domingo, 22 de junho de 2014

'Justiça deve se abrir à sociedade', diz Nalini


Presidente do TJ paulista cria conselho consultivo para suprir 'carência
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu criar o Conselho Consultivo Interinstitucional, instrumento para atuar como canal de comunicação direto com a sociedade. Imaginado e criado pelo desembargador José Renato Nalini, presidente do TJ-SP que acumulará a função de diretor do conselho, o colegiado poderá dar sugestões e recomendações, inclusive sobre a melhor aplicação do orçamento, direcionamento e uso de verbas.
Nalini defende a "democracia participativa" - embora seja flagrante a resistência de muitos de seus pares -, como "imperativo da transparência, corolário do princípio da publicidade".
Qual é o objetivo do conselho?
O conselho é uma forma de fazer com que a sociedade civil se interesse por um equipamento que ela sustenta. Estamos vivendo uma epidemia de judicialização. Quase 100 milhões de processos no País. Temos mais de 800 mil advogados, 17 mil juízes, 15 mil promotores, 6 mil defensores públicos, quantos milhares de procuradores, de delegados de polícia, tabeliães, registradores públicos.
Como surgiu a ideia de abrir o debate sobre o futuro da corte?
O Poder Judiciário sempre foi o mais hermético dos poderes, o mais distanciado, tanto que aqui no Brasil não se discute muito a questão da legitimidade. O nosso Judiciário, como poder da República, carecia de um diálogo mais intenso com a sociedade.
Na prática a sociedade civil poderá fazer sugestões ao TJ?
O conselho vai auxiliar a administração do tribunal a pensar o orçamento, os investimentos, a informatização, a intensificar a conciliação. Avaliar se as opções que estamos tomando são as mais acertadas. É um diálogo com a sociedade que se inaugura.
Quem mais poderá compor o colegiado?
O conselho terá cadeira para os demais Poderes (Executivo e Legislativo) e para OAB, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Militar, Polícia Civil, além dos 11 representantes da sociedade civil, de institutos de pesquisa e universidades, por exemplo. A grande surpresa foi que, assim que publicada a instituição do conselho, muitas entidades começaram a pleitear assento. A OAB, que foi solicitada a indicar um representante, mandou três. É evidente que não vamos com isso substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um conselho que tem representatividade para trazer a voz da sociedade civil para dentro do tribunal.
Por que a Justiça sempre se manteve distante da sociedade?
O Judiciário não tem a iniciativa da ação, só responde se for provocado. O princípio da inércia contaminou a administração do Judiciário, que ficou parado no tempo. É o momento de o Judiciário acertar o passo com a sociedade, dar uma prestação jurisdicional mais rápida, mais eficiente, assumir as tecnologias. Não vamos substituir os órgãos de comando, mas a administração será assessorada por um conselho com representatividade na sociedade civil. O juiz tem que se conscientizar que hoje é um agente que tem de pensar nas consequências concretas da sua decisão.
Em que área atuará o conselho?
É para todas as questões administrativas. Sempre se pregou, foi sempre um ideal teórico, a participação popular na administração da Justiça. Os dois únicos exemplos que a doutrina mostra são o júri, em que o cidadão faz parte, e a Justiça Eleitoral, quando você recruta o trabalho da cidadania para ajudar nas eleições. Estamos em um déficit de diálogo com a sociedade porque o Judiciário sempre foi um Poder que levou ao paroxismo a inércia, que é um princípio processual, um princípio ainda relativo.
Qual deve ser o primeiro tema a ser pautado?
Vamos fazer a instalação oficial do conselho, que eu gostaria de fazer ainda em junho, mas com a Copa provavelmente deve ficar para agosto. A ideia é dar a agenda para eles mesmos, o que eles sugerirem fazer, mas acredito que há muitos temas a serem discutidos. Acho que a opção pela conciliação, a experiência dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Um centro equivale a nove varas. É uma economia considerável para a sociedade, que sustenta o Judiciário. Temos que disseminar essa prática.
Há resistência interna?
Acho que o grande passo que esta gestão pode dar é a conscientização da sociedade em relação a um serviço público. Judiciário sempre foi mais considerado expressão da soberania estatal, um Poder da República que deve conviver em harmonia e de forma independente com os demais Poderes do que como serviço público. Essa expressão "serviço público" ainda causa um pouco de resistência entre os mais conservadores, e é muito difícil o magistrado que é recrutado depois de um concurso severíssimo, uma corrida de obstáculos com milhares de concorrentes, assimilar isso.

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