domingo, 31 de agosto de 2014

Em cinco anos, 17 maternidades fecham as portas no Estado

Com cerca de 15 semanas de gravidez, Camila Raduan, 24, de São Bernardo do Campo (SP), teve um sangramento. Foi às pressas a uma maternidade perto de casa que atendia seu plano de saúde. Havia sido fechada.
Correu a um pronto-socorro. O bebê estava bem. Mas, para evitar surpresas, dias depois, Camila resolveu procurar um local para o parto. Sem sucesso: descobriu que outra maternidade particular havia encerrado as atividades.
Agora, com 37 semanas, está decidida: sem opções de seu plano na cidade, vai ter o filho em Santo André (SP).
Casos como esse vêm se repetindo devido ao fechamento em série de maternidades.
Nos últimos cinco anos, ao menos 17 encerraram suas atividades em São Paulo, segundo levantamento feito a pedido da Folha por entidades que reúnem clínicas e hospitais particulares no Estado -o Sindhosp e a Fehoesp.
Na capital, o tradicional hospital Santa Catarina anunciou que, após 35 anos de funcionamento, fechará a maternidade em outubro.
Para evitar ter o mesmo destino, a Santa Casa de Belo Horizonte lançou campanha na internet e negocia ajuda de governos. Novas consultas já não são marcadas.
O fechamento afeta também as vagas do SUS. Desde 2009, o país perdeu 4.086 leitos para gestantes, uma redução puxada pelos hospitais particulares conveniados ao SUS -nestes, a queda é de 36,5%. Nos hospitais públicos, houve aumento de 0,4%.
Não há dados consolidados sobre os leitos apenas da rede privada, mas gestores de hospitais confirmam que vêm diminuindo, principalmente devido à opção por áreas consideradas mais rentáveis, como oncologia e cardiologia.
"Muitos procedimentos nas maternidades são simples e pagam muito pouco", diz o presidente do Sindhosp, Yussif Ali Mere Jr. Para ele, o fechamento, em alguns casos, é uma questão de "sobrevivência" dos hospitais.
Visão similar tem Francisco Balestrin, da associação de hospitais particulares, que cita também uma redução na taxa de nascimentos no país.
No entanto, segundo os dados do SUS, a queda no número total de leitos a gestantes desde 2009, de 9%, já é maior que a de partos, de 5%.
Para o secretário de Atenção à Saúde Fausto Pereira dos Santos, do Ministério da Saúde, além da mudança demográfica, contribuem para o fechamento das maternidades regras que elevaram custos.
"Hoje é inadmissível não ter retaguarda de um leito de UTI, por exemplo. Manter uma maternidade ficou caro. Deixou de ser bom negócio.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Cármen Lúcia alerta para ‘a fúria que ganha as ruas’ (Nalini)


FAUSTOMACEDO
Segunda-Feira 25/08/14

Em São Paulo, onde participou de debate sobre foro privilegiado, ministra do Supremo diz que ‘privilégios existem na monarquia, não na República’.


Fausto Macedo
A ministra Cármen Lúcia, vice presidente eleita do Supremo Tribunal Federal (STF), alertou nesta segunda feira, 25, para a ameaça da insatisfação popular ante a descrença no Estado. Ao abordar a “avalanche de processos” nos tribunais ela disse: “Muitas vezes, especialmente na parte administrativa, eu acho que estou maquiando cadáver. Esse Estado brasileiro, como está estruturado e como a Constituição previu há 25 anos, não atende mais a sociedade. O que era esperança, na década de 1980, pode se transformar em frustração. A tendência de uma frustração, o risco social é se transformar em fúria. E, quando a fúria ganha as ruas, nenhuma ideia de Justiça prevalece.”
Cármen Lúcia participou de um debate sobre foro privilegiado, promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), ao lado do ex-presidente do STF, Antonio Cezar Peluso, e do criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira – aquele defendeu o foro especial, este condenou com veemência.
“Privilégios existem na monarquia e não na República”, disse a ministra. “O Supremo é tribunal, não é corte. E o que não é explicável significa que tem na sua base uma concepção que está socialmente errada. Eu não vejo como se garantir materialmente o princípio da igualdade, preservando os que são sim privilegiados.”
Cármen Lúcia advertiu para a extensão da prerrogativa de foro por função. “Basta ver que as Constituições estaduais fizeram mais. Procurador geral do Estado amigo do governador deu um jeitinho de ser incluído também no rol daqueles que somente seriam julgados pelo Tribunal de Justiça. Então, não vejo como se afirmar que o princípio da igualdade esteja sendo rigorosamente cumprido.”
Ela abriu uma exceção, para presidente da República, assim como Mariz de Oliveira. “Pelo que ele (presidente) simboliza e pela dimensão de dados que tem na sua mão, levar o caso para o juiz de primeiro grau compromete tanto a prestação eficiente, quanto a Justiça dessa prestação. Daí porque concordo que quanto ao presidente a ação se mantenha no Supremo. Faço exceção, sim, ao presidente da República. Acho que presidente da República é muito mais vulnerável também a injunções perversas.Mas, no geral, não há razão para isso (foro privilegiado), nenhuma razão.”
Para a ministra do Supremo não há motivo para “distinguir entre o cidadão que exerce a função de pedreiro, que é uma função honrosa, e o que exerce uma função pública, um cargo público”.
“O que eu quero é um Brasil que seja justo para todo mundo, muito mais igual, sem privilégios”, declarou. “Qualquer privilégio, quando não atende o princípio da igualdade material, não tem razão de existir, nem sustentação.”
Para a ministra, no caso de presidente, o foro especial representa uma “dupla proteção, para a sociedade como um todo e uma garantia para o próprio juiz”.
“Não porque não seja um bom juiz, mas o juiz que assume pela primeira vez no interior, ele às vezes treme de medo na primeira audiência. Imagine submete-lo a isso (julgar demanda envolvendo o presidente da República).”
Ao comentar sobre a avalanche de processos no País, a ministra do Supremo enfatizou. “Quando o Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário, não funciona bem, as leis não estão sendo cumpridas a contento, os serviços não estão sendo prestados, o que é a esperança vira frustração. A frustração vira ira, porque ele (cidadão) se sente frustrado, tantas vezes e tantas vezes, que ele vai perdendo entusiasmo e aí é perigoso. O Estado existe para que as pessoas tenham mais chances de ser felizes. O Estado não pode ser causa da infelicidade de ninguém. O direito existe para que as pessoas possam se fazer felizes, para que ele tenha chance de ser feliz, para que ele vá dormir sem medo. Precisamos repensar isso, com seriedade.”
Ela conclamou os advogados, os juristas e todo o universo forense que digam que Supremo querem. “Um País que tem, segundo dados, não sei se são corretos, mais de 80 milhões de processos, considerando que somos 200 milhões de pessoas, há que se convir que há alguma coisa muitíssimo errada no País ou na sociedade. Por isso mesmo (o sistema) precisa ser repensado como um todo. Que Supremo Tribunal Federal querem, qual o Supremo que nós temos e qual o que nós queremos ter.”
Cármen Lúcia falou sobre “o jogo dos recursos” que fazem arrastar as ações indefinidamente. “Aí precisamos pensar, a comunidade jurídica como um todo, o processo como um todo. O processo tem atuado como um jogo, quem está ganhando quer que acabe depressa, quem está perdendo não quer que acabe e ele vai com outro (recurso) e com outro. Isso acontece quando vejo meu irmão assistindo futebol. Quando o time dele está perdendo, ele xinga o juiz até, como eu imagino que me xinguem na hora que alguém recorre e eu não tenho nada com isso e tenho que continuar pondo em pauta.”
Para a ministra, existem outras formas de conciliação, sem judicialização. “É preciso dar importância, é preciso que a sociedade entenda que quando se busca a jurisdição, vai ter começo, meio e fim, como tudo na vida, como a própria vida. Então, eu acho que o raciocínio tem quer ser maior. É preciso levar à sociedade brasileira o número de processos em curso para acabar também com algumas ilusões, de que a demora é muito grande.”
Ela destacou que a polêmica sobre a morosidade da Justiça se prolonga há décadas. “A primeira conferência que assisti, como aluna, em 1974, foi do ministro Aliomar Baleeiro, em 1974. Ele tinha sido ministro do Supremo e falou sobre a morosidade da Justiça. Quarenta anos depois estou eu como ministra do Supremo falando sobre morosidade da Justiça. A pergunta é: a quem interessa? Ao juiz interessa a celeridade. Mas alguém está interessado em manter a morosidade. Não vamos ser bobos. É preciso discutir isso.”

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Tribunal vê crime permanente em cartel dos trens


FAUSTO MACEDO
Segunda-Feira 18/08/14

Desembargadores acolhem mandado de segurança da Promotoria e será aberta ação penal contra seis denunciados na Linha 2 do Metrô


Em votação unânime, três votos a zero, os desembargadores da 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheram mandado de segurança do Ministério Público Estadual e abriram caminho para a abertura de ação criminal contra seis executivos do cartel de trens, denunciados por conluio na Linha 2 (Verde) do Metrô.
O mandado de segurança foi impetrado pelo promotor de Justiça Marcelo Mendroni, que combate carteis. Ele insurgiu-se contra decisão da 30.ª Vara Criminal de São Paulo. Em abril, o juiz de primeiro grau rejeitou a denúncia contra os dirigentes de multinacionais que teriam fraudado licitação da estatal paulista de transportes de massa.
O juiz da 30.ª Vara Criminal decretou a extinção da punibilidade dos acusados, pela ocorrência da prescrição, ou seja, esgotou-se o prazo que a Justiça tem para punir o acusado.
Marcelo Mendroni não aceita. Para ele, o cartel é crime continuado, dinâmico, desde a assinatura do contrato até os aditamentos e os desembolsos realizados. Sua tese recebeu o aval dos desembargadores da 4.ª Câmara Criminal do TJ.
Em março de 2014, Mendroni entregou cinco denúncias contra o cartel metroferroviário à Justiça. São 34 acusados, de 12 multinacionais. Uma denúncia é relativa à Linha 2 (Verde) do Metrô.
Segundo acordo de leniência firmado em maio de 2013 entre a multinaconal alemã Siemens e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o cartel predominou em São Paulo entre 1998 e 2008, nos governos Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, todos do PSDB. O cartel também agiu no Distrito Federal.
Para o promotor Mendroni o ajuste criminoso se estendeu até 2013, quando ainda foram efetuados pagamentos.
O desembargador Edison Brandão, relator, avalia que é “impossível reconhecer-se a prescrição do alegado crime de cartel”.
“Como é sabido, destinando-se o mesmo (cartel) a buscar contratos administrativos, na esmagadora maioria, são contratos de trato sucessivo com a administração, de modo que, enquanto tais contratos ativos estiverem vigentes, ainda, estarão, em tese, sendo perpetrados atos do mesmo “cartel”, sendo dessa forma, crime de natureza permanente”, assinalou o desembargador.
O relator é categórico. “Frise-se mais uma vez que, os contratos de trato sucessivo, por si só, continuam gerando efeitos criminosos, quando assim são desde sua origem, posto que, além da “formação de cartel”, existe de forma autônoma a prática de outros crimes, estes por vezes instantâneos de efeitos permanentes.”
Edison Brandão considera: “Neste particular, em relação aos possíveis crimes de fraude à licitação, aplicando-se o mesmo entendimento, a cada renovação contratual de qualquer título, ou a cada adimplemento parcial do mesmo típico dos contratos de trato sucessivo, novo prazo prescricional recomeça a ser contado.”
“Tal fato é notório em contrato moderno que ultrapassa décadas em sua validade, sendo impossível que se imagine prescrita a conduta criminosa, quando em exemplo, agentes do crime, continuam reiteradamente a se apoderar criminosamente de verbas do erário”, adverte o relator.
O voto de Edison Brandão foi acompanhado pelos desembargadores Luís Soares e Euvaldo Chaib, presidente da 4.ª Câmara.
LEIA A INTEGRA DOS VOTOS DO RELATOR EDISON BRANDÃO E DO DESEMBARGADOR LUÍS SOARES: