terça-feira, 11 de março de 2025

A indignidade dos descendentes no projeto do novo Código Civil, OESP

 Por Flavio Goldberg

Atualização: 

A proposta de reforma do Código Civil, atualmente sob análise do Congresso Nacional, propõe inovações de grande relevo no âmbito do direito das sucessões. Entre elas, merece destaque a ampliação das causas de indignidade, agora abarcando a conduta dos descendentes que, voluntária e injustificadamente, tenham abandonado afetiva ou materialmente seus pais, especialmente no ocaso da vida.

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A exclusão de herdeiros por indignidade, longe de constituir uma sanção de natureza meramente patrimonial, encerra uma resposta jurídica a uma quebra grave dos deveres de respeito e solidariedade que regem a vida familiar. O projeto, ao disciplinar expressamente o abandono afetivo como causa para alijamento da sucessão, dá concretude a um valor há muito reconhecido, mas nem sempre eficazmente tutelado pelo ordenamento: a dignidade dos ascendentes.

Não é sem razão que, ao longo da história, o dever de honra e cuidado para com os pais tenha sido consagrado não apenas nas leis civis, mas também nas regras de moral mais elementares. Consagrado no mandamento bíblico, “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá” (Êxodo 20:12) traduz, de forma clara, a exigência de reciprocidade nas relações familiares. Não se trata de simples deferência formal. Trata-se de compromisso ético que, uma vez descumprido, autoriza a exclusão do benefício sucessório.

O legislador, atento à realidade social e às mudanças das estruturas familiares, reconhece que o vínculo de sangue não basta para legitimar a participação na herança. Exige-se do herdeiro comportamento condizente com os deveres de solidariedade e humanidade que legitimam a transmissão patrimonial. Ao prever a indignidade por abandono afetivo de ascendentes, o projeto reafirma que o direito sucessório deve premiar não apenas a proximidade biológica, mas também a conduta leal e respeitosa dos que se habilitam à condição de sucessores.

A exclusão do herdeiro indigno, por sua vez, não é automática. A lei exige a comprovação de conduta reprovável, praticada com dolo, em situações nas quais se evidencie a quebra do dever de assistência, seja ela moral ou material. No entanto, é certo que a simples ausência física não constitui, por si só, causa de indignidade. Impõe-se a demonstração de um abandono voluntário, injustificado e ofensivo à dignidade do ascendente.

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Trata-se de dar efetividade a um princípio que sempre orientou o direito das sucessões: a herança deve ser a culminação de uma trajetória de respeito e cuidado mútuo, não um prêmio imerecido. Assim, a nova disciplina proposta não inova na essência, mas atualiza o alcance de normas que sempre tiveram por fim proteger a dignidade do de cujus.

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Há, evidentemente, desafios de ordem probatória. A alegação de abandono afetivo não pode servir de pretexto para litigâncias infundadas. Caberá ao julgador, à luz dos elementos trazidos aos autos, avaliar se a conduta do descendente rompeu, de modo irreversível, o vínculo de solidariedade que deveria amparar a relação familiar.

Em última análise, a proposta de reforma restaura e reforça um valor que não é novo, mas que ganha nova roupagem normativa: honrar pai e mãe não é apenas virtude pessoal, mas também requisito ético para a habilitação à herança. O direito civil, sem recorrer a lições moralistas, afirma que quem desonra, abandona ou despreza não deve colher os frutos da sucessão.

Convidado deste artigo

Foto do autor Flavio Goldberg
Flavio Goldbergsaiba mais

Advogado e mestre em Direito. Foto: Arquivo pessoal

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