sexta-feira, 21 de março de 2025

Gustavo Alonso - As metamorfoses de Gusttavo Lima, FSP (definitivo)

 No dia 2 de janeiro o cantor Gusttavo Lima anunciou que se candidataria à Presidência do Brasil. Nesta quarta (19), ele comunicou a desistência. As especulações sobre suas reais motivações foram muitas, mas uma coisa é certa: Gusttavo Lima é um dos símbolos do homem da periferia, que se sente cada vez mais marginalizado no século 21.

O analista político Josias de Souza sugere que a candidatura do sertanejo seria mera estratégia de marketing artístico. Outros no mundo político acreditam que a candidatura, surgida após o fenômeno Pablo Marçal bagunçar a política em São Paulo, poderia ser um teste para as direitas com vistas a 2026.

Para o youtuber Dudu Purcena, conhecido por seu canal sobre música sertaneja, o lançamento de Gusttavo Lima à Presidência era uma forma de impulsionar a candidatura do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, amigo pessoal do cantor e possível candidato à Presidência em 2026.

Para o jornalista André Piunti, é preciso considerar que Gusttavo Lima tem um apetite megalomaníaco por grandes conquistas, e a Presidência seria uma extensão de sua trajetória repleta de ambições.

É inegável que Gusttavo Lima é um homem de resultados, alguns discutíveis. Sua música "Balada Boa" fez sucesso internacional em 2012, e ele acumula mais de 45 milhões de seguidores no Instagram. É empresário de diversos empreendimentos e esteve envolvido em polêmicas relacionadas a casas de apostas e shows milionários pagos por prefeituras de municípios carentes. Politizado à direita, liderou a comitiva sertaneja que foi ao Palácio do Planalto abraçar Bolsonaro em outubro de 2022, em plena campanha eleitoral.

Show do cantor Gustavo Lima no rodeio Itu Festival.
Show do cantor Gustavo Lima no rodeio Itu Festival. - Rubens Cavallari/Folhapress

O cantor musculoso, tatuado, de barba máscula e que se apresenta como um pai de família exemplar nem sempre foi assim. Quando começou a carreira em 2009 tinha 20 anos de idade e uma cara de moleque travesso. Esmirrado, magrelo e esquisito, nem de longe se parece com homem que se tornou. Depois de muitas intervenções estéticas e muita academia (que as más línguas preferem atribuir a anabolizantes), virou o emblema do macho sertanejo sobrevivente das dificuldades da infância pobre.

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Uma parte considerável dos eleitores de Bolsonaro é formada por homens da periferia cujas origens são muito semelhantes às de Gusttavo Lima. No mundo do século 21, eles são o estrato que menos obteve perspectivas de melhora social. Diferentemente de seus pais, sua vida não apresenta avanços sensíveis durante sua geração. Mais grave ainda, como vem apontando o jornalista Pedro Dória em seu canal Meio, os homens periféricos ressentem-se do respeito de outrora. A internet coloca-os num mundo onde as hierarquias apresentam-se de ponta cabeça e o poder da manada conta mais que sua autoridade.

Ao ascender, Gusttavo Lima metamorfoseou-se de homem periférico em membro da elite econômica do país. E, como lembra o antropólogo Michel Alcoforado, a elite brasileira acha que venceu na vida a despeito do país. É diferente da elite americana, que sente-se em débito com o país pelas oportunidades proporcionadas, e por isso retorna para a sociedade parte de seus ganhos. Aqui no Brasil, não há o costume de os ricos doarem dinheiro para o Estado ou para as universidades, pois estes são vistos como anti-povo no imaginário nacional. Resta aos pobres que ascendem minar o Estado.

É um ressentimento difícil de entender. Mas são milhões os que pensam assim. Periga em 2026, com ou sem Gusttavo Lima, que estes retornem à Presidência. Nos EUA já retornaram com Trump.

As esquerdas insistem em ignorar esse estrato social, tratando com nojinho qualquer um que não seja o verdadeiro periférico, ou seja, mulher, negro ou homossexual. Enquanto a política continuar desfocada das maiorias, o ressentimento deve prosseguir. E sempre haverá um outro Gusttavo Lima ou um novo Pablo Marçal a se metamorfosear no macho estereotipado desse tipo de discurso populista muito eficaz.


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