quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Saída de Datena embola disputa pela vaga de vice de Covas para as eleições em SP, FSP

 Igor Gielow

SÃO PAULO

A desistência do apresentador José Luiz Datena de participar das eleições deste ano embolou a disputa pela vaga de vice na chapa do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB).

Filiado ao MDB, Datena era o nome de convergência de aliados importantes do tucano para integrar a disputa em novembro.​

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), durante evento na terça-feira (11)
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), durante evento na terça-feira (11) - Van Campos - 11.ago.2020/Ofotográfico/Folhapress

Agora, o jogo zera. Entre aliados do tucano, três nomes despontaram de forma mais imediata nas bolsas de apostas internas.

Primeiro, o da senadora Mara Gabrilli (PSDB), na hipótese de ser montada uma chapa puro-sangue que não melindre eventuais aliados para um eventual segundo turno.

Em favor de Mara, há a densidade eleitoral: ela teve 6,5 milhões de votos em 2018, numa campanha calcada em sua imagem de defensora dos direitos das mulheres e de pessoas com deficiência (ela é tetraplégica).

Contra, o fato de ela transitar numa faixa de eleitorado não muito diferente da de Covas, mais ao centro e com apelo a estratos da centro-esquerda. Como a confiança dos estrategistas tucanos é a de que o prefeito confirme o favoritismo das pesquisas pré-campanha, isso poderia ser um peso menor.

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Entre aqueles mais preocupados em angariar apoio nas periferias, volta à baila o nome da ex-prefeita Marta Suplicy (Solidariedade), cujo legado dos Centros de Educação Unificados (CEUs) é um ativo sempre citado por ambos os lados do espectro político.

Ela foi cortejada pela ala do PT contrária à candidatura de Jilmar Tatto, mas como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quis impor Fernando Haddad no jogo, por ora seu nome segue no mercado eleitoral.

Um nome que sempre sai com razoável intenção de votos que chegou a ser especulado na vice no começo do ano, Celso Russomanno (Republicanos), hoje é visto como pouco provável por sua ligação umbilical com a Igreja Universal —aliada de Jair Bolsonaro, inimigo declarado do PSDB paulista.

Por fim, há entre integrantes da cúpula tucana uma hipótese nova: atrair o coronel Marcelo Vieira Salles, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo, que em princípio será candidato a vereador.

O problema central é que ele integra o PSD, partido que já tem como pré-candidato na disputa Andrea Matarazzo. O ex-vereador era o favorito para disputar a eleição pelo PSDB em 2016, mas foi atropelado por João Doria, então com ajuda do então governador Geraldo Alckmin.

Matarazzo assim saiu do PSDB após 25 anos e acabou como vice de Marta, então no MDB, que ficou em quarto lugar no pleito vencido por Doria.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, descarta a hipótese a interlocutores, e diz que considera Matarazzo não só viável, mas como uma provável surpresa na eleição. Eles estiveram juntos nesta semana, adiantando planos para a convenção do partido, em 31 de agosto.

Com a sua reunião marcada para 12 de setembro, o PSDB tem um mês para resolver seu problema.

Ele já foi mais agudo. Na virada do ano, a candidatura de Covas balançava devido a diversas pesquisas mostrando que ele teria dificuldades sérias na disputa. Tudo mudou com dois fatores.

Primeiro, o prefeito foi diagnosticado com um câncer agressivo, que enfrenta com transparência pública. Sua aprovação começou a subir, em pesquisas internas, quase que imediatamente, e ele asseverou sua palavra nas decisões do partido.

Além disso, ele posicionou-se de forma bastante ativa no combate à pandemia, ainda que esse seja um flanco usual de ataque de seus adversários.

A possibilidade de que ele tenha de ausentar-se por vezes da prefeitura por questões de saúde segue sendo uma preocupação da escolha da vaga de vice, mas a boa disposição demonstrada por Covas durante o tratamento retirou um pouco dessa pressão.

No mais, ele virou favorito na pré-campanha, com a pulverização de concorrentes. O PT está abatido, tendo protagonismo roubado pelo PSOL, e o bolsonarismo orgânico não encontrou nenhum candidato com aspecto viável até aqui.

Datena era uma solução ideal porque trazia densidade inerente a um comunicador popular e, principalmente, atendia a um acerto maior entre partidos aliados que buscam montar um polo alternativo de poder no país.

Um acerto tripartite, encabeçado até aqui no quesito presidenciável pelo agora governador Doria, foi estabelecido entre PSDB, DEM e MDB. Nele, os democratas manteriam sua influência no Congresso, hoje dominado pela figura de Rodrigo Maia (RJ), presidente da Câmara.

O fariam, caso o Supremo Tribunal Federal venha a permitir, pela manutenção de Davi Alcolumbre (DEM-AP) na chefia do Senado e com o MDB, na figura provável de seu presidente, deputado Baleia Rossi (SP), como sucessor e aliado de Maia.

Nesse arranjo, o MDB ganharia poder em São Paulo por um novo vetor, Datena, esvaziando Paulo Skaf, que está aliado ao presidente Jair Bolsonaro. Ainda no estado, o DEM permanece com a perspectiva de lançar o vice de Doria, Rodrigo Garcia, candidato ao governo em 2022.

Por fim, hoje numa órbita que ora passa pelo governo Bolsonaro, onde tem ministério, e ora pela associação com antigos aliados tucanos, está o PSD de Kassab, ainda solto no jogo.

O abandono de Datena, novamente creditado a questões financeiras por seus correligionários, complicou o arranjo. Todas as opções na mesa trazem riscos para Covas e, principalmente, para o planos de Doria de estabelecer uma aliança nacional a partir dos níveis de capitais e estados.

PRINCIPAIS PRÉ-CANDIDATOS À PREFEITURA DE SÃO PAULO

  • Andrea Matarazzo (PSD)
  • Arthur do Val (Patriota)
  • Bruno Covas (PSDB)
  • Celso Russomanno (Republicanos)
  • Eduardo Jorge (PV), com Roberto Tripoli (PV) como vice
  • Filipe Sabará (Novo), com Marina Santos (Novo) como vice
  • Guilherme Boulos (PSOL), com Luiza Erundina (PSOL) como vice
  • Jilmar Tatto (PT)
  • Joice Hasselmann (PSL)
  • Levy Fidelix (PRTB)
  • Márcio França (PSB), com Antônio Neto (PDT) como vice
  • Marcos da Costa (PTB)
  • Orlando Silva (PC do B)
  • Vera Lúcia (PSTU)
  • A Rede Sustentabilidade anunciou que irá lançar uma candidata

Fernando Schüler - Sedução populista ganha fácil do argumento difícil das reformas, FSP

 A saída de Salim Mattar e Paulo Uebel não representa o fim da agenda liberal do governo, como li em alguns comentários, mas um atestado de que, na prática, ela andou muito pouco.

Sempre disse aqui que o governo Bolsonaro era produto de três pautas um tanto vagas. Na verdade, um conjunto de intenções no terreno do conservadorismo cultural, combate à corrupção e reformas liberais.

As duas primeiras se perderam há muito tempo. Barradas pelo Congresso e por sua própria inconsistência. A agenda liberal deu em quase nada. A lei da liberdade econômica talvez tenha sido seu único suspiro. A reforma da Previdência foi uma solução de compromisso e veio no embalo do governo anterior.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, fala em pronunciamento nesta quarta-feira (12) ao lado do presidente Jair Bolsonaro e de Rodrigo Maia, presidente da Câmara
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, fala em pronunciamento nesta quarta-feira (12) ao lado do presidente Jair Bolsonaro e de Rodrigo Maia, presidente da Câmara - Pedro Ladeira/Folhapress

Agora caímos na real. Estamos a menos de dois meses da campanha eleitoral e a janela de oportunidades para aprovação de reformas vai se fechando. Vamos comemorar o ano novo com PIB negativo em 5,6% (última pesquisa Focus) e relação dívida/PIB acima de 96%, segundo a Instituição Fiscal Independente.

Diante desse cenário, o governo corre atrás de “espaço no orçamento” para esticar mais um pouquinho o auxílio emergencial e diz que irá aguardar até o ano que vem para enviar ao Congresso a reforma administrativa. Ainda nesta quarta-feira (12), naquele pronunciamento esquisito ao cair da tarde, imaginava-se que haveria algum anúncio objetivo sobre reformas, mas nada.

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Nenhuma grande surpresa aí. Pra quem gosta de ler a política um pouco abaixo da histeria reinante, Bolsonaro sempre foi um político mais tradicional do que fez parecer. E está cada dia mais com a cara do centrão e da velha burocracia militar do que com a de Paulo Guedes. Nosso outsider é cada vez mais um insider.

O governo gostou dos efeitos políticos do auxílio emergencial. O apoio a Bolsonaro cresce nos setores de menor renda e a última pesquisa DataPoder mostra que a aprovação e a desaprovação ao governo andam empatadas em 45%.

Quanto à reforma administrativa, o entorno da Presidência parece ter descoberto o óbvio: há muita conversa, mas pouca gente de fato preocupada com o tema em meio à pandemia. A MP 922, das contratações temporárias, caducou, e a PEC emergencial, que entre outras coisas previa a possibilidade de redução de jornada e salários dos servidores, nunca andou no Congresso.

A verdade é que o governo Bolsonaro não tem convicção sobre temas de modernização do Estado. E não está sozinho nisso. Os sinais que vêm do Congresso são bastante claros.

Exemplo foi a votação do novo Fundeb. Ao invés da reforma que iria desbloquear o orçamento e dar autonomia a estados e municípios, sob a lógica do “mais Brasil, menos Brasília”, a Câmara aprovou, sob a batuta da pressão corporativa e com o apoio do governo, a vinculação constitucional de no mínimo 70% dos recursos do fundo para gasto com pessoal.

No Senado fomos ainda mais criativos. Ao invés de reformas para abrir o mercado e incentivar a competição, resolvemos tabelar juros. Limite de 30% de juros no cartão de crédito e cheque especial. Lendo o projeto me senti quase um argentino. Menos mal que se trata de uma ideia que não irá prosperar na outra Casa do Congresso.

Juntando tudo, novo Fundeb, volta da CPMF, malabarismos para esticar o auxílio emergencial, tentativas de driblar a regra do teto, reformas e privatizações em ponto morto, o governo Bolsonaro vai mostrando o que sempre foi: um governo errático, sem projeto, seduzido pela hipótese de um populismo morno capaz de conduzi-lo vivo até 2022.

No fim das contas, ao menos não teremos que escutar mais que o governo Bolsonaro é “ultraneoliberal”, como li tempos atrás, e outras bobagens. Bolsonaro fará cada vez mais um governo tradicional. Com alguma sorte preservará a regra do teto e conseguirá emplacar algumas reformas de médio alcance, como foi o novo marco do saneamento básico.

Um projeto mais ousado de modernização do Estado ainda está para ser construído. Por enquanto, como observou Salim Mattar na sua carta de despedida, os liberais são um bicho estranho na máquina pública. E cabem (diria que com alguma folga) num micro-ônibus.​

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.