quinta-feira, 27 de junho de 2024

Estação ferroviária de Taubaté é restaurada após ficar 20 anos fechada, FSP

 

RIBEIRÃO PRETO

Depois de sofrer abandono nas últimas duas décadas, a centenária estação ferroviária de Taubaté foi restaurada e será entregue nesta quinta-feira (27). O local foi transformado em espaço cultural e turístico e o uso da população está previsto para ocorrer em agosto.

Construída há 101 anos, a estação fazia parte da EFCB (Estrada de Ferro Central do Brasil) e é um importante representante do desenvolvimento econômico de Taubaté, além de ter sido um dos principais pontos de conexão para passageiros na rota entre São Paulo e Rio de Janeiro por meio da ferrovia.

Imagem noturna mostra a estação ferroviária de Taubaté iluminada, com um veículo passando à sua frente
Estação ferroviária de Taubaté, que foi restaurada e será entregue nesta quinta-feira (27) - Divulgação/Instituto I.S

A linha férrea, claro, hoje transporta apenas cargas, como quase a totalidade das ferrovias brasileiras —as exceções são a Estrada de Ferro Vitória a Minas e a Estrada de Ferro Carajás—, mas o abandono visto no local nos últimos anos gerava críticas justamente pela contribuição que teve para o desenvolvimento econômico da cidade e do Vale do Paraíba.

Taubaté, com 310 mil habitantes, é a segunda cidade mais populosa da região, atrás apenas de São José dos Campos (697 mil).

O prédio restaurado não foi o primeiro a abrigar uma estação ferroviária em Taubaté, numa história que remonta à segunda metade do século 19. A estação pioneira —demolida e inaugurada em dezembro de 1876—, deu lugar à atual, então mais moderna, 47 anos depois do início de suas operações.

Imagem em preto e branco mostra a estação ferroviária de Taubaté em 1923, ano em que foi inaugurada
Estação ferroviária de Taubaté em junho de 1923, mês de sua inauguração. - Divulgação

Mas, assim como ocorreu com outras companhias ferroviárias, com o passar das décadas o transporte de passageiros foi gradualmente abandonado, até ser totalmente suprimido no trecho na segunda metade dos anos 1990.

O abandono que já existia no local foi acelerado desde então, principalmente após a concessionária MRS Logística —responsável pelo trecho ferroviário e por uma malha de 1.643 km em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo— deixar de utilizar o prédio, em 2005.

Sem grande movimentação no local, ausência de vidros, madeiras em péssimo estado, paredes deterioradas, telhado ameaçado, mato e mofo passaram a ser o cenário visto pelas pessoas que por ela passavam nos últimos anos.

O primeiro sopro de mudanças ocorreu em agosto de 2021, quando o conjunto da estação ferroviária de Taubaté foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), órgão paulista de preservação, o que incluía o armazém de carga, o leito ferroviário e a vila ferroviária.

Foi quando surgiu na história o Instituto I.S de Desenvolvimento e Sustentabilidade Humana, que obteve a cessão de uso do patrimônio, elaborou o projeto e executou a restauração, o que permitirá que a partir de agora o imóvel tenha uma destinação e volte a ter vida.

O restauro foi possível após investimento de R$ 9,5 milhões e envolveu BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), EDP, Gestamp, a concessionária MRS e o instituto.

Segundo a MRS, a previsão é que a estação seja aberta ao público em agosto, num espaço que abrigará museu, exposições, balcão de informações turísticas, gastronomia (bar e restaurante) e artesanato.

Numa rede social, o instituto publicou que "cada detalhe restaurado na estação é um testemunho do nosso compromisso com a preservação da história e a promoção da cultura". Via assessoria, o diretor-presidente do instituto, Rodrigo França, afirmou que a restauração é a realização de um sonho iniciado há 12 anos.

Já o diretor de relações institucionais da MRS, Gustavo Bambini, afirmou que a concessionária identificou a relevância do projeto para a cidade e o estado, para restabelecer o local devido à sua importância para o desenvolvimento do país.

"Um polo ímpar para o avanço do Brasil, como foi a estação ferroviária de Taubaté, hoje torna-se uma fonte de conhecimento, cultura e empreendedorismo. Sempre foi e continua sendo muito importante mantermos viva a história da ferrovia", disse.

Maconha: STF acerta diagnóstico, mas se mostra incapaz de oferecer uma solução eficiente, FSP

 

Cristiano Maronna

Advogado, é mestre e doutor em direito penal (USP), diretor da Plataforma Justa e autor de “Lei de Drogas Interpretada na Perspectiva da Liberdade” (Contracorrente, 2022); membro da Rede Reforma e do Repensando a Guerra às Drogas

SÃO PAULO

Após 13 longos anos de tramitação e cerca de nove anos desde o início do julgamento, o Supremo Tribunal Federal formou maioria a favor da declaração de inconstitucionalidade da criminalização da porte de maconha para uso pessoal e da fixação de critérios objetivos para diferenciar uso e tráfico.

O julgamento foi confuso, cada um dos 11 ministros apresentou um voto individual e em muitos pontos divergentes e nem mesmo o placar ficou claro, apesar de ser indiscutível que a maioria do colegiado votou pela descriminalização da posse de até 40 gramas de maconha. Nesta quarta-feira (26), o julgamento deve prosseguir, com a modulação dos efeitos da decisão. Há muitas incertezas no ar.

Grande parte dos ministros reconheceu que usuários negros e periféricos são presos e condenados por tráfico. A disfuncional aplicação da Lei de Drogas é hoje o principal vetor encarcerador no Brasil. No lugar de garantir direitos, o sistema de Justiça (com raras exceções), tornou-se o fiador da barbárie. No decorrer do alongado julgamento, foi possível ouvir votos com extensa autocrítica ao Judiciário em particular.

A imagem mostra uma multidão participando da 'Marcha da Maconha' em Brasília, DF. As pessoas estão segurando um grande banner branco com o texto 'marcha da maconha' em letras verdes e uma folha de maconha estilizada ao lado. O evento ocorre ao ar livre, com o sol brilhando ao fundo e algumas palmeiras visíveis.
Militantes pela descriminalização da maconha participam da Marcha da Maconha, na praça dos Três Poderes, em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília - Pedro Ladeira - 30.mai.19/Folhapres

A maioria do Supremo acertou o diagnóstico, mas não foi capaz de oferecer uma solução eficiente para os desafios existentes no campo do processo penal, da segurança pública e da política criminal, em especial a definição de diretrizes orientadoras da atuação das forças de segurança e do próprio Judiciário.

Analisar a constitucionalidade apenas do porte de maconha e não das demais drogas postas na ilegalidade é um exemplo do efeito "backlash" produzido pela PEC 45, que impõe a criminalização de qualquer quantidade de drogas, uma tentativa golpista do Congresso de emparedar o Supremo. Cresceu a demanda por autocontenção da corte, inclusive por parte de alguns de seus membros, uma "virtude passiva" para evitar desgastes na conflituosa relação com o Congresso.

A restrição somente à Cannabis excluiu justamente os mais vulneráveis: pessoas que vivem em situação de rua e têm problemas relacionados ao uso de drogas, como crack, continuarão sendo criminalizadas, presas e submetidas a tratamento forçado. Cada dia, sua agonia, disse o ministro. As nossas agonias continuarão a ser muitas e muito provavelmente a decisão do STF não vai alterar o quadro dramático que existe hoje.

O voto condutor da maioria estipula presunção relativa de uso pessoal no caso de posse ou porte de até 40 gramas de maconha, exceto se presentes outros indícios de traficância, como diversidade de drogas, local, presença de balança, anotações e mensagens eletrônicas e telemáticas.

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Questões essenciais não foram tratadas e restam muitas dúvidas: o testemunho policial e as provas a ele ancoradas continuarão a ser valorados como suficientes para acusar ou condenar por tráfico? Sendo o tráfico de drogas um crime que exige prova da finalidade mercantil, esse ônus pertence com exclusividade à acusação e sua demonstração exige corroboração externa aos agentes da lei envolvidos no caso.

Outro aspecto importante desse debate, até aqui ausente no julgamento, diz respeito às câmeras corporais nas fardas dos policiais, as quais são fundamentais para qualificar provas judiciais e administrativas, tornando possível o controle da legalidade "a posteriori" do agir policial, em especial em questões como justa causa para abordagens policiais, perfilamento racial, a obrigatoriedade do "Miranda Rights" [termo usado nos EUA que dá ao suspeito o direito de permanecer calado e não gerar provas contra si], autorização do morador para buscas domiciliares sem ordem judicial etc.

Não se debateu a imprestabilidade da denúncia anônima, a impossibilidade de concessão de mandado de busca à Polícia Militar ou da prática, pela PM, de qualquer ato privativo de polícia judiciária.

Como o STF vai modular essa decisão? Condenados e processados por tráfico de até 40 gramas de maconha e que estão hoje presos, poderão ser beneficiados?

Se a posse de drogas para uso pessoal é mero ilícito administrativo, então estados, DF e municípios poderão legislar sobre a matéria por possuírem competência concorrente? Há exemplos recentes de leis municipais impondo elevadas multas a pessoas flagradas usando drogas em locais públicos, em regra os mais pobres e vulneráveis.

A descriminalização pela via judicial não implica indevida invasão de competência privativa do legislador, como demonstram exemplos que podem ser colhidos no direito comparado. As supremas cortes de Argentina, Colômbia, México e África do Sul declararam inconstitucional leis criminalizadoras do porte de drogas para uso pessoal. Na Espanha e na Alemanha o Judiciário estipulou critérios objetivos baseados em quantidades de substâncias ilícitas.

Um Judiciário independente é essencial para evitar a ditadura da maioria, em defesa da intangibilidade dos direitos fundamentais. Não é papel do Estado dizer a pessoas adultas e capazes o que pode ou não penetrar os seus corpos.