segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Lula libera empresa de Joesley a comprar energia da Venezuela, e Brasil pagará mais caro, FSP

 Alexa Salomão

BRASÍLIA

Já é oficial. Quem vai importar a energia elétrica da Venezuela para reforçar o abastecimento de Roraima é a comercializadora da Âmbar, braço de energia da J&F Investimentos, dos empresários Joesley e Wesley Batista, que também controla a JBS, maior empresa de carnes do mundo.

A Âmbar sugeriu, e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aceitou, que o consumidor pague de R$ 900 a R$ 1.080 pelo MWh (megawatt-hora), a depender do montante importado.

Os preços são bem superiores aos cobrados pela Venezuela de 2001 até 2019, quando o governo Jair Bolsonaro (PL) suspendeu o fornecimento faltando dois anos para o encerramento do contrato.

Vista da hidrelétrica de Guri, na Venezuela; energia que custa cerca de R$ 250 chegará ao consumidores brasilerios por R$ 1.080 - 13.04.16 - Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Os valores anteriores foram acertados entre os governos dos dois países para um prazo de 20 anos e em dólar.

Nos dez primeiros anos de fornecimento, o MWh foi fixado em US$ 26, o equivalente a R$ 127 pelo câmbio atual. Para os dez anos seguintes, foi aplicado o valor de US$ 28, R$ 137.

O fornecedor para a importação brasileira não mudou. Era e será a hidrelétrica Simón Bolívar, mais conhecida como Guri.

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A usina tem 10.200 MW de potência, está entre as maiores do mundo e é a principal fonte da eletricidade no país vizinho. Inaugurada em 1986, já foi amortizada (pagou todos os custos de construção) e tem energia barata.

O site Global Petrol Price, que monitora valores internacionais de energia, dá uma dimensão dos preços praticados.

No dado mais recente, de setembro, os consumidores residenciais na Venezuela pagaram US$ 46 pelo MWh, o equivalente a R$ 226 pelo câmbio atual. Para as empresas, ficou em US$ 53, R$ 260,5.

Segundo especialistas do setor, que preferem não ter o nome revelado, essa é uma faixa de preço compatível com a energia de Guri, diferentemente do valor oferecido pela Âmbar, que equivale a de uma térmica a óleo diesel.

Executivos que participaram da elaboração do primeiro contrato de fornecimento de Guri relataram à Folha que o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a Eletrobras, por meio da Eletronorte, se empenharam para negociar o preço baixo para o consumidor.

O acordo começou a ser alinhado em 1994, ainda no governo do venezuelano de Rafael Caldera, e incluiu a construção de extensões de linhas de transmissão dos dois lados para fronteira.

O projeto atrasou, e a inauguração só ocorreu em 2001, já no primeiro mandato de Hugo Chávez. O ditador Fidel Castro, de Cuba, visitava o país e foi à cerimônia.

O governo Lula sinalizou ainda no primeiro semestre deste ano que o Brasil voltaria a importar energia da Venezuela. Apesar do estreitamento das relações entre o atual governo e Nicolás Maduro, não ocorreu uma negociação pública sobre preço dessa nova etapa de importação.

Em 4 de agosto, Lula e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, foram a um evento em Parintins (AM) e assinaram um decreto da Casa Civil para ampliar o intercâmbio de energia elétrica com países que fazem fronteira com o Brasil, abrindo caminho para a Venezuela.

A grande mudança no texto foi de caráter regulatório. Entre as medidas, o decreto autorizou o uso da importação de energia para reduzir o gasto com a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis). No jargão do setor, tornou a importação elegível para a sub-rogação.

Em princípio, a medida é excelente. A CCC banca o combustível das térmicas dos 211 sistemas isolados, não conectados à rede nacional, e quem paga são todos consumidores do Brasil, na conta de luz.

O gasto é elevado. Neste ano foram R$ 12 bilhões.

O destino da energia da Venezuela é Boa Vista e cidades conectadas a ela. Roraima é o único estado que não esta ligado ao sistema elétrico nacional e depende de térmicas. Responde por quase 20% da CCC, R$ 2,3 bilhões.

A energia das usinas Monte Cristo, âncoras do sistema de abastecimento local, por exemplo, sai a R$ 1.700 pelo MWh.

Por causa da orientação estabelecida no decreto, o parâmetro de análise do preço é o gasto com as térmicas mantidas pela CCC. Qualquer energia que custe menos é bem-vinda. Nessa ótica, os R$ 1.080 propostos pela Âmbar são vantajosos.

No mundo dos negócios essa lógica é chamada de custo de oportunidade. Os especialistas da área de energia, porém, estranham que ele seja aplicado sem filtro na gestão da política pública da modicidade tarifária.

A partir da assinatura do decreto, o processo de importação da Venezuela acelerou. Em 13 de setembro, a Âmbar Energia encaminhou ao MME uma carta com a "Proposta de Importação de Energia Elétrica da República Bolivariana da Venezuela", informando inclusive os preços.

No dia 19, a sugestão foi remetida à análise do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico).

A importação de energia passa pelo crivo do MME e de órgão setoriais, mas não demanda licitação. Apenas a Âmbar teve interesse em operar com a Venezuela.

O comitê aprovou a sua proposta numa reunião em 25 de outubro. O ministro Silveira não participou. Havia viajado para reuniões em Caracas, para tratar da volta da importação de energia.

Em 30 de novembro, uma portaria do MME publicada no Diário Oficial da União ratificou a Âmbar como importador de energia da Venezuela.

INSTABILIDADE NA OFERTA DE ENERGIA É OUTRO PROBLEMA

Além da questão do preço, especialistas da área de energia dizem que faltam detalhes sobre o item vital, a segurança do fornecimento. Afirmam que, apesar de Lula e outros representantes do governo falarem que a suspensão do contrato com a Venezuela foi ideológica, o que realmente pesou foi o critério técnico. Roraima sofria com quedas de energia. Chegou a ter dez em um único dia.

O corte definitivo ocorreu após um mega-apagão na Venezuela que afetou Roraima e foi atribuído à falta de manutenção na linha de transmissão do país vizinho, apesar de o governo Maduro apresentar a versão de que foi sabotagem.

Folha apurou que técnicos em Roraima têm uma preocupação adicional. Argumentam que não parece racional retomar a importação no momento em que Maduro ameaça anexar Essequibo, região que corresponde a 70% do território da Guiana.

Roraima faz fronteira com os dois países e linhas de transmissão são alvo em conflitos territoriais, afirmam.

Foi pensando na segurança que o CMSE também definiu que a importação deve ocorrer de novembro de 2023 a janeiro de 2024, e que os parâmetros de fornecimento e segurança precisam ser avaliados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e o ONS (Operador Nacional do Sistema).

IMPORTAÇÃO DA VENEZUELA GERA ECONOMIA PARA OS CONSUMIDORES, DIZEM ENVOLVIDOS NO PROCESSO

Âmbar e MME não explicaram a diferença do preço e defenderam, em notas enviadas à Folha, os benefícios da importação da Venezuela.

A Âmbar afirmou que estruturou uma operação comercial para viabilizar a operação, apresentando uma nova alternativa para a redução da conta de luz dos brasileiros e para a descarbonização da matriz energética.

"A energia está sendo ofertada pela Âmbar a um custo médio 50% inferior ao preço atualmente pago pelos consumidores para abastecer o estado de Roraima", afirmou o texto.

"Além disso, 100% desta oferta da Âmbar vem de fonte renovável, substituindo energia de fontes fósseis e contribuindo para a redução das emissões de gases do efeito estufa pela matriz energética brasileira."

A empresa ressaltou que a linha de transmissão passou por investimentos em reforma e modernização do lado venezuelano, para voltar a operar dentro dos parâmetros técnicos exigidos ONS.

O MME afirmou estar cumprindo a determinação do Decreto nº 11.629/2023, assinado por Lula em Parintins (AM), e avalia a economia gerada pela importação considerando os custos de operação do sistema elétrico de Roraima.

"Vale ressaltar que o MME atua sempre visando a maior modicidade tarifária, conjugada com segurança energética", destacou a pasta.

A nota ressaltou ainda que é preciso resguardar a segurança operacional do sistema elétrico de Roraima, o que pode demandar investimentos do agente importador na manutenção da linha de transmissão em território venezuelano.

ONS, por sua vez, afirmou, também em nota, que com base em seus estudos o CMSE decidiu que a operação precisa ser feita dentro de critérios que evitem corte de carga em Roraima caso ocorra perda da interligação Brasil-Venezuela.

Neste sentido, o montante a ser importado vai depender do comportamento da carga e das características do parque de geração disponível.

"Vale destacar ainda que o ONS não tem a atribuição de fiscalizar instalações do Sistema Interligado Nacional, tampouco daquelas localizadas em território estrangeiro."

Procuradas pela Folha, a Presidência da República e a Aneel não comentaram até a publicação deste texto.

Longevidade ascendente, Eudes Quintino de Oliveira Junior in APMP

 

Machado de Assis, em sua época, em várias de suas obras, retratava uma pessoa entre 45 a 50 anos de idade como idosa, velha no linguajar da época. Em alguns personagens descrevia até a dificuldade de galgar a Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Tanto é que na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), chegou a afirmar: “A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana”.

O fatiamento etário da pessoa é regulado não só pela realidade biológica, mas também pela própria normatização social que estabelece a fase da criança, do adolescente, da maturidade e do envelhecimento e, em cada uma delas, cria tutelas específicas e necessárias para os diversos estágios. Nesta progressão, o idoso será aquele que irá reunir a maior carga protetiva, pois passou por todas as anteriores e ambiciona ainda uma longevidade com qualidade de vida.

O homem, antes e acima de tudo, é um ser temporal, com início, meio e fim, e não um marco definido pelo idadismo.  Assim é que vai superando cada tempo seu, ampliando suas expectativas e apostando em um futuro com mais esperança e até mais entusiasmo - pois contará com uma rica experiência adquirida ao longo da vida e encontrará um campo propício para demonstrar seu dinamismo, sua articulação e fertilidade em descobrir iniciativas e ideias novas - enfim promovendo tudo aquilo que lhe trouxer satisfação.

A longevidade não é mais uma ambição remota e sim uma realidade incontestável na história da humanidade. Pode se observar, pelos atuais regramentos, que o preconceito em razão da idade pode dar azo ao ageísmo e provocar consequências processuais desagradáveis. O Brasil editou o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que alcança aquele que atingiu sessenta anos de idade, assim como a Lei nº 13. 466/2017, que criou uma nova categoria de idoso, acima de oitenta anos.

Ambas, com base na ficção etária, amparam a vida longeva e atribuem à família, à comunidade, à sociedade em que vivem e ao Poder Público o dever e responsabilidade de assegurar a plena efetivação dos direitos consagrados constitucionalmente relacionados à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à dignidade, à convivência familiar e outros anunciados

O envelhecer é um processo natural e de interesse de toda a sociedade. Daí, com a evolução cada vez mais pronunciada da longevidade, há necessidade de que todos tomem conhecimento da legislação específica. É tão extenso o rol de direitos que pode ser afirmado com segurança que somente uma pequena parte deles vem sendo cumprida. E vale acrescentar que há os direitos considerados difusos, aqueles ainda que não foram explicitados na legislação, mas que contém normas acolhedoras pela aplicação da hermenêutica.

Do idoso exige-se um comprometimento íntimo em que tenha a plena consciência que avança cada vez mais na idade e uma transformação externa com relação ao convívio com os parentes, amigos e até mesmo o ambiente que sempre frequentou, tudo visando uma harmonização coerente com sua condição. É uma nova postura, mas não se trata de fator impeditivo de levar a vida adiante, mesmo com as limitações impostas pela idade. Busca-se, na realidade, o equilíbrio.

A expectativa de vida do brasileiro, com exceção do período pandêmico, vem crescendo em espiral ascendente e atingiu 75,5 anos, sendo 79 para as mulheres e 72 para os homens, segundo divulgação feita recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).[1]

Tal índice acarreta expectativas de novas políticas públicas para abrigar um considerável aumento de pessoas nesta faixa etária, não só na específica área da saúde, mas, também, em todas as outras que englobam os direitos fundamentais, na busca da melhor qualidade de vida.

A spes vitae, vem, desta forma, acrescentar mais um estágio etário à população que ingressa na longevidade.

 

Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, sócio fundador do escritório de advocacia Eudes Quintino Sociedade de Advogados.

 

 

domingo, 10 de dezembro de 2023

O mundo sempre foi e será uma porcaria, Sergio Augusto - OESP

 2 min

de leitura

Que o mundo sempre foi e será uma porcaria a gente já sabe; desde, pelo menos, 1934, quando se ouviu pela primeira vez o tango Cambalache. Mais que um tango, um catártico desabafo niilista de Enrique Santos Discépolo (1901-1951) contra este merengue de absurdos em que ignorantes e sábios, honestos e canalhas, têm o mesmo peso. Discépolo falava do mundo, mas sobretudo da Argentina e das Américas.

Na quinta estrofe da versão original de Cambalache, aos mencionados Toscanini, Napoleão e o general San Martin juntavam-se o padre salesiano dom Bosco e o lutador Primo Carnera, com o tempo acrescidos de (ou substituídos por) Stravinski, Beethoven, John Lennon e Ringo Starr.

Nesse elenco Rexona, em que sempre cabe mais um, não fariam má figura dois argentinos sobre os quais muito tenho lido nas últimas semanas. Ambos convenientemente bissílabos, para não bagunçar a métrica da letra: Milei e Darré.

Javier Milei em foto de 19 de novembro de 2023
Javier Milei em foto de 19 de novembro de 2023 Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Milei, que hoje toma posse como o Bolsonaro da Argentina, dispensa apresentações. Caberia sem aperto no meio de outras figuras ainda não evocadas por quem gravou o tango depois de Caetano, Raul Seixas e Angela Rô-Rô. E decerto subiria no conceito mundial se descumprisse suas promessas de campanha, se enfim se revelasse um estelionatário eleitoral.

Ainda que Darré corra o risco de ser confundido com (Ricardo) Darín – como Staviski acabou trocado por Stravinsky na insuperável interpretação de Julio Sosa, que nunca ouvira falar no financista de origem russa Alexander Staviski –, insisto em sua inclusão pelo que Richard Walther Oscar Darré representa na história da nazificação da Argentina. Isto mesmo: nazificação. Um novo capítulo dessa história pode estar sendo escrito por Milei.

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O milongueiro bufão que os hermanos alçaram à Casa Rosada iniciou sua carreira política à sombra do general Domingos Bussi, com extensa folha de serviços prestados à sanguinária ditadura de Videla (sequestrou um parlamentar, deu sumiço em centenas de sindicalistas, estudantes e professores), que culminaram com sua condenação à prisão perpétua em 2008.

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Quanto a Richard Darré, nascido Ricardo e filho de imigrantes alemães atraídos ao “celeiro do mundo” que era a Argentina, aos 9 anos foi estudar agronomia na terra natal dos pais. Seu avassalador sucesso entre os nazistas o impediu de voltar para Buenos Aires, como planejara.

De um livro que publicou em 1930 saiu o slogan nazista Blut und Boden (sangue e solo pátrio) e a ideia de aplicar em seres humanos os mesmos métodos de “aprimoramento genético” da pecuária. O eugenista portenho ajudou Himmler a montar as diretrizes racistas do 3.º Reich, de que foi ministro da Agricultura entre 1933 e 1942. Condenado pelo Tribunal de Nuremberg, morreu em 1953, aos 58 anos, não na forca, de câncer. Como deixar de fora de Cambalache um supremacista branco desse calibre?