segunda-feira, 31 de maio de 2021

Ruy Castro - Perucas e chumaços, FSP

 A morte da atriz Eva Wilma, há dias, trouxe de volta a história de que, testada em Hollywood por Alfred Hitchcock para seu filme “Topázio”, em 1969, ele notou-lhe um dentinho fora do lugar e disse: “Vamos ter de corrigir isso”. Entendo a preocupação de Hitch. A antiga Hollywood vetava qualquer mínimo traço que impedisse a plateia de se concentrar na personagem. Por isso, muitos astros do passado sofreram “correções”.

A linha do cabelo de Rita Hayworth, por exemplo, chegava-lhe quase aos olhos —era como se ela não tivesse testa. Rasparam-na por um processo chamado eletrólise, e Rita se tornou “Gilda”. Marlene Dietrich, em “O Anjo Azul”, tinha cara de bolacha e só ganhou aquele rosto afilado porque a Paramount lhe extraiu os sisos, molares e pré-molares. E certos sotaques eram um problema: a MGM levou anos para lançar Ava Gardner porque ela demorou a perder o sotaque caipira.

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Doris Day, ao chegar à Warner, era muito dentuça, e Dean Martin tinha um nariz que uma equipe de médicos levou meses para reduzir —mas já estrearam lindões. Graças à perfeição das perucas, o público não percebia que John Wayne, Humphrey Bogart, James Stewart, Fred Astaire, Gene Kelly, Frank Sinatra e, veja só, Sean Connery eram carecas.

Alan Ladd, famoso por “Os Brutos Também Amam”, só podia contracenar com atrizes abaixo do seu 1,64 m, ou teria de subir no banquinho para beijá-las. E Jeffrey Hunter, em “O Rei dos Reis”, teve raspadas suas axilas —para a Fox, era impensável um Cristo crucificado e de chumaços.

A querida Eva Wilma não foi aprovada no teste. Queriam aplicar-lhe seios postiços, para satisfazer as fantasias mamárias dos americanos. E para evitar comentários como o de Groucho Marx ao explicar por que ele não assistira a “Sansão e Dalila” (1949), com Victor Mature e Hedy Lamarr: “Não vejo filmes em que os peitos do ator são maiores que os da atriz”.

Marlene Dietrich, nos anos 1930, já sem os sisos e molares
Marlene Dietrich, nos anos 1930, já sem os sisos e molares - Reprodução

domingo, 30 de maio de 2021

Destinos turísticos se reinventam como ‘cidades-escritório’, OESP

 Cidades de praia sempre foram precárias. Ruas de terra, internet fraca. Mas a pandemia tem provocado uma transformação: com o trabalho a distância, muita gente, principalmente os mais ricos, tem passado temporadas no litoral ou em municípios do interior em busca de um lugar para trabalhar e, ao mesmo tempo, apreciar a natureza. Isso tem aquecido a economia dessas cidades. Prefeituras, empresas de telefonia e até aplicativos de delivery estão investindo para atrair um novo tipo de turista: o dos profissionais digitais.

A paulistana Carla Skaf Abbud, por exemplo, foi para a praia de Guarajuba (em Camaçari, na Bahia) e viu avanços na região. “Aqui não tinha nada. Agora, todo fim de semana tem feirinha ecológica, com vários restaurantes, comida portuguesa, pizza”, conta ela, que fechou o apartamento em São Paulo, onde morava. Hoje, ela e o marido – donos de uma rede de restaurantes – só vão para a capital paulista quando têm algum negócio inadiável. “Mesmo assim, vamos no primeiro voo e voltamos à noite.”

Carla é exemplo de um tipo de turista que começou a chegar no meio do ano passado e foi ficando. E isso fez os olhos das prefeituras locais brilharem. Foi assim em Ilhabela (SP)Campos do Jordão (SP)Porto Seguro (BA)Camaçari (BA)Alto Paraíso de Goiás – municípios com alto potencial turístico e, ao mesmo tempo, próximos a grandes centros.

Ilha Bela
Rodrigues afirma que maior demanda exigiu ‘mudança de cultura’ das cidades Foto: Marco Yamin/Estadão

“A gente só tem o turismo para manter a economia girando. Quando vimos que havia esse potencial, resolvemos investir”, diz Toninho Colucci (PL), prefeito de Ilhabela. Ele procurou várias empresas de telefonia para melhorar o acesso à internet. A Vivo se interessou e investiu R$ 2 milhões para esticar um cabo submarino do continente até a cidade, que antes era servida só com ondas de rádio.

A obra deve ser concluída em junho, mas a prefeitura já decidiu propagandear o feito: aplicou R$ 1 milhão numa campanha, na qual chama as pessoas para irem “trabalhar no paraíso” – com garantia de internet que não cai.

“Quando vimos que o fluxo de dados aumentou muito em lugares como Ilhabela e em outras cidades do Litoral Norte e do interior, resolvemos antecipar o investimento e atender esse novo movimento”, conta Dante Compagno Neto, diretor de marketing da Vivo. Só no primeiro trimestre, a empresa investiu R$ 1,9 bilhão em expansão de rede, 18% a mais que nos primeiros três meses de 2020 – principalmente para atender aos profissionais digitais.

A Oi também tem percebido o aumento na demanda por banda larga de alta velocidade em cidades de veraneio. Em Armação dos Búzios (RJ), por exemplo, a base da empresa cresceu 50% em 12 meses até março. “Em 2020, a demanda foi acima do esperado. Muita gente querendo mais velocidade e qualidade de internet nessas áreas”, diz o diretor de marketing da empresa, Roberto Guenzburger.

No interior, pequenos provedores também passaram a faturar mais com esse movimento migratório, com foco em condomínios de luxo. “Tenho instalado links empresariais, antes restritos a empresas, em residências de condomínios como o Quinta da Baroneza, em Bragança Paulista”, diz Eduardo Garcia, diretor comercial da provedora Net Turbo, presente em 74 cidades paulistas.

“Garantir o acesso a uma internet boa e estável foi o primeiro passo para atrair esse público (que trabalha em home office)”, diz a subsecretária de Turismo de Camaçari, Lúcia Bichara. Para oferecer serviços adicionais, diz ela, foi necessário ir um pouco além. “Criamos um programa para ajudar restaurantes locais a trabalhar com delivery e para explicar para nossos comerciantes como funciona vender pela internet.”

Um reflexo desse movimento também foi o aumento da demanda verificada pelo iFood – aplicativo de delivery. Segundo a empresa, os municípios que mais cresceram no ano foram Pelotas (RS), Petrópolis (RJ), Cabo Frio (RJ), Marília (SP) e São José (SC).

Dono de uma pousada e de uma escola de vela em Ilha Bela, Pedro Rodrigues sempre tocou os negócios de sua casa na capital paulista. Mas o movimento de turistas que antes da pandemia acontecia de sexta a domingo passou a exigir sua presença durante a semana. “Essa mudança, boa para os negócios, exigiu uma mudança da cultura local e os funcionários tiveram de se adequar a isso.”

Com essa nova demanda, Ilhabela conseguiu “segurar” empregos. A cidade terminou o ano com um saldo positivo de 62 vagas com carteira, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes a Ilhabela, de 35 mil habitantes. No primeiro trimestre de 2021, o saldo também foi positivo em 120 vagas.

Nelson Sargento, o memorioso, Alvaro Costa e Silva, FSP

 28.mai.2021 às 23h15

A memória de Nelson Sargento —que morreu na quinta-feira (27), aos 96 anos— sempre foi prodigiosa. Ele lembrava que, moleque franzino, de tamborim na mão, calça e tênis brancos, camisa azul de jérsei e cartolinha de feltro, desceu as ladeiras do morro do Salgueiro para brincar o Carnaval na rua Dona Zulmira, território nelsonrodrigueano onde corriam soltas as batalhas de confete.

Depois chegou ao morro de Mangueira para viver com a mãe ao lado do fadista (depois sambista) Alfredo Português, em cujo barraco havia animadas reuniões de pagode, com carne moqueada, cerveja casco escuro e a presença da nobreza: Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira.
Nelson era o "gravador" da turma, evitando que algumas composições daquela época pioneira caíssem no esquecimento. Só de Cartola, "salvou" três, acrescentando-lhes uma segunda parte: "Deixa", "Ciúme Doentio" e "Vim lhe Pedir". Aprendeu ali que samba é memória. A tradição inspira e fundamenta o presente.

Um sambista de truz —como era Nelson Sargento— tem saudade de um passado que muitas vezes nem viveu, e é por isso que compõe. Pode ser um passado de glórias, um passado de lutas, um passado de amores, um passado fingido no qual acredita. Da recordação imaginada, nascem maravilhas como "Falso Amor Sincero".

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Nelson era como "Funes, o Memorioso", do conto de Borges. O ofício de pintor de paredes —viração nos apartamentos elegantes da Zona Sul carioca, com tinta branca, espátulas e rolos de lã— lhe abriu o caminho para a carreira de artista primitivo, quadros a óleo que retratam paisagens de favela e figuras carnavalescas resgatadas do olvido.

Um grande frasista. Uma vez bebíamos cerveja preta na praça 15 e, vendo o povo passar em direção à barca de Niterói, ele me disse: "O maior inimigo do pobre é o outro pobre". Adeus, Nelson Mattos, sargento apenas no apelido.