quinta-feira, 27 de março de 2025

Sérgio Rodrigues Esta coluna não é sobre 'Adolescência', mas é, FSP

 Este não é um texto sobre "Adolescência". Mesmo assim, é escrito sob o impacto da minissérie da Netflix e compartilha com ela o mesmo mundo –esse que vemos da janela.

Um mundo em que, quando computadores viraram itens pessoais banais, plaquetinhas de bolso, 15 anos atrás, decidimos franqueá-los às crianças desde cedo –como já fazíamos com os modelos de mesa e de colo.

A ideia de fazer o que fizemos, se apresentada a uma pessoa comum do século passado, pareceria assustadora. Como assim, nossos filhos serão expostos desde pequenos a todo o lixo de pornografia e crime que a humanidade conseguir produzir?

Como faremos para dormir tranquilos enquanto, no quarto ao lado, nossas filhas de 7 anos podem estar conversando com um pedófilo de 55 que se passa por criança?

Será que não convém refletir melhor, pessoal? Já pensou se alguns dos nossos meninos mais brilhantes, doutrinados com discursos toscos de masculinidade por extremistas de direita, viram terroristas?

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Perdão, diria aquela pessoa do passado, mas acho que estar, enquanto crescem, ao alcance do julgamento imediato de todos os conhecidos –e de infinitos desconhecidos– talvez deixe nossos filhos ansiosos, deprimidos, bulímicos, quem sabe propensos ao suicídio.

A imagem mostra um menino e um homem em um ambiente fechado. O menino, com cabelo castanho e curto, está olhando para o homem, que parece estar em uma conversa séria. O homem é mais velho, com cabelo curto e uma expressão facial intensa. O fundo é de uma parede com uma faixa azul horizontal.
Cena da série 'Adolescência' - Netflix

Bom –poderíamos responder à pessoa que um dia fomos–, você só disse verdades, mas não é como se cada um de nós tivesse muita margem de manobra na ocasião. Ou será que tínhamos?

As gerações que ficaram adultas antes de 2010, quando o smartphone passou a motoniveladora na Terra, talvez não tenham defesa. De todo modo, podemos alegar que o lado podre do negócio não era tão óbvio de saída.

Já o lado bom, opa! Além de prático, era divertido demais. Tão bom poder fugir das obrigações de família, trabalho e tudo o que importa na vida, não? Que delícia trocar tudo isso por um dedo que corre na tela, um par de olhos estatelados.

Quem poderia imaginar que o encontro daquele tablete mágico, computador de mão, com as redes antissociais provocaria uma reação em cadeia que ia varrer o planeta, redesenhando relações pessoais, profissionais, comerciais –o tecido social inteiro?

Naquela reação em cadeia, gente que devia estar na cadeia viu a oportunidade de arquitetar uma engenhosa prisão. Uma gaiola comportamental regida por algoritmos que premiam emoções extremas –o sim absoluto e o não inegociável, o amor ao igual e o ódio ao diferente. O tribalismo e o linchamento.

Não fazem isso por perversidade, sadismo –embora muita maldade seja produzida nos processos que deflagra. Fazem por pragmatismo, porque essa é a forma mais garantida de ter nossa atenção.

Eis a mercadoria à venda nesse mercado desde o início, afinal: atenção –a sua, a nossa. No atacado, aos milhões, grandes empresas pagam fortunas por ela. Vai dizer que a felicidade dos seus filhos vale mais do que isso?

Nunca fomos bons em impor limites éticos à tecnologia, esse orgulho humano dileto. Dessa vez, porém, nossa incapacidade de controlar o gênio que libertamos da garrafa dá pinta de que pode custar mais caro do que jamais custou.

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