segunda-feira, 24 de março de 2025

O debate perdido na segurança pública, editorial FSP

 O ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, meteu-se em campo minado ao fazer uma observação ligeira sobre uma percepção comum de impunidade no país. "É um jargão que foi adotado pela população, [o de] que a polícia prende e o Judiciário solta. Eu vou dizer o seguinte: a polícia prende mal e o Judiciário é obrigado a soltar", disse o ex-magistrado durante um evento público.

A declaração provocou reação ruidosa das corporações, aí incluída a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, abrigados na pasta comandada por Lewandowski. Políticos de oposição aproveitaram a oportunidade para fustigar o governo.

Diante da controvérsia, o ministro buscou a pacificação. Na sexta-feira (21), afirmou que a frase de dois dias antes havia sido tirada de contexto —a falta de integração das informações da polícia e as audiências de custódia. E fez elogios à polícia brasileira, que seria "altamente eficiente, preparada" e mereceria mais remuneração e equipamentos.

O episódio poderia ser corriqueiro se não envolvesse um dos temas mais espinhosos para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Trata-se de exemplo revelador de como a esquerda e mesmo as forças moderadas se encontram acuadas no debate em torno da segurança pública.

Nessa seara, a direita tem sabido explorar com eficiência as mais que justas preocupações da população com a criminalidade e a violência —que no Brasil e na América Latina estão muito acima da média global— para a defesa de políticas de linha dura que não raro descambam para populismo penal, corporativismo e incentivo à letalidade policial.

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É nesse cenário que a administração petista tenta mais uma vez levar adiante o que deveria ser sua principal iniciativa no setor: uma proposta de emenda constitucional da qual se fala há quase um ano e nunca foi formalmente apresentada ao Congresso Nacional.

Uma primeira tentativa de debate do texto com os governadores, no final de outubro do ano passado, deu ideia das dificuldades pela frente. Oposicionistas, alguns deles potenciais candidatos à disputa presidencial de 2026, rejeitam a ideia de maior coordenação federal na segurança pública —e podem aproveitar a oportunidade para empunhar bandeiras conservadoras.

Faltou ao governo Lula, desde a campanha eleitoral, um programa consistente na área, e falta aos políticos arejados disposição para encampar teses mais ousadas, como a descriminalização progressiva das drogas, defendida por esta Folha.

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