segunda-feira, 10 de março de 2025

Lula, as galinhas e os preços, Helio Schwartsman, FSP

 Sempre me intrigou o fato de termos conseguido desenvolver uma economia de mercado sofisticada considerando as barreiras que nosso psiquismo impõe a ela.

Nossos cérebros da Idade da Pedra não têm dificuldade para perceber que um agricultor ou um artesão produzem valor. Eles, afinal, transformam sementes e matérias-primas em colheitas e produtos úteis. Mas não aplicamos o mesmo raciocínio a comerciantes e outros intermediários. Por alguma razão, não vemos sua atividade de logística como "produtiva" e os chamamos pejorativamente de "atravessadores".

Um homem com cabelo grisalho e barba, vestindo um terno escuro e uma gravata listrada, está em pé com as mãos levantadas, como se estivesse pedindo para parar ou se expressando. Ao fundo, há pessoas desfocadas.
O presidente Lula durante recepção ao presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio do Itamaraty - Pedro Ladeira/Folhapress

O presidente Lula melhor que ninguém exemplifica essa tendência. Vendo sua popularidade acossada pela inflação de alimentos, ele ameaçou medidas "drásticas". Contra quem? Falando de ovos, ele elaborou.

"A galinha não está cobrando caro. Eu não encontrei uma galinha pedindo aumento no ovo. A coitadinha sofre [...]". Ou, seja, a culpa não é do "produtor", aí compreendido em sua dimensão mais fundamental.
"O que nós precisamos é saber que tem atravessador no meio", continuou o presidente. "Entre o produtor e o consumidor deve ter muita gente que mete dedo".

A leitura de Lula parece ser a de que levar os produtos de fazendas e fábricas até as gôndolas de supermercados e manter as estruturas necessárias para vendê-los não é uma atividade indispensável que precisa ser remunerada. Quem faz isso não passa de "atravessador", grupo que pode ser categorizado como exploradores do povo e contra o qual caberiam medidas drásticas.

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Há um lado sombrio nesse tipo de discurso. Não é o caso do Brasil hoje, mas em várias partes do mundo, o comércio está muito associado a minorias étnicas. Era o caso de judeus na Europa, de chineses na Indonésia, Malásia e Vietnã e de armênios na Turquia. Aí, imprecar contra atravessadores era frequentemente a senha para um massacre.

Por aqui, a vítima é só a noção econômica de que preços são essencialmente informação sobre a disponibilidade de produtos. Não se vencem guerras só matando mensageiros.


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