contribuições PIS e Cofins.

Foram favoráveis, ainda, o aumento de 7,7% na produtividade e o baixo preço internacional do açúcar, que estimulou a destinação de parcela maior da cana colhida para a fabricação de álcool.

Retomou-se, finalmente, a reforma dos canaviais, abandonada nos últimos anos. Parece ter sido decisivo para isso o Programa de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais, que atendeu demanda de R$ 2,65 bilhões em 2013, quase o dobro de 2012.

Com a produção maior e mais estável de etanol e um recuo na importação de gasolina, o preço do biocombustível de cana recuou para 68% do da gasolina, na média de 2013. Tornou-se, assim, de novo atrativo para o consumidor, que reagiu: a participação do etanol avançou de 33% para 38% do consumo total para veículos leves.

Tal resposta rápida só é possível porque a base de automóveis flex continua a expandir-se no país. Estes já representam 88,5% das unidades novas e 59% da frota nacional de 35 milhões de veículos leves.

Seria imprudente, porém, concluir que tudo vai bem com o etanol. Por ora, a recomposição dos canaviais e o aproveitamento da capacidade ociosa permitem suprir o incremento na demanda, mas logo se apresentarão as limitações geradas pelo desinvestimento. Havia 440 usinas operando em 2010; em 2013, esse número caíra para 388.

O maior desafio ainda se encontra à frente do setor: organizar-se, internacionalizar-se e capitalizar-se o suficiente para voltar a construir usinas. A maior ajuda que o governo poderia dar seria reverter a política que mantém artificialmente baixos os preços da gasolina.