sexta-feira, 7 de março de 2025

Daniel Guanaes - Eu tenho autismo, que alívio!, FSP

 Daniel Guanaes

Daniel Guanaes

PhD em teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)

Receber o diagnóstico de autismo é difícil para a maioria das famílias. Afinal, essa é uma notícia que traz medos e incertezas sobre o futuro. Há, no entanto, um grupo que tem reagido diferente. Muitos adultos demonstram alívio quando descobrem que estão no espectro. Por quê?

Paula é uma jovem arquiteta que chegou ao meu consultório e disse: 'eu tenho autismo. Que alívio!'. Foi o primeiro paciente que recebi com essa notícia. Ela contou que muitos achavam seu comportamento estranho, mas agora ela pode explicar a razão das suas dificuldades.

Ela não conseguia compreender as ironias e metáforas dos amigos nas conversas, o que a deixava socialmente deslocada. Paula também enfrentava problemas no trabalho por causa da sua inflexibilidade nas rotinas. Ela se irrita facilmente quando algo foge do planejado. Com o diagnóstico de TEA (Transtorno de Espectro Autista), ela entendeu que essas características são traços de sua condição.

Casos como o dela são cada vez mais frequentes. O acesso crescente a informações sobre o autismo tem levado mais adultos a procurarem uma avaliação especializada. Alguns reconhecem sinais em si ao ouvirem relatos de terceiros. Outros buscam orientação quando alguém comenta sobre seu número reduzido de amizades ou sua comunicação é objetiva demais —direta ao ponto, com pouca margem para conversas à toa.

Ilustração de uma cabeça com peças de quebra-cabeça sobrepostas sobre ela
Ilustração de um perfil humano com peças de quebra-cabeça sobre ele, em referência ao Transtorno do Espectro Autista - Gerd Altmann por Pixabay/Gerd Altmann por Pixabay

Alguém pode se perguntar o motivo desses adultos terem demorado tanto para descobrir a sua condição neurológica divergente. Uma das razões é que a maioria dos diagnósticos tardios ocorre em casos mais brandos de autismo, que costumam ser confundidos com traços de personalidade.

Atualmente, o TEA é classificado por níveis de suporte, que vão do 1 (casos mais leves) ao 3 (casos que exigem maior assistência). Os diagnósticos em adultos geralmente correspondem ao nível 1. Costumam ser pessoas sem deficiência intelectual, que não apresentam estereotipias acentuadas e conseguem viver de forma autônoma e independente.

Lucas, um engenheiro de 52 anos, sempre se percebeu diferente das pessoas com quem convive, mas nunca entendeu por quê. Tinha dificuldade em conversas casuais, evitava contato visual e dependia de rotinas rígidas para se sentir seguro. Crescendo em uma época em que pouco se falava sobre autismo, aprendeu a mascarar suas dificuldades, imitando colegas e forçando interações artificiais. 'Se eu soubesse do meu autismo antes, não teria me esforçado tanto para ser alguém que não sou', relatou.

Esse grupo ainda enfrenta dificuldades no acolhimento, apesar dos avanços na identificação do TEA em adultos e do alívio que eles relatam sentir. Um dos principais desafios pós-diagnóstico é a descrença de pessoas próximas. Elas costumam reagir com frases como: 'Você nunca teve nada e agora tem?'. Além de invalidar a trajetória daquela pessoa, esse questionamento ignora que o autismo sempre esteve presente, somente sem nome.

Outro obstáculo frequente é a resistência em aceitar que o diagnóstico exige adaptações. Reconhecer o TEA implica ajustes. Por exemplo, João, outro cliente que eu atendo, sempre sofreu com reuniões longas e barulhentas no trabalho, mas só após o diagnóstico negociou um ambiente mais silencioso e pausas estratégicas. Sem esse tipo de mudança, o diagnóstico é apenas um rótulo, e não a possibilidade de viver com mais qualidade.

Uma forma de minimizar esses desafios é envolver a família desde o início da investigação. Familiares que frequentam as consultas e participam dos testes neuropsicológicos tendem a resistir menos ao diagnóstico, e conseguem desenvolver estratégias para oferecer suporte adequado. Isso é fundamental para a pessoa autista se sentir validada e acolhida em seu próprio ambiente —um medo que muitos relatam sentir.

O alívio de quem recebe o diagnóstico tardio de autismo não é uma linha de chegada. Ele é a chance de uma caminhada sem a obrigação de fingir que o percurso sempre foi fácil.

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