sexta-feira, 7 de março de 2025

No Carnaval do Oscar, a ocupação dos espaços públicos e o temor pelo futuro da cidade, Mauro Calliari - FSP

 É bonito andar pela cidade durante o Carnaval. Na calçada da av. Paulista, vejo mais de dez pessoas com suas máscaras de Fernanda Torres. No metrô, as escadas rolantes se colorem com adereços, fantasias e risadas. Nos bloquinhos, se juntam grupos de jovens, famílias com crianças e foliões solitários.

A beleza das ruas ganha mais brilho quando se lembra que São Paulo era o refúgio silencioso para quem não gostava de Carnaval até bem pouco tempo. Em 2016, escrevi o livro "Espaço Público e Urbanidade em São Paulo", sobre a retomada das ruas a partir de meados da década de 2000. Havia esperança de que a ocupação do espaço público trouxesse mais vitalidade econômica, mais segurança e mais fruição e até um aprendizado em resolução de conflitos.

A imagem mostra uma grande multidão reunida em uma rua urbana, cercada por prédios altos. No centro, uma pessoa se destaca, levantando os braços e interagindo com a multidão. A atmosfera parece festiva, com muitas pessoas sorrindo e se divertindo. A iluminação é natural, sugerindo que a cena ocorre durante o dia.
Foliões participam do bloco Espetacular Charanga do França, que abre o pré-Carnaval de São Paulo - Rafaela Araújo - 12.jan.2025/Folhapress

De lá para cá, andamos de lado. O transporte individual aumentou e o coletivo perdeu espaço. Enquanto os foliões descem do Uber para beber a primeira cerveja do dia, o garçom que os serve pegou o ônibus às 6h da manhã. A pandemia bateu forte no comércio de rua. O trânsito está mais agressivo. O número de moradores em situação de rua explodiu. O Plano Diretor se tornou um alvará para construções sem relação com a calçada. A insegurança e o barulho levam paulistanos a quererem se mudar da cidade.

No meio disso tudo, sobreviveu o desejo de ocupação da rua, do qual o Carnaval ainda é um eloquente manifesto, mas mesmo a festa carrega suas idiossincrasias e expõe nossos conflitos.

Um bloquinho é uma coisa. Já um mega bloco com milhares de pessoas traz um rastro de xixi, carros de som, vendedores de bebidas, bloqueios no trânsito, grades nos edifícios e até esquema especial de segurança. A imagem de policiais fantasiados de Chapolin Colorado prendendo ladrões de celular dentro dos blocos é surpreendente e icônica.

As ruas se abrem para as pessoas, mas praças e parques como o Ibirapuera, o Largo da Batata e a Roosevelt estão fechados com tapumes. O Anhangabaú é tão árido que nem os caros esguichos d'água salvam (se fossem usados de verdade).

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A Prefeitura, que no dia a dia deixa pedestres à míngua, no Carnaval vai à luta pelo patrocínio da Brahma, contrata 30 mil banheiros químicos, monta estratégias para o trânsito, negocia horários estendidos com o metrô e compra 2 milhões de garrafas de água. A distribuição de tanto plástico parece não ofender ninguém, mas a ação não esconde o fato de vivermos numa bolha de calor, onde não se plantam árvores e onde o futuro hídrico está ameaçado. Já li que, mesmo tendo chegado 34ºC, esse terá sido o Carnaval mais fresquinho do resto de nossas vidas.

Nos últimos anos, a escala da festa aumentou. Agora, temos também semanas de pré-Carnaval e o pós-Carnaval, num excesso dionisíaco explicável apenas pelo negócio vultoso que movimenta hotéis, bares e patrocinadores. Entre o calor, a alegria individual, a coordenação da gestão pública, o dinheiro dos entes privados e a ilegalidade, há toda uma miríade de interesses que vão entrar em conflito, se e quando o Carnaval acabar.

O novo normal não vai ser fácil para ninguém.

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