Fundadoras de algumas das ONGs mais importantes do Brasil enumeram três desafios que enfrentam por simplesmente serem mulheres: ter acesso ao mesmo dinheiro que homens têm, superar o medo de não serem suficientes e equilibrar carreira com cuidado da família.
Lidam ainda com um "bônus" que existe no terceiro setor: o estereótipo de "boazinhas".
"Tive que me provar capaz de ser uma profissional respeitada e não alguém que precisava ocupar seu tempo com um capricho", diz Suzana Padua, 74, que fundou o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) em 1992 e é referência internacional em educação ambiental.
Para isso, conta ela, mergulhou em formação diferenciada. "Eu tinha um mestrado pela Universidade da Flórida que não era suficiente para conquistar a credibilidade dos demais colegas quando defendia meus pontos de vista. Foram anos e anos de investimento."
O IPÊ tem hoje 70% de mulheres ocupando diversos cargos e duas mulheres na presidência, incluindo Padua, mãe e avó de três.
"No Brasil e no mundo, mulheres são culturalmente reconhecidas como menos competentes do que homens, mesmo sendo mais numerosas em universidades e obtendo notas superiores", avalia ela.
Ana Fontes, 58, está à frente da maior plataforma de empoderamento feminino do país, a Rede Mulher Empreendedora, além de fazer parte de diversas organizações dentro e fora do país. A alagoana detesta o carimbo de ‘mulher guerreira’.
"Não gosto do modelo de mulher maravilha. Esses estereótipos criam uma cobrança. Eu digo que sou uma mulher possível, porque é isso que dá com duas filhas, um marido e uma mãe de 82 anos. Uma mãe possível, uma esposa possível, uma irmã possível, uma filha possível", afirma ela.
O trabalho da Rede Mulher Empreendedora impactou a vida de 10 milhões de mulheres e se tornou um negócio social, que equilibra lucro e impacto na ponta.
"As pessoas me olham e pensam ‘ela está fazendo uma coisa legalzinha, uma coisa bacaninha, uma coisa com propósito’, como se isso não tivesse importância e relevância."
Para enfrentar esses estereótipos em ambientes dominados por homens, Carolina Videira, 46, fundadora da Turma do Jiló, buscou equilíbrio entre coragem e autocuidado.
Como, por exemplo, quando trabalhava na indústria farmacêutica, pouco antes de fundar a ONG, e sentia a pressão do machismo enquanto buscava aperfeiçoamento intelectual.
"Sofri assédios de todos os lados. Assim que voltei da licença-maternidade, foi colocado que eu deveria escolher que rumo tomar, se mãe ou gerente, cargo em que eu era única entre um monte de homens."
Dez anos depois de vestir o chapéu de empreendedora social, Videira acredita que é necessário desmistificar o empreendedorismo como algo exclusivamente masculino.
"O Brasil precisa investir em políticas públicas que promovam a equidade de gênero, oferecer acesso a crédito, fortalecer redes de apoio para mulheres e garantir maior representatividade feminina nos espaços de tomada de decisão", avalia.
De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 65% das pessoas empregadas em organizações da sociedade civil no Brasil são mulheres —e elas estão em 43% dos cargos de alta gestão nessas entidades, segundo o Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social).
"Boa parte das iniciativas de impacto são lideradas por mulheres. O ponto é que elas recebem menos dinheiro do que homens nessa mesma posição", diz Ana Fontes.
Mesma avaliação de Alcione Albanesi, 62, idealizadora da ONG Amigos do Bem, que atua no sertão nordestino desde 1993.
"Existem muitas mulheres que, de forma silenciosa e genuína, desenvolvem ações de impacto no país. Infelizmente, várias dessas iniciativas não se desenvolvem por falta de recursos e de apoio público e privado", afirma ela, que tem quatro filhos.
A paulistana conta que trabalhava 15 horas por dia para dar conta dos projetos e que chegou a passar dez dias no sertão todos os meses. Mesmo assim, conseguiu dedicar tempo de qualidade a suas crianças.
"Nosso trabalho tem uma operação complexa que acontece a 3.000 km de São Paulo, onde tudo começa. Para chegar até aqui foi preciso abdicar do conforto do lar e de celebrações em família. O tempo é um só, mas nunca me arrependi", diz Albanesi.
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