sexta-feira, 4 de outubro de 2019

China comunista, 70, FSP

Entre contradições internas, o gigante asiático ensaia papel de superpotência

Formação de mísseis nucleares durante as celebrações dos 70 anos da revolução chinesa - Liu Bin/Xinhua
O contraste de imagens na terça (1º) não poderia ser mais eloquente. Enquanto em Hong Kong um manifestante pró-democracia agonizava baleado no peito, em Pequim a ditadura fazia uma inaudita celebração nacionalista e militarista.
Os episódios ocorreram no dia em que foram comemorados 70 anos do moderno Estado chinês. Inicialmente inspirada pela experiência comunista soviética, a China reergueu-se aos poucos de seu passado de títere de atores estrangeiros e da devastação de guerras.
A partir de 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, tomou o rumo que conhecemos hoje, mesclando o centralismo socialista com a exploração capitalista extrema de suas enormes potencialidades.
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O resultado é notório. Segunda maior economia do mundo, vanguarda tecnológica em diversas áreas, expansão do PIB de astronômicos 3.500% em quatro décadas e centenas de milhões de pessoas tiradas da pobreza.
Os números brilham como os neons de cidades ultramodernas, mas escamoteiam problemas.
O regime é uma catedral opressiva construída sobre brutalidades como o Grande Salto Adiante, a Revolução Cultural, a anexação do Tibete, o massacre da Praça da Paz Celestial. A contagem de mortos chega às dezenas de milhões.
Ele lida também com questões estruturais associadas ao progresso, como ociosidade da infraestrutura monumental, a pobreza das áreas rurais e as dores do parto de uma sociedade de renda mais alta —e seus impactos, de demandas políticas a pressões ambientais.
Entretanto a contradição fulcral é a exposta nas ruas da antiga colônia britânica, onde até 2047 o poder total do Partido Comunista deverá compartilhar a paisagem com elementos da democracia liberal.
O híbrido é útil a Pequim, que explora a condição de Hong Kong como posto comercial avançado, mas o entrechoque entre desejo por liberdade e controle estatal sugere o germe de uma queixa mais ampla.
Nesse contexto opera Xi Jinping, o líder que a partir de 2017 imprimiu à ditadura um personalismo inexistente desde os tempos do fundador da nação, Mao Tsé-Tung. Ele vê uma China como superpotência que precisa ter expressão política compatível com a econômica.
O corolário de tal pretensão é o avanço bélico. Os chineses gastaram com defesa US$ 168 bilhões (R$ 687 bilhões) em 2018, montante só inferior ao desembolsado pelos americanos (quase o quádruplo), e o desfile de 70 anos foi um mostruário de armas destinadas a impressionar Washington.
Resta saber como Xi e os EUA irão se equilibrar entre acomodação e disputa, inclusive comercial.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Pornografias, FSP

Beijo gay de HQ não é obsceno, mas pistola automática em hospital é

“Pornografia é uma palavra que muita gente não entende direito. Beijar alguém do mesmo sexo não é pornografia. Exibir pistola automática em hospital é”, dizia um tuíte que publiquei na terça (10).
Por enunciar de forma sintética uma verdade que não é evidente para todos, o post merece desdobramento.
Primeiro é preciso recuar até o último e histórico fim de semana na Bienal do Livro do Rio.
Como se sabe, o prefeito Marcelo Crivella, com a ajuda da Justiça, armou uma tempestade oportunista no copo d’água de uma história em quadrinhos e acabou derrotado.
Muito já se falou do desespero de um péssimo político que se vê prestes a descer pelo ralo nas eleições e apela para o populismo descarado. No caso, invoca o pânico moral provocado em parte da população pela ideia de “pornografia”.
Que palavra é essa? Formada a partir do grego “porné” (prostituta), é jovem: nasceu no século 19 com a primeira acepção, em francês, de “estudo sobre a prostituição”. 
O sentido que vingou no puritanismo da Era Vitoriana, porém, foi o de arte erótica em geral e pintura licenciosa da antiguidade em particular.
Mulher distribui um dos 14.000 livros de temas LGBT comprados pelo youtuber brasileiro Felipe Neto e distribuídos livremente na feira em protesto ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, pela censura de uma revista em quadrinhos da Marvel
Mulher entrega um dos 14.000 livros de temas LGBT comprados pelo youtuber brasileiro Felipe Neto e distribuídos livremente na feira em protesto ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, pela censura de uma revista em quadrinhos da Marvel - 08.09.2019 - Fernando Souza/AFP
A palavra evoluiu daí para uma acepção de moralismo difuso: “reprodução grosseira e não artística de cenas sexuais que buscam excitar os baixos instintos do público”.
O pornográfico reivindicou parte da região até então pertencente ao erótico, território vasto demarcado por uma palavra que vinha de tempos remotos —do grego “erotikós”— e que incluía obras, tanto cabeludas quanto refinadas, nas quais eram retratados “amor, paixão ou desejo intenso”.
Desde então, o erótico vem sendo chamado cada vez mais a nomear apenas as terras altas da arte sensual. Os países baixos onde o pau come pertencem à pornografia.
O texto do Estatuto da Criança e do Adolescente favorece manobras de má-fé ao determinar no artigo 78 que seja vendido em embalagem lacrada todo “material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes”. 
A imprecisão de uma palavra como “impróprio” é imprópria ao texto de uma lei, e nesse escurinho se passou tudo: Crivella tramou inconstitucionalidades e um desembargador chegou a lhe dar razão, 
antes de ser corrigido pelo STF.
Logo adiante o ECA acende uma luz: determina que “as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca”.
Pornográficas, pois é. Eis a palavra-chave que poderia dar fundamento à cruzada do pastor-prefeito. Só que o livro em questão, da série “Vingadores”, da Marvel, é zero pornográfico ou mesmo erótico.
A imagem de duas pessoas vestidas se beijando tem outro papel dramático, aliás banal e quase onipresente na ficção dos últimos séculos: o romântico.
Bingo! Para a parcela homofóbica da população, cujo obscurantismo Crivella ordenha de modo obsceno, romantismo gay é necessariamente erótico; e sendo gay e erótico, só pode ser pornográfico. 
É o elemento “gay” que vicia o juízo, transformando o que seria corriqueiro entre homem e mulher num perigo do qual devemos proteger nossos filhos com embalagens lacradas. 
O nome disso é homofobia. Quanto a posar no hospital ao lado do pai convalescente com uma pistola automática bem ostensiva na cintura, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro, por que isso seria pornográfico? Porque a palavra evoluiu e hoje, mais do que imagens de nudez e atos sexuais, nomeia por analogia a exploração despudorada e crua de outros baixos instintos.
O presidente Jair Bolsonaro com o filho Eduardo Bolsonaro após cirurgia
O presidente Jair Bolsonaro com o filho Eduardo Bolsonaro, que carrega uma arma na cintura, no hospital após cirurgia - 09.09.2019 - Reprodução
Sérgio Rodrigues
Escritor e jornalista, autor de “O Drible” e “Viva a Língua Brasileira”.

Solar - Coluna Painel FSP

Lá vem o sol Às vésperas da abertura de uma nova consulta pública para a revisão de resolução 482, da Aneel, que vai aprofundar a discussão sobre o subsídio a quem faz uso da energia solar, os lados opostos do debate se municiam de argumentos. 
Calor “Não é justo que só uma parcela de usuários usufrua. Com o subsídio, a rentabilidade dos projetos vai de 20% a 35% ao ano. Sem ele, que onera a tarifa dos demais consumidores, ficaria em 12% a 18%”, diz a Abradee (associação de distribuidores) contrária à permanência da ajuda.
Ligado O mercado de geração de energia para o próprio consumo em empresas e residências tem potencial para crescer 400 vezes até 2030, de US$ 600 milhões para US$ 240 bilhões, segundo Emmanuel Lagarrigue, da francesa Schneider Electric. Já a demanda de energia deve duplicar em 20 anos, estima o executivo.
De novo O lamento do setor de serviços com a PEC 45 da Câmara, da reforma tributária, ressuscitou frente parlamentar do setor nesta quarta (2). Ela existiu de 2011 a 2015, quando foi incorporada pelo grupo em defesa do comércio. As empresas temem que a unificação de tributos, como está proposta, eleve imposto.
com Filipe Oliveira e Mariana Grazini
Painel S.A.