segunda-feira, 9 de julho de 2012

Não sei se verei a São Paulo de meus sonhos, por Ignácio Loyola Brandão


O Estado de S.Paulo
Cheguei com 21 anos e já estou há 54 em São Paulo. Desde meus primeiros dias, vivo um problema que existe até hoje e compartilho com todo mundo. Não dirijo. Ando de táxi, ônibus, metrô e caminho muito. Sou pedestre e sofro como pedestre. Desloco-me e sofro com os transportes urbanos.
Como pedestre conheço a tragédia das calçadas. Até que agora há um movimento para se pavimentar melhor, mas é um esforço pequeno, em alguns bairros. Quem caminha torce o pé em buracos, tropeça em desníveis de todos os tipos, precisa olhar para baixo o tempo inteiro. Não há calçadas uniformes, planas, planejadas, cuidadas. É um sobe e desce continuo, há degraus inesperados, cada dono constrói seu trecho de calçada segundo sua fantasia. Que nunca combina com o do vizinho. Há gosto, bom gosto e muito mau gosto, breguice, kitsch.
Há nesta cidade um milhão de tipos de pisos. Cada um faz como quer ou como pode. Há pisos de pedras, paralelepípedos, lajotas cerâmicas, tijolos, cimento cru, concreto, pedras portuguesas, até já vi dormentes. Isso quando tem calçada. Não garanto que a variedade contribua para uma cidade criativa e original, divertida. Ao contrario, é um mix desordenado de excrescências. Tem quem faça um jardim na calçada, o que é bonitinho, mas reduz a área de circulação. As nossas calçadas já são as menores do mundo. E aqueles que no jardim colocam plantas cheias de espinhos, para dar uma certa "segurança"?
Tenho inveja das cidades civilizadas em que as calçadas sofrem a ação severa da municipalidade que principalmente dá o tom: calçadas são para se andar. Para os pedestres circularem com segurança, desenvoltura, prazer. Lembro-me das calçadas de Berlim, larguíssimas, sendo que a maioria contém uma ciclovia. Ai de você se andar pela ciclovia! Pode ser atropelado por uma bicicleta e ainda será processado. Em Berlim as calçadas são lisas como mesa de bilhar. Claro, boas mesas de bilhar, não essas de bibocas da nossa periferia. Calçadas lisas e limpas, dá gosto andar pela cidade. Que é profundamente arborizada.
Aqui em São Paulo, torci o pé quatro vezes, uma com gravidade (e eu era muito mais moço), sendo que minha mulher, aqui na rua onde moro, João Moura, simplesmente quebrou o pé num desnível inesperado. Fosse um País justo, a Prefeitura seria acionada e pagaria todas as despesas que tivemos com ortopedista, raios X, medicamentos, fisioterapia. Dia desses, um senhor tropeçou e foi ao chão, se ralou todo, na minha frente. Por causa de pedras soltas. Alguém já caminhou durante uma chuva ou após? Formam-se poças, lagos, lagoas, igarapés nos quais metemos os pés, nos molhamos, afundamos. Sim, afundamos, porque buracos se abrem e as águas nos enganam. Mais do que uma aventura, é uma odisseia de perigos caminhar pela cidade.
Não posso omitir a vegetação - sim, a palavra é essa, vegetação abundante - que cresce entre os interstícios das pedras. Parece uma trilha de mato. Outra coisa, há calçadas estreitas cuja largura diminui quando você passa na frente de garagens cujos portões fazem uma "barriga", roubando espaço. São o que chamo de portões grávidos. Como a área interna é mínima e o carro não cabe, o portão ganha uma saliência que avança para a calçada, atrapalhando. Essas saliências deviam pagar IPTU...
Problemas pequenos? Parecem. Somem, vejam os prejuízos dos pedestres, dos passantes, dos chamados transeuntes. Acrescento que esta é uma cidade cuja arborização é constituída pelos mais diferentes tipos de árvores. Quando tem verde. E quando as árvores conseguem resistir aos vândalos, temos espécies desiguais que crescem lentamente, que não crescem, que tem troncos finos, frágeis, deixando a ideia de que um semeador louco foi passando e lançando sementes a torto e a direito, mais a torto do que a direito.
Tenho uma doméstica (parece que pelo politicamente correto não posso usar essa palavra, mas não me lembro da correta) e tenho uma faxineira que trabalha por dia. Elas me contam as agruras de quem toma ônibus. Experiência que tenho tido pessoalmente. Algum secretário de Transportes já andou de ônibus? Já tentou decifrar os itinerários? Já chegou em um ponto e viu ali afixada uma informação das linhas que passam por aquele ponto? Alguém que coordena (ou descoordena) os transportes públicos ficou um dia inteiro num ponto, cronometrando as passagens, chegadas e partidas? Anotando atrasos, veículos lotados que não param, veículos vazios que não param porque o ponto está escuro? E qual ponto tem iluminação?
Algum coordenador tentou fazer uma viagem num coletivo cheio, em dia de calor, janelas fechadas? Porque um abre, outro reclama e fecha, o motorista breca, todos cambaleiam, são arremessados para trás e para a frente. Algum já viajou esmagado, prensado, sufocado, o ar faltando aos pulmões, sentindo o cheiro do suor de um povo que trabalhou o dia inteiro e volta para casa?
Vivo nesta cidade há 54 anos e caminhei milhares de quilômetros e viajei outro tanto nestes transportes. Metrô? Sim, tem o metrô, mas tente viajar nos horários de pico. Ah! Aí, sim, se vê por que é uma selva. O famoso clichê. Bicicletas? Roleta russa. Moto? Sabem que existem dois tipos de motoqueiros? Os que já caíram e os que vão cair.
Sonho com utopias. A São Paulo ideal teria calçadas largas contendo uma ciclovia e árvores. E a infernal fiação enterrada sob o solo. Leitos carroçáveis (bem, a palavra vem do tempo das carroças: mudaram os carros, permanecem os leitos) remendados, colchas de retalhos continuamente perfuradas pela Sabesp, Comgás e outras. E árvores para nos refrescar. E bueiros que deem vazão às águas das chuvas. E um povo que não varra folhas para dentro dos bueiros. E que tenha recipientes para se depositar o lixo. A São Paulo ideal teria prédios de no máximo oito andares e praças e jardins e parques. E principalmente projetos e planos diretores que olhassem o futuro, e não o presente imediato e eleitoreiro. E administradores que olhassem com carinho para com ela, afinal, eles também moram aqui.

A luta por uma economia não cartelizada


coluna do Luís Nassif
Coluna Econômica - 09/07/2012

Há dois desafios para a política econômica: um, de curto prazo, o de recuperar a dinâmica do crescimento; outro, muito mais relevante, o de desenhar o país para as próximas décadas.
Esse desafio implica superar uma pesada herança de quase trinta anos: a desindustrialização, fruto de um trabalho pertinaz de desconstrução; e a cartelização interna da economia.
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Do plano Real para cá, passando pelos dois governos de FHC e de Lula, a economia viveu um período de aumento da carga tributária, câmbio defasado, taxas de juros sem paralelo na história, burocracia e uma competição crescente dos produtos importados, especialmente asiáticos.
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Nesse quadro inóspito, prosperaram dois grupos de empresas: grandes grupos com poder de cartel e grupos que floresceram a salvo da economia formal.
Junto com a abertura da economia, no início dos anos 90, vieram as preocupações com a concentração econômica, que levaram à reestruturação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). No entanto, já na gestão de Gesner de Oliveira – o primeiro da nova leva – houve a completa desmoralização do órgão a partir do episódio Ambev.
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Da abertura para cá, novos grupos se consolidaram no país. Saindo das brumas da sonegação fiscal, criaram-se grandes frigoríficos; do submundo do transporte público, surgiram grandes companhias aéreas; do crime organizado do centro-oeste, o financiamento para novas indústrias e para muitas grandes propriedades do agronegócios. E da economia formal, grandes grupos.
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Não se está entrando em julgamento moral, mas explicando a dinâmica de acumulação de capital.
O grande problema é que, em nenhum momento, houve políticas expressas para evitar a concentração econômica, a cartelização.
Por falta de ferramentas adequadas de crédito para médias propriedades, no centro-oeste grandes propriedades se valeram de seu maior poder de captação de recursos para comprar as menores. Na laranja, uma devastação entre os fornecedores. Na pecuária, uma concentração irresponsável em frigoríficos, patrocinado pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) de Luciano Coutinho.
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Há sinais de mudança de rota, alguns promissores, outros mais tímidos.
Esta semana, o novo Plano de Safras significou um avanço enorme no fortalecimento das médias propriedades rurais. Houve aumento de recursos, metas ambiciosas de safra, com redução de juros, aumento dos limites individuais, melhoria do seguro e reforço do Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural).
Há mudanças também na área de direito econômico, tentando recuperar as funções do CADE e do Secretaria Nacional de Direito Econômico.
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Falta apenas Coutinho, no BNDES, deixar de lado a síndrome da LCA (Luciano Coutinho e Associados) e pensar mais como construtor de país.
Como lembrava dia desses o ex-Ministro Antônio Delfim Neto, papel imprescindível do BNDES sempre foi o de fortalecer novos setores, estimular o mercado de capital ajudando a reduzir o risco de investimentos em novas empresas.
Não tem cabimento suas incursões nos setores de varejo, frigoríficos, siderurgias, financiando fusões e aquisições.

sábado, 7 de julho de 2012

Inflação enfraquecida


CELSO MING - O Estado de S.Paulo
O comportamento da inflação neste ano é a boa surpresa deste governo Dilma, embora o Banco Central prefira atribuir os maiores créditos pelo resultado à "fragilidade da economia global", que vem derrubando os preços lá fora e aqui dentro.
Em junho, a inflação medida pelo IPCA foi de apenas 0,08%, metade do que vinham prevendo as cem instituições consultadas semanalmente pelo Banco Central, por meio da Pesquisa Focus. Esse 0,08% perfaz uma acumulada de 2,32% no primeiro semestre do ano; e de 4,92% no período de 12 meses terminado em junho (veja o gráfico). Apesar das novas altas do IGP-M, já detectadas, aumenta a probabilidade de convergência dos preços para o centro da meta, de 4,5%, que há alguns meses parecia difícil.
Na próxima quarta-feira, o Copom voltará a se reunir para rever o nível dos juros básicos (Selic). Parece mais alta a probabilidade de que o Banco Central reduza mais uma vez os juros básicos em 0,5 ponto porcentual, dos atuais 8,5% para 8,0% ao ano.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, vem avisando que a derrubada dos juros na ponta do crédito e a desvalorização do real, cada um deles em aproximadamente 20% neste ano, são o resultado da adoção do novo mix de política econômica, que, segundo ele, deve criar condições para a retomada do crescimento do PIB.
Não há ainda informações de que o governo consiga entregar um desempenho aceitável, de 3% a 4% ao ano, como prometido. E ele próprio não consegue convencer os empresários a pisar no acelerador. Além do efeito colateral, que é a derrubada da inflação, a crise externa vem produzindo enorme desânimo nos agentes econômicos. Se ela se prolongar por muitos meses - como prevê o ministro Mantega - aprofundará o desânimo entre os empresários. Isso significa que será necessário um fato novo, hoje não observado na linha do horizonte, para mudar esse estado de espírito, condição necessária para uma virada consistente.
É possível - como admitido acima - que os juros básicos continuem caindo e que, com eles, também continuem caindo os juros cobrados nas operações de crédito. Mas é improvável que o governo consiga avançar muito mais do que já avançou na desvalorização do real diante do dólar.
Em outras palavras, se o governo continuar bem-sucedido na condução de sua política fiscal (formação de um superávit primário, de 3,1% neste ano, ou economia de R$ 140 bilhões para amortização da dívida), manterá aberto o corredor para a continuação da redução dos juros. O mesmo não se pode dizer da utilização do câmbio como instrumento de política industrial, prática reconhecida pelo ministro Mantega e pelo diretor de Política Monetária do Banco Central, Aldo Luiz Mendes, porque esse recurso tem seus limites.
A melhor maneira de estimular investimentos e assegurar maior crescimento econômico é acionar projetos de infraestrutura, tanto por meio de novas concessões ao setor privado quanto por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs) - desde que o governo consiga também agilizar a liberação de licenciamento ambiental.