*Regina Beatriz Tavares da Silva
A adoção é instituto jurídico dos mais nobres e importantes, pois através dela são socorridos os desamparados, representando ato de acentuado caráter humanitário.
O objetivo de colocar dentro de seio familiar adequado menor que se encontra em situação familiar de risco ou mesmo sem pais é essencial para a concretização do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio que norteia todo o sistema estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Assim, atribui-se ao filho adotado a condição efetiva de filho, sem qualquer diferença ou discriminação com relação aos filhos consanguíneos.
A adoção, que após a promulgação da Constituição de 1988 era regulada pelo ECA, passou a ter sua regulamentação estabelecida pelo Código Civil de 2002 até o advento da Lei n. 12.010 de 3 de agosto de 2009, que, revogando o tratamento dado à adoção de menores pelo Código Civil, alterou diversos dispositivos do ECA, que voltou a ser o diploma legal regulador do instituto.
Importa mencionar que a adoção é medida excepcional, devendo ser esgotadas todas as alternativas de manutenção da criança e do adolescente na família natural ou extensa. Família natural é a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Já a família extensa ou ampliada é aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
Essa regra demonstra a importância e a prevalência da família consanguínea, buscando-se preservar os vínculos familiares originais e priorizar o resgate de eventuais vínculos rompidos com o escopo de garantir o direito de toda criança de desenvolver-se de maneira saudável no seio de sua família.
O processo de adoção no Brasil envolve regras que ainda são desconhecidas da maioria da população brasileira. O interessado em adotar, que deve ter idade igual ou superior a 18 anos deve encaminhar-se ao Cartório de uma Vara da Infância e da Juventude mais próximo da sua residência e preencher um cadastro com informações e documentos pessoais e antecedentes criminais. Em uma pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), constatou-se que apenas 35% dos entrevistados afirmaram que, caso desejassem adotar, buscariam uma criança por intermédio dessas Varas, enquanto 66,1% recorreriam aos hospitais, maternidades ou abrigos. Essa pesquisa foi feita em 2008, mas a desinformação persiste.
Depois de colhidos os dados e as informações do pretendente, o juiz analisará o pedido e verificará se foram atendidos os pré-requisitos legais. A partir de então, os candidatos serão convocados para entrevistas e, se aprovados, passarão a integrar o cadastro nacional, que obedece à ordem cronológica de classificação. Quando a criança ou adolescente estiver apto à adoção, o casal inscrito no cadastro de interessados será convocado.
Atualmente, no Brasil, cerca de 46 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos. Desses, sete mil podem ser adotados. No entanto, quase 37 mil pessoas aguardam na fila nacional de candidatos a pais adotivos. Para corrigir as lacunas deixadas pelo ECA, o Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) elaborará um projeto de lei que será enviado ao Congresso Nacional para aprimorar as regras do processo de adoção.
Uma das sugestões é a criação e regulamentação da figura do Apadrinhamento Afetivo. Trata-se de instituto jurídico cujo objetivo é o estabelecimento de ponte entre crianças e jovens acolhidas em abrigos e pessoas interessadas em serem padrinhos ou madrinhas, que deverão ter, no mínimo, 18 anos e ser, pelo menos, 10 anos mais velhos do que o afilhado. A ideia é que sejam estabelecidos vínculos afetivos entre a criança e uma família. No entanto, ao contrário da adoção, no caso do apadrinhamento, não existe um vínculo de pai e mãe, isto é, o elo é apenas afetivo. Além disso, o apadrinhamento não prevê a concessão da guarda da criança ao padrinho, mas sim, visitas quinzenais para que a criança participe do cotidiano da família
No caso de entrega voluntária, pretende-se a criação de prazo de 2 meses para que a mãe biológica reclame a guarda da criança ou indique parente para ser o guardião, caso se arrependa da decisão de entregar seu filho para adoção. Depois desse período, a criança seria inserida no cadastro nacional. Além disso, após um mês vivendo em abrigos, os bebês recém-nascidos e crianças sem certidão de nascimento também seriam cadastradas para adoção.
Outra sugestão diz respeito ao estágio de convivência antes da adoção, que deverá ser de até 90 dias, segundo as novas propostas, sendo que no ECA não há prazo fixado, deixando-se ao arbítrio do juiz fixá-lo.
Importa mencionar que uma vez cumpridos, rigorosamente, as normas estabelecidas pelo ECA não há porque temer por uma disputa pela guarda do adotado, pois a adoção extingue o poder familiar dos genitores sobre a criança ou adolescente. No entanto, enquanto a sentença judicial que defere a adoção não estiver transitada em julgado, isto é, enquanto for cabível algum tipo de recurso contra a decisão, poderão os pais biológicos se arrependerem e requererem a volta da criança.
A adoção, em razão de seu caráter filantrópico, deve ser estimulada e ter seu procedimento aprimorado. Não é razoável, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio basilar que norteia todo o sistema estabelecido pelo ECA, que trâmites burocráticos injustificados representem obstáculos à adoção. Nesse sentido, é bem-vinda a tentativa de aperfeiçoar o procedimento da adoção, buscando conferir-lhe celeridade e efetividade. Em um país de tantas desigualdades como o nosso, com índices alarmantes em todas as áreas, vale a atenção à frase de Oscar Wilde: “a melhor maneira de tornar as crianças boas, é torná-las felizes”. Não há criança feliz fora da família, de preferência a natural ou consanguínea ou, se assim não puder ser, da família adotiva.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), Doutora em Direito pela USP e advogada.
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