ESTADÃO - 30/10
O melhor comentário que me vem à mente sobre as taxas de juros de hoje no País é o que expressa uma maldição antiga, a de Stefan Zweig, segundo a qual “o Brasil é o país do futuro, e sempre será”.
Não vamos tratar aqui do que ele quis dizer na origem, especialmente na segunda parte, pois a mágica de aforismos duradouros reside em sua capacidade de encontrar sempre uma nova atualidade. Divertido é imaginar a mesma frase agora, pronunciada depois de Zweig passar os olhos pela ata do Copom e inferir que os juros ainda permanecerão muito altos por um bom tempo.
O juro, vale explicar, expressa os termos de troca entre o presente e o futuro, e com isso se torna, direta ou indiretamente, o personagem central de todo o tipo de cálculo econômico. O valor das coisas duradouras, sobretudo as que produzem fluxos de caixa no tempo, é determinado pela régua da espera e da impaciência, ou pelo modo como tais fluxos são descontados e trazidos a valor presente. Eis aí, no entanto, uma pista importante para os males do Brasil, que Eduardo Giannetti encontra em um famoso conto de Machado de Assis. O empréstimo, a propósito de um sujeito que tinha “a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho”, sendo que a “resultante desses impulsos discrepantes era uma só: dívidas”.
Portanto, diz Giannetti, “há sociedades que parecem abrigar (...) a vocação do crescimento, mas sem a vocação da espera. E a resultante, quando não é a inflação ou crise do balanço de pagamentos, é (...) uma só: juros altos”.
Segundo essa lógica, os juros altos refletem uma espécie de miopia ou ansiedade pelo presente, e seria fácil, porém enganoso, acreditar que essa imprevidência constitui traço visceral da nacionalidade, pois assim estaríamos transferindo ardilosamente a culpa para o devedor, o brasileiro jovem e impaciente, crente em um futuro tão pródigo que nenhum excesso próprio da mocidade deixaria de ser consistente com as riquezas havidas nesse país do futuro que solidamente se estabeleceu no imaginário nacional.
Mas o inimigo não é bem esse. A maior e mais aberrante distorção nacional no trato do futuro reside no próprio Estado, o agente que, através do endividamento social, desmantela os equilíbrios individuais entre a abstinência e a prodigalidade.
Antes de 1994, o Estado socializava prejuízos decorrentes do gasto excessivo através da inflação, mas agora o faz de forma intertemporal, concentrando privilégios no presente e diluindo seus custos no futuro. Antes, tributávamos o pobre, o ausente nas composições políticas, os sem voz, os não alcançados pela correção monetária. Agora, através do endividamento, tributamos outro ausente, as crianças.
A dívida pública funciona como um gigantesco imposto sobre a juventude, ou sobre a herança, porém jamais admitido pelos perpetradores diante de seus herdeiros, os que vão pagar os impostos necessários para fechar a conta.
O conflito distributivo intergeracional emerge, portanto, como um grande desafio para os próximos anos, mas o problema é que as crianças não votam, e os jovens estão mais preocupados com as agendas de costumes e ocupando as escolas pelas razões erradas. É bom que alguém lhes explique as contas que terão de pagar.
A dívida do governo sob a forma de títulos é da ordem de 70% do Produto Interno Bruto (PIB), tendendo para 80% nos próximos anos, e será muito pior se não passar a PEC do Teto. Mas, como proporção do PIB, não parece grande coisa, inclusive comparada com a de outros países (é mais de 100% nos Estados Unidos e na Europa, em média).
Porém, eles são países onde a riqueza privada, segundo o mestre Piketty, é da ordem de cinco vezes o PIB, ou seja, a íntegra da dívida pública equivale a cerca de um quinto da riqueza privada. Para o Brasil, onde a riqueza privada, como múltiplo do PIB, estaria entre um e 1,3 (estimativas minhas), estamos falando em proporções do endividamento público e da riqueza privada entre metade e 80%, dependendo da conta. Somos o país mais endividado do mundo.
E tem mais.
Essa dívida é apenas aquela sob a forma de títulos. Sabemos, por exemplo, que o governo tem uma obrigação previdenciária com funcionários públicos e no regime geral (INSS) que facilmente poderia ser expressa como uma dívida, bastando capitalizar os rombos de caixa projetados para o futuro, conforme cálculo atuarial.
Num estudo de 2007, Fábio Giambiagi e diversos especialistas nesse assunto calcularam essa dívida, e os resultados foram os seguintes: o buraco do chamado Regime Geral (INSS) seria de 98% do PIB (aí incluída a conta do Loas e rendas mensais vitalícias, de natureza assistencial, que são pouco menos da metade) e o dos regimes para os servidores públicos com 95% do PIB.
O total é esse mesmo que você está com dificuldade de absorver: 193% do PIB adicionais à dívida mobiliária, que se aproxima de 80% do PIB, algo como 2,7 vezes o PIB.
Pare o que você está fazendo, chame as crianças, peça muitas desculpas e ligue para o seu congressista.
O melhor comentário que me vem à mente sobre as taxas de juros de hoje no País é o que expressa uma maldição antiga, a de Stefan Zweig, segundo a qual “o Brasil é o país do futuro, e sempre será”.
Não vamos tratar aqui do que ele quis dizer na origem, especialmente na segunda parte, pois a mágica de aforismos duradouros reside em sua capacidade de encontrar sempre uma nova atualidade. Divertido é imaginar a mesma frase agora, pronunciada depois de Zweig passar os olhos pela ata do Copom e inferir que os juros ainda permanecerão muito altos por um bom tempo.
O juro, vale explicar, expressa os termos de troca entre o presente e o futuro, e com isso se torna, direta ou indiretamente, o personagem central de todo o tipo de cálculo econômico. O valor das coisas duradouras, sobretudo as que produzem fluxos de caixa no tempo, é determinado pela régua da espera e da impaciência, ou pelo modo como tais fluxos são descontados e trazidos a valor presente. Eis aí, no entanto, uma pista importante para os males do Brasil, que Eduardo Giannetti encontra em um famoso conto de Machado de Assis. O empréstimo, a propósito de um sujeito que tinha “a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho”, sendo que a “resultante desses impulsos discrepantes era uma só: dívidas”.
Portanto, diz Giannetti, “há sociedades que parecem abrigar (...) a vocação do crescimento, mas sem a vocação da espera. E a resultante, quando não é a inflação ou crise do balanço de pagamentos, é (...) uma só: juros altos”.
Segundo essa lógica, os juros altos refletem uma espécie de miopia ou ansiedade pelo presente, e seria fácil, porém enganoso, acreditar que essa imprevidência constitui traço visceral da nacionalidade, pois assim estaríamos transferindo ardilosamente a culpa para o devedor, o brasileiro jovem e impaciente, crente em um futuro tão pródigo que nenhum excesso próprio da mocidade deixaria de ser consistente com as riquezas havidas nesse país do futuro que solidamente se estabeleceu no imaginário nacional.
Mas o inimigo não é bem esse. A maior e mais aberrante distorção nacional no trato do futuro reside no próprio Estado, o agente que, através do endividamento social, desmantela os equilíbrios individuais entre a abstinência e a prodigalidade.
Antes de 1994, o Estado socializava prejuízos decorrentes do gasto excessivo através da inflação, mas agora o faz de forma intertemporal, concentrando privilégios no presente e diluindo seus custos no futuro. Antes, tributávamos o pobre, o ausente nas composições políticas, os sem voz, os não alcançados pela correção monetária. Agora, através do endividamento, tributamos outro ausente, as crianças.
A dívida pública funciona como um gigantesco imposto sobre a juventude, ou sobre a herança, porém jamais admitido pelos perpetradores diante de seus herdeiros, os que vão pagar os impostos necessários para fechar a conta.
O conflito distributivo intergeracional emerge, portanto, como um grande desafio para os próximos anos, mas o problema é que as crianças não votam, e os jovens estão mais preocupados com as agendas de costumes e ocupando as escolas pelas razões erradas. É bom que alguém lhes explique as contas que terão de pagar.
A dívida do governo sob a forma de títulos é da ordem de 70% do Produto Interno Bruto (PIB), tendendo para 80% nos próximos anos, e será muito pior se não passar a PEC do Teto. Mas, como proporção do PIB, não parece grande coisa, inclusive comparada com a de outros países (é mais de 100% nos Estados Unidos e na Europa, em média).
Porém, eles são países onde a riqueza privada, segundo o mestre Piketty, é da ordem de cinco vezes o PIB, ou seja, a íntegra da dívida pública equivale a cerca de um quinto da riqueza privada. Para o Brasil, onde a riqueza privada, como múltiplo do PIB, estaria entre um e 1,3 (estimativas minhas), estamos falando em proporções do endividamento público e da riqueza privada entre metade e 80%, dependendo da conta. Somos o país mais endividado do mundo.
E tem mais.
Essa dívida é apenas aquela sob a forma de títulos. Sabemos, por exemplo, que o governo tem uma obrigação previdenciária com funcionários públicos e no regime geral (INSS) que facilmente poderia ser expressa como uma dívida, bastando capitalizar os rombos de caixa projetados para o futuro, conforme cálculo atuarial.
Num estudo de 2007, Fábio Giambiagi e diversos especialistas nesse assunto calcularam essa dívida, e os resultados foram os seguintes: o buraco do chamado Regime Geral (INSS) seria de 98% do PIB (aí incluída a conta do Loas e rendas mensais vitalícias, de natureza assistencial, que são pouco menos da metade) e o dos regimes para os servidores públicos com 95% do PIB.
O total é esse mesmo que você está com dificuldade de absorver: 193% do PIB adicionais à dívida mobiliária, que se aproxima de 80% do PIB, algo como 2,7 vezes o PIB.
Pare o que você está fazendo, chame as crianças, peça muitas desculpas e ligue para o seu congressista.
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