domingo, 6 de outubro de 2013

Gente, o capital maltratado - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 06/10

Relatório sobre recursos humanos coloca o Brasil em posição ruim de gigante sem qualidade


O Brasil não trata bem seu capital humano. É o que aparece nitidamente no "Relatório de Capital Humano", que acaba de ser divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, a entidade que promove, todo janeiro, os encontros de Davos.

O Brasil fica no 57º lugar entre 122 países. Já é um resultado ruim, se se considerar que o país está entre as oito maiores economias do mundo. Quer dizer que tem tamanho, mas não tem qualidade.

Piora as coisas saber que países de bem menor desenvolvimento relativo ficam à frente do Brasil, casos de Costa Rica (35º), Chile (36º), Panamá (42º) e Uruguai (48º), sem falar em Barbados, país caribenho que, na 26ª posição, é o mais bem situado na América Latina/Caribe.

Para fechar o círculo negativo, o que afunda a posição brasileira é educação, um dos quatro pilares que constituem o levantamento. Nesse quesito, que recolhe indicadores quantitativos e qualitativos de todos os três níveis de ensino, o Brasil fica em obsceno 88º lugar.

É claro que sempre cabe um pouco de desconfiança desse tipo de ranking. Mas, no caso do "Capital Humano", parece um sólido compêndio de 51 indicadores, com aparente pouca margem para subjetividade (a íntegra pode ser consultada em www.weforum.org).

Ainda mais que os três primeiros colocados (Suíça, Finlândia e Cingapura) são de fato países em que o capital humano é empoderado, se o leitor me permite usar um termo de que não gosto, mas que entrou na moda.

O objetivo do relatório, diz o Fórum em sua apresentação, é "fornecer uma panorâmica holística e de longo prazo sobre como os países alavancam seu capital humano e estabelecem forças de trabalho que estejam preparadas para as demandas de economias competitivas".

O Fórum leva em conta que "o capital humano de uma nação --as habilidades e capacidades das pessoas postas para uso produtivo-- pode ser um determinante mais importante para seu sucesso econômico a longo prazo do que virtualmente qualquer outro recurso".

Se essa definição está correta, o Brasil está mal preparado, em todos os quatro pilares, que são "saúde e bem-estar" (49º lugar), "força de trabalho e emprego" (45º) e no ambiente para a força de trabalho, ou seja, a moldura legal, a infraestrutura e outros fatores que permitam retorno em capital humano, item em que ocupa o 52º lugar.

Vale observar que, na capa em que a revista "The Economist" faz implodir o foguete Brasil que ela própria lançara aos céus há um par de anos, fatores relativos a capital humano (educação em primeiro lugar) também eram apontados como responsáveis pelo suposto (ou real?) fracasso do Brasil.

Não adianta, portanto, ironizar a "Economist", como fez a presidente Dilma Rousseff, por mais que os problemas conjunturais que ela aponta sejam de fato exagerados, pelo menos do meu ponto de vista.

O fato é que o Brasil tem problemas estruturais que o amarram ao solo faz gerações.

Não é culpa de Dilma ou só de Dilma, mas está na hora de encará-los em vez de chutar o espelho que os mostra.

Retratinho do Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE ( ou na boca do estômago da Pnad)


FOLHA DE SP - 06/10

Apesar da boa notícia da alta da renda em 2012, vale notar as perversidades registradas na Pnad


1. O "BRASIL MELHOROU" nos últimos 19 anos, blá-blá-blá. Mas o Brasil ainda é um país ruim, um dos dez mais desiguais e violentos do mundo, mal-educado e, na sua classe de renda, um dos mais perversos. Portanto, ao menos uma vez por ano, assim como a gente faz promessas no dia 31 de dezembro, vale lembrar algumas dessas perversidades. A recém-publicada Pnad, a grande pesquisa sobre as condições de vida no país, pode servir de Réveillon social.

2. Mais de um terço dos brasileiros que trabalhava em 2012 ganhava menos de um salário mínimo.

3. Se a gente leva em conta a renda por cabeça em cada casa, verifica-se que em metade dos domicílios o rendimento mensal médio era de R$ 359 por pessoa. Coma-se, vista-se, estude-se e durma-se com um dinheiro desses.

3. O rendimento médio no Nordeste ainda é apenas 56,6% do rendimento médio no Sudeste. Melhorou, blá-blá-blá. Em 2004, a proporção era pior, de apenas 50,4%. Nesse ritmo, levaríamos 40 anos para igualar as rendas, o que não vai acontecer nem com boa vontade e inteligência. Mas a projeção ilustra a disparidade perversa.

4. O número médio de anos de estudo das pessoas de mais de dez anos no Nordeste é de 6,4. No Sudeste, 8,2 anos. Não é pouca diferença. É brutal. O número médio brasileiro é 7,5 anos. Na pobre e perversa América Latina, estamos na zona do rebaixamento.

5. A gente pode dizer que as novas gerações não vão tão mal de anos de escola, tudo bem. O pessoal de 24 a 29 anos, por exemplo, tem em média 10,6 anos de estudo no Sudeste: dá quase para completar o colegial. Trata-se da turma que nasceu em tempo de pegar a universalização da frequência à escola, incentivada no primeiro governo FHC, diga-se. Ainda assim, a média nacional do pessoal dessa idade é 9,9 anos; no Nordeste, 8,8. Isto é, a desigualdade regional na educação diminui, mas ainda é bruta.

6. Sim, houve boa notícia na pesquisa. A renda média real dos brasileiros cresceu uns 8% de 2011 para 2012, na medida da Pnad. Mas, na medida do PIB per capita, o crescimento em 2012 foi zero. Em tese, as taxas deveriam ser muito parecidas. Economistas ainda estudam o mistério.

7. Há quem atribua o avanço da renda (Pnad) de 2012 ao aumento do salário mínimo. Poderia até ser. Mas isso ainda não explica a diferença da Pnad em relação aos dados do PIB. Não explica muita coisa. Sim, a renda nominal (inflação mais aumento real) subiu uns 14% pela Pnad, mais ou menos o reajuste do mínimo em 2012. O mínimo também reajusta aposentadorias, outros benefícios sociais e serve de referência para outras faixas salariais, num efeito dominó. Mas o dominó vai parando quanto maior é a renda: salários mais altos têm o mínimo como vaga referência.

8. Isto posto, note-se que em 2012 a renda nominal dos mais ricos (1% dos domicílios no topo) subiu 23% (25% de todo aumento da renda das famílias brasileiras foi para esse 1%). A renda dos 5% mais ricos cresceu 15% (34,5% do aumento da renda total foi para esse 5%). A renda dos 10% mais ricos cresceu quase 15% (esses ficaram com 42,6% do aumento da renda). Difícil acreditar que a indexação do salário mínimo tenha escalado toda a alta e íngreme pirâmide social brasileira.

Adolescentes até quando? - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA


Quanto mais se preparam, menos eles se sentem aptos a viver como gente grande

A adolescência agora vai até os 25 anos – e não apenas até os 18, como era previsto. Essa é a nova orientação dada a psicólogos americanos. É como se a neurociência pudesse eximir a todos de responsabilidade por um fenômeno deste século: jovens demoram muito mais a amadurecer, sair de casa e ser independentes. As pesquisas revelam que “a maturidade emocional de um jovem, sua autoimagem e seu discernimento são afetados até que o córtex pré-frontal seja totalmente desenvolvido”. E isso só acontece aos 25 anos.

Então o culpado é o córtex? Não é por falta de esforço dos filhos. Nem por superproteção dos pais. Tampouco é porque a competitividade exige mais estudos e especializações. Quanto mais eles se preparam, menos se sentem aptos a viver como gente grande. Por uma mistura de insegurança pessoal, liberdade e mordomias na casa dos pais, muitos jovens se paralisam, especialmente nas famílias de classe média para cima, no Brasil. Não é “qualquer trabalho” que os realizará. Criticam os pais. Acham que eles fizeram concessões demais à sobrevivência e à prole: “Quem mandou vocês darem tudo para mim?”.

Antes, era diferente. Aos 18 anos, os cinquentões de hoje só pensavam em sair da casa dos pais. Era preciso ter um emprego, não necessariamente o dos sonhos. Bastava que o salário fosse suficiente para não depender de pai e mãe, alugar um quarto e sala, poder dormir com o namorado ou a namorada, chegar tarde em casa. Se o emprego se relacionasse aos estudos, que privilégio! Almejávamos múltiplos destinos, mas não havia tempo nem grana para experimentar primeiro e decidir depois. Ralávamos a alma para ascender rápido. Só soube agora que meu córtex pré-frontal não estava totalmente desenvolvido quando saí de casa aos 21 anos. Se me chamassem de adolescente, me sentiria ofendida.

“A ideia de que de repente, aos 18 anos, a pessoa já é adulta não é bem verdade”, disse à BBC a psicóloga infantil Laverne Antrobus, da Clínica Tavistock, em Londres. “Minha experiência com jovens sugere que eles ainda precisam de muito apoio e ajuda além dessa idade.” Diante da extrema condescendência com quem tem 18 ou 25 anos, penso em quem tem 60 ou 80. Não sei em que idade o ser humano pode prescindir de apoio ou ajuda. Dos pais, filhos, parceiros e amigos.

“Amadurecer é um termo complexo, e sabemos que não se limita à independência financeira”, diz a psicanalista Eliane Mendlowicz. “Crescer, dar adeus à proteção dos pais, enfrentar um certo desamparo é uma tarefa árdua, mas vale a pena por seu efeito libertador.” Mesmo assim, trintões e trintonas continuam na casa de papai e mamãe. “Frequentemente se apontam razões econômicas para esse fenômeno”, diz o professor de sociologia Frank Furedi, da Universidade de Kent, na Inglaterra. “Mas houve também uma perda da aspiração por independência. Quando fui para a universidade, se fosse visto com meus pais, decretaria minha morte social.”

Muitos pais financiam filhos casados. Não é raro que filhos divorciados voltem a morar com o pai ou com a mãe. São chamados de “filhos bumerangues”. “Há também os pais que estimulam o comportamento infantil dos filhos para evitar o ‘ninho vazio’”, diz Eliane. Outros, que acreditavam ter criado o filho para ser independente, reagem com sentimentos que se alternam: resignação, preocupação, irritação e perplexidade. O que deu errado?

“Os pais desejam que seus filhos sejam lindos, magros, inteligentes, carismáticos, felizes, competentes, amados. E o que querem os jovens hoje? Buscam aflitos uma maneira de cumprir tantos ideais”, diz a psicanalista Gisela Haddad. Para ela, essa geração precisa encarar um fato: “O futuro está em aberto, e tudo pode ser possível”. Paradoxalmente, isso tem causado, segundo Gisela, pânicos, depressões, vícios em drogas.

Uma pesquisa com mais de 2 mil entrevistados entre 18 e 30 anos, em seis capitais do Brasil, mostrou que 70% não se sentem preparados para enfrentar o mercado de trabalho. Culpam a universidade por não oferecer aulas práticas e não orientar para o empreendedorismo. Sempre foi assim. A universidade nunca formou profissionais prontos.

A legislação tenta se adequar aos novos tempos. Em agosto, o Senado aprovou projeto que aumenta o limite de idade para dependentes no Imposto de Renda dos atuais 21 para 28 anos, ou mesmo 32, quando cursarem universidade ou escola técnica.

O córtex tem pouco a ver com isso. Como diz o psiquiatra Luiz Alberto Py, “o amadurecimento cortical é perfumaria, apenas um álibi”. A adolescência é cultural, depende do país e da sociedade. O fenômeno fisiológico é a puberdade. “Crianças de rua não têm adolescência, só puberdade. Rapidamente se tornam adultos.”

Prolongar a adolescência além dos 18 anos é prolongar a angústia. O jovem não é tão despreparado quanto teme. Nem tão brilhante quanto gostaria.